quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CAIRO, DAMASCO E SALVADOR

Não, aqui não se falará sob a ótica do direito civil, militar, nem sob o respaldo de estudiosos das relações internacionais. Não vem ao caso. Não se discorrerá muito menos sob as prerrogativas governamentais, nem corporativistas que engendram os conflitos no Cairo, Damasco e Salvador. Aqui abordaremos uma questão simples, mas crucial, sob a ótica de um ser humano que questiona os fatos, a luz da soberania nacional, constitucional e o estado de preservação de direitos do cidadão.
O vínculo e ponto de identidade entre o que está ocorrendo no Cairo, em Damasco e o que ocorre (já ocorreu e ocorrerá) em Salvador é o confronto entre os mesmos, ou seja, os nacionais. De um lado, no Oriente Médio, é o povo na rua, para o que der e vier, buscando seu rumo na história. A conflagração entre milhares de torcedores, resultando em 624 feridos e 74 mortos, ao término de uma partida de futebol, no Cairo, foi apenas parte de uma guerra civil que lá já se estabeleceu. A derrubada de Muhammad Hosni Said Mubarak (Egito) foi uma questão de sobrevivência de uma nação levada ao extremo em contraposição ao poder coercitivo dominante há décadas. Em contrapartida, o governo que lá se instalou desde então, não tem atendido ao clamor e aos ideais ecoados nas manifestações públicas. Não há mais o que negociar, por isso, o povo egípcio ocupa as ruas do Cairo sob a bandeira de que “os que morreram sem merecer exigem a vida dos que não merecem viver” (comentário este entreouvido em noticiário da televisão). Também em Damasco, capital da Síria - cujo opressor (Bashar Al Assadé), acusado de massacrar seu próprio povo, para manter-se no poder, à custa de muitos milhares de mortes de civis e escombros - não há volta e, mesmo sob os escombros de muitas mortes, muita destruição, o povo vencerá e uma nova ordem estabelecer-se-á. O momento entrópico a que chegaram esses países do Oriente Médio desde o ano passado não permite o retrocesso; o processo conflito-caos-ordem virá até novo momento em que novas lutas surgirão, recrudescerão, para, posteriormente, conduzir a superação do estabelecido resultante do conflito anterior. É assim o fio da evolução das civilizações humanas e das leis naturais.
Em Salvador, os policiais amotinados – é preciso que se ressalte - por reivindicações justas contra os salários indignos e que não encontraram eco no campo do debate, no âmbito do entendimento e da busca do consenso entre seus superiores – governo/corporação - chegou às ruas objetivando repercussão junto à opinião pública. Este, também, é um momento de ruptura. E, quando isso ocorre, consequências advirão. É o que vimos online acontecer na trópica, turística cidade brasileira de Salvador, capital do estado da Bahia. Obviamente, não podemos validar o estado de caos ali instalado; a população não pode ficar a mercê da incompetência governamental, do vandalismo e da decisão da corporação (organizada em motim), que têm como dever manter a ordem pública. No episódio, a tropa nacional, convocada pelo governador Jaques Wagner à camarada Dilma, precisa ter um comando moderado; não pode permitir nem adotar o confronto com as forças amotinadas e seus familiares e amigos civis. Não estão na Rocinha (RJ) combatendo o tráfico. Foram requeridos e, lá, estão para proteger a população, o patrimônio público e o privado. Se, a “ordem” for de reprimir os reivindicadores a todo custo, o caos instalar-se-á e as consequências, que são imprevisíveis, ainda podem se agravar.
Os governos autoritários precisam descer dos seus tronos monárquicos e atender os reclamos de seus servidores, pois estes, os mandatários, não são proprietários do erário, são os capatazes, lá colocados para gerir, por nós, os conflitos próprios de um sistema democrático. Legisladores, governadores, prefeitos, políticos de qualquer naipe ou agremiação, magistrados e dirigentes de estatais não precisam ir ás ruas reivindicar remuneração justa para o seu trabalho, pois tratam antes de qualquer compromisso republicano, de seus próprios interesses, legislando sempre em causa própria. Por que, então, professores, bombeiros, policiais, profissionais da saúde, dentre outros, precisam e chegam a esse recurso extremo? Há algo de errado nessa lacuna.
Não haverá diferença entre o Cairo, Damasco e Salvador se o confronto das forças nacionais se der contra os amotinados e seus familiares; será sempre um cidadão nacional contra outro cidadão nacional. Lá, no Egito, a causa é político-econômica e significa um momento entrópico de mudança para novos patamares civilizatórios. Longe de uma apologia às greves e suas maléficas consequências para a população, é preciso que se ressalte, governabilidade, não se exerce com força nacional nas ruas contra quem lá está por força da intransigência e falta de negociação entre os incapazes.

Maria Angela Mirault
http://mamirault.blogspot.com

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

DESCOBERTA A CAUSA DOS DESABAMENTOS NO RIO DE JANEIRO

Todas as tragédias no Brasil têm uma mesma origem. Elas resultam das mesmas fontes: corrupção, impunidade, indiferença, desrespeito, desmobilização, ignorância, prepotência, arrogância, desinteresse, descompromisso, individualismo, ambição, dentre outras tantas coirmãs.
Não é preciso comissão nenhuma para que se encontre a causa do desabamento dos prédios na fatídica noite de verão do Rio de Janeiro, tanto quanto o soterramento no morro do Bumba (lixão), em Niterói, ano passado, as mortes resultantes das enchentes em Belo Horizonte, Nova Friburgo e Teresópolis, dentre outras absurdamente cruéis, ceifando vidas irrecuperáveis e tão valiosas que dinheiro nenhum do mundo pode pagar. Muito menos as enchentes que assolam Campo Grande decorrentes do alagamento na área assoreada do Sóter e a única morte de um dos seus filhos, tragado por um sorvedouro que a mídia resolveu apresentar como bueiro.
Nosso país não tem registro de cataclismos naturais; somos abençoados. Nossas tragédias nos chegam pela negligência, pela lassidão e afrouxamento moral com que enfrentamos o dia-a-dia e contaminamos nossos costumes. Chega de movimentos, de passeada, de bandeiras, de mobilização e de escárnios pelas redes da internet. O século é o XXI, o ano é 2012, a hora é agora. Hora de acordar e compartilhar nossa presença no mundo.
Todo problema social advém da cultura de um povo e se constrói no âmbito da individualidade. Somos nós que decidimos, em nosso campo de ação, agir ou não; confrontar ou não um problema; dar, ou não, a devida atenção a uma infração, uma impunidade, um malfeito bem no nosso nariz. Somos nós quem não quer ouvir, ver e dimensionar a extensão de um problema testemunhado. O individualismo tomou conta de nós e nos transformou em meros consumidores. É isso, não passamos de consumidores de um mercado ávido da nossa atenção, ávido de nossa omissão e falta de cidadania, ávido de nós próprios.
Nosso país tem recursos inesgotáveis; nosso país tem leis suficientes, tem uma Constituição considerada com uma das mais avançadas; temos representações civis ainda respeitáveis. O que nos falta é o sentido de dever e do agir cidadão. O agir cidadão é o agir consciente, responsável, custe o que custar, doa a quem doer. Se eu tenho que negociar, por exemplo, para que esse texto seja publicado, já estaria deixando de cumprir o meu dever. Se para ganharmos um negócio temos que prevaricar, deixamos de ser um cidadão do bem e passamos, sem intervalo, ou mediação, para o outro lado; o lado dos espertos, dos corruptos, dos impunes e prevaricadores. Não, sinto muito, não tem meio termo; ou se está com Mamon - e com ele, optando pela ganância e do lado do Mal -, ou se está ao lado do Bem e do Belo, e, portanto, com as coisas de Deus. Lá, bem pra onde todos estamos rumando, é o lugar da verdade, lá não há como negociar falta de atitude, indiferença, desrespeito, omissão. Lá, pra onde estamos caminhando a cada segundo, só tem duas filas, dos que sobem e dos que descem. Lá, nosso confronto será conosco mesmos e seremos nossos próprios juízes.
Ah, como é difícil viver assim, alguém murmurará. É difícil, é crucial, é doloroso; quantos “amigos” se perdem, quanta incompreensão se colhe, e, até, solidão. Mas, agora, mais do que nunca, é absolutamente necessário. Se cada um de nós – pelo menos aqueles que receberam mais da vida – cumprirmos, nada mais do que, com o nosso dever, nossa responsabilidade, nossa dívida com a sociedade, o mundo será bem melhor. Sem precisar fazer nem participar de reuniõezinhas para discutir problemas, comissõezinhas para avaliar calamidades e responsabilidades, passeatas inúteis, replicação de gracinhas pela internet. Chega. Se cada um for responsável pelo pedaço de mundo em que circula e é responsável na formação da sua cultura e o rastro dos seus costumes, não transigir e tiver absoluta noção da importância da sua presença no mundo, coisas indesculpáveis como os desabamentos e tantas outras calamidades, rarefar-se-ão. Leis e normas serão cumpridas.
Somos nós, os espertinhos, os do jeitinho brasileiro, os responsáveis pelos desabamentos. Ainda estamos ilesos, impunes, mas, nossas mãos e corpos estão empoeirados, encharcados...

MARIA ANGELA MIRAULT
http://mamirault.blogspot.com