sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

FELIZ O TEMPO QUE JÁ PASSOU

Quando soaram as últimas badaladas, encerrando os 86.400 segundos do dia 31 passado, completamos 31 milhões e 536 segundos desfrutados ou sofridos do ano que se findou. Ninguém teve nem um nem menos um segundo desse tempo, equanimimente, disponibilizado pelas leis da vida a cada um de todos os bilhões de navegantes do planeta. O que foi feito, ou não, dependeu exclusivamente do gerenciamento diário e pessoal dos 525.600 minutos decorridos nesse período.
O ano marca o tempo aproximado de 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos em que a Terra orbita o Sol. Quando nossos ancestrais passaram a contar eventos repetidos, começaram também a medir e a marcar a passagem do tempo em antes e depois dos acontecimentos. Como eles, também nós precisamos marcar o tempo, encerrar períodos e recomeçar. É o que fazemos sempre, e, do mesmo modo, com luzes e cores, quando comemoramos a passagem do velho para o Ano Novo.
O físico-químico russo, ganhador do Prêmio Nobel de Química (1977) - por sua contribuição às leis da termodinâmica - Ilya Prigogine, em duas de suas obras, O fim das certezas e Entre o tempo e a eternidade, legou-nos uma teoria capaz de sustentar curiosa reflexão sobre o assunto. Ao estabelecer a idéia de que “o tempo não tem um início e provavelmente não tem fim”, propõe o axioma de que o tempo precede a existência. Talvez, sua tese esteja nos apresentando cientificidade ao conceito - estrito e latu senso – que se tem sobre a eternidade.
Dentre os argumentos que vão sustentando sua teoria, o instante do Big Bang, segundo ele, pode ter surgido de um momento entrópico (desordem) de ocorrências passadas. Esse evento, ao mesmo tempo em que significaria o ápice do caos, representaria, também, o começo de nova ordem; certo momento de escolha, de determinação do Universo que se cria a partir de então. Ordem e desordem criando nova ordem. A vida seria assim compreendida como resultante de inúmeras situações sucessivas de probabilidades originadas em instantes de caos.
Sua teoria pode nos levar a crer que o (nosso) futuro seja o resultado de opções – em momentos entrópicos e que conhecemos como passado - dentre inúmeras possibilidades de escolhas - as quais, continuamente, vão se apresentando na flecha do tempo. Cada ação, no presente, desencadeando, sempre, um futuro imediato e sucessivo, desconhecido enquanto não se realiza, já que se abre para outras escolhas; uma construção que se vai tecendo ao longo do caminho e do tempo.
Sob esse paradigma, estaríamos sempre na iminência de optar por fazer coisas que por sua vez desencadeariam outras, como conseqüências de múltiplas escolhas e decisões que podemos tomar pelo uso do livre-arbítrio, na construção do futuro singular da peculiaridade de cada um. Prigogine explicita que, tal como “nosso Universo seguiu um caminho de bifurcações sucessivas, poderia ter seguido outros”, afirmando, ainda, que, “talvez, possamos dizer o mesmo sobre a vida de cada um de nós”. Talvez, seja, justamente, no rompimento com o passado, nos significativos momentos entrópicos de nossas existências que encontremos a força necessária ao impulso gerador do futuro.
Gosto de viajar nas idéias de Prigogine e conceber a minha (e a sua) existência imortal como um acontecimento no percurso da flecha da eternidade, sempre suscetível a descortinar novas e novas oportunidades, muitas das quais, originadas de momentos entrópicos (de sofrimento até), e nas bifurcações que nos proporcionam sempre novas escolhas de caminhos que jamais terão um fim, expulsando de vez a idéia da culpa irremissível, do inferno, da perdição. Obviamente, Prigogine não inclui nessa perspectiva o impulso de um Criador. Gosto, contudo, de fazer o que Prigogine não fez (ou não pode) e inserir Deus nessa reflexão, como o elemento impulsionador desses instantes significativos de nossas existências, com Sua presença marcante em nossos momentos entrópicos e sentir Sua misericórdia nas oportunidades de refazer caminhos, reconsiderar decisões e corrigir os passo da caminhada e os rumos da viagem.
Na retrospectiva econômica do tempo que todos fizemos de 2010, é claro que computamos minutos perdidos e mal utilizados. Do mesmo modo, conta ao nosso favor, o bom uso do tempo que fizemos. Para os próximos milhões de segundos que teremos a frente, no transcurso das próximas mais de oito mil horas, de 2011, o que temos realmente de nosso e possível e certeza é o instante do agora do tempo presente, renovados a cada manhã pela permanente presença da Sabedoria Divina. Então, é no agora que devemos fazer, é no agora que devemos usufruir; é o agora o tempo de realizar; porque o ontem já foi e não mais nos pertence e o futuro continuará sempre uma incógnita, resultado de nossas opções.
Se das 8 760 horas transcorridas em 2010 formos capazes de retirar lições que nos tenham tornado melhores; se, com elas, pudermos ampliar as virtudes que dormitam em nós, feliz o tempo que já passou, porque, de certo, novos momentos entrópicos virão.


Maria Ângela Coelho Mirault: http://mamirault.blogspot.com
http://www.webartigos.com/articles/56386/1/-FELIZ-O-TEMPO-QUE-JA-PASSOU/pagina1.html
Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, 13/01/20111
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault