quarta-feira, 26 de junho de 2013

Copa das Confederações das Américas X Copa das Deflagrações Brasileiras

Bem, meus compatriotas, estão acontecendo coisas esquizofrenicamente díspares e concomitantes em nosso país. A sonolência se foi e, despertos, estamos palmilhando novo tempo e escrevendo nova história. O incêndio tomou amplitude, em 15 de junho de 2013, na abertura da Copa das Confederações, no superfaturado estádio de futebol Manoel Garrincha (1,7 bilhões), em Brasília. Mas, não só. Os primeiros rastilhos vieram da truculência policial nas ruas de São Paulo (13/06/2013), afoguearam-se pelo sopro político (de partidos antagônicos) da declaração (15/06/2013) - de Alkimin e Hadad - de que os preços dos transportes coletivos não retrocederiam. É certo que, no Manuel Garrincha, a vaizinha veio de parte do povo que pode pagar os quatrocentos, seiscentos paus por seus ingressos; portanto, de gente da classe média alta. Provavelmente, ali, se juntou a nata de um funcionalismo público, que, vitimada pela falta de qualquer parâmetro de isonomia, compõe parte de uma classe econômica, insatisfeita e que sustenta o Leão da Nação. Convocado pelo poder da net – o povo que, cotidianamente, acorda cedo, segue para o seu suado trabalho, sem qualquer conforto, e faz o país andar, acordou naquele dia e decidiu parar as catracas do metrô, descer dos ônibus, esvaziar os trens, atender ao chamado da propaganda e ir “Pra Rua, porque a rua é a maior arquibancada do Brasil”! De posse do espaço público, pararam o trânsito, enfrentaram a polícia, e recrudesceram na luta da redução das tarifas do transporte público. Como um vírus contagioso, impossível de ser detido, essa gente esquisita e de um valor retumbante logo somavam milhares de contaminados, pipocando aqui e ali, em todo o território nacional. A partir desse momento lindo, o Hino Nacional tornou-se o hit do momento, vociferado por todo tipo de gente, até então, caricaturada como indolente. Pacificamente e sem medo, caminhamos lado a lado; tínhamos um íntimo e um coletivo clamor guardado no peito necessitados de escoarem-se em gritos, palavrões e palavras de ordem. Alguns de nós, dos que sempre viveram pelos becos e pelas beiradas da sociedade, sem escrúpulos, sem educação, sem leis e medo, destacou-se da massa pacífica e vandalizou o que achava de direito. Para o bem do que estamos construindo, estes precisam ser rechaçados. Identificados, devem ser recolhidos aos ditames das nossas leis. Afinal, se pagamos pelos “mané-garrinchas”, pagamos, também, pela Segurança Pública, e, a Polícia não pode confundir-nos; não deve e não tem o direito de confrontar-nos. E, nós, os que clamamos, marchamos, cantamos, praguejamos e choramos temos o direito de sermos respeitados e protegidos, no espaço urbano que conquistamos. O tipo de vírus que nos contaminou ainda não pode ser identificado. Políticos, cientistas, estudiosos, jornalistas, palpiteiros, ninguém, consegue explicações para o fenômeno da “copa da deflagração de brasilidade” em todos os lugares. A manifestação da autoridade máxima do país não acalmou os ânimos já exaltados em temperatura explosiva. A Copa das Confederações e a Seleção Canarinho marcham para a final, no Maracanã. Mas, suas conquistas vão passando ao largo, paralelas, quase como uma bolha no meio das deflagrações populares. Do lado de cá, já podemos comemorar a aprovação, pelo Senado, do projeto que torna corrupção crime hediondo, de maior gravidade; o projeto sobre distribuição do Fundo de Participação dos Estados; a aprovação da PEC que acaba com o voto secreto para cassação de mandato; a aprovação do projeto que acaba com o pagamento de 14º e 15º salário a parlamentares; a ordenação da prisão imediata do primeiro deputado federal a ser preso durante o mandato; aqui, em nossa capital, a condenação e perda imediata do mandato, a inelegibilidade por oito anos, e a multa de 50 mil UFIR (R$ 53 mil de multa), por compra de votos por meio de distribuição de combustível nas eleições de 2012, do Presidente da Câmara de Vereadores de Campo Grande. Esquizofrênicos, bipolares, paranoicos, ou não, estamos próximos de comemorar a Copa das Confederações, com um olho no peixe e o outro na frigideira. O País do Galvão mudou e não somos, apenas, do samba e do futebol; somos, também, um povo desperto e que quer muito mais. O “vem pra rua” venceu a inércia da zubilândia. O Gigante quer Saúde e Educação no padrão da FIFA. Estamos à flor da pele. Brasil! Maria Angela Coelho Mirault – Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http:mamirault.blogspot.com Campo Grande, MS, 26.06.2013

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O palavrão na boca do povo

A palavra é a unidade da língua que veste uma ideia. Ela é recriação da realidade; não existe por si mesma. Tentamos, por seu intermédio, traduzir nossos pensares, complementados por códigos subjacentes que lhe acrescente significados. O gestual e a máscara facial, por exemplo, são suas complementações. O silêncio é uma forma de expressão que pode significar uma mensageira inteira que nenhum outro código seria capaz. O Movimento que está nas ruas, de todo o Brasil, vem se manifestando de todo o jeito possível: bandeiras, cartazes, pichações; caras borradas; expressões indignadas, olhos ejetados, cenhos cerrados. Tudo, absolutamente, tudo, tenta – apenas tenta – comunicar o tamanho da indignação de um povo, que se extravasa e se expressa em gritos, cantos, choros, lágrimas, palavrões, capturada por todos os tipos de mídia, repercutida na imprensa de todo o planeta. “Não dá mais pra segurar; explode coração”! Os palavrões são signos com significados precisos e ajustados ao sentimento que procuram moldar e vestir. Uma topada que dói, uma raiva, que implode e, pela indignação, explode, encontra no palavrão sua melhor expressão. As (mal) ditas palavras de baixo calão vem traduzindo a mais adequada veiculação dos sentimentos agora exaltados e compartilhados pelas vozes das ruas. O “fo..-se-a-copa!” é de uma precisão inatacável; não há nada que o substitua. “políticos-FDP” traz uma identificação tão precisa que carece de maiores explicações. A expressão “vai-tomar-no...” é um grito que encerra qualquer tipo de discussão, ainda mais, oriunda de milhares de bocas, antes engasgadas, que resolvem se abrir e vociferar. O palavrão permeia o linguajar do povo culto e inculto, nos estádios e nos recintos mais privados. O Dicionário Houaiss o conceitua como “palavra grosseira e/ou obscena, bocagem, impropriedade, linguarada, obscenidade, pachouchada, palavrada, porcaria, turpilóquio”. Há pouco, assistimos, pela edição de final da manhã, do noticiário da tevê- um vídeo em que a administradora-hospitalar-betina-siufi - utiliza-se da expressão “... nem fod..do”, dirigida a sua subalterna, para manifestar sua negativa, categórica, em atender uma prescrição de um medicamento a ser ministrado em um paciente portador de câncer. Qual o significado mais atual para a expressão “betina-siufi”, a partir de então? O que agora é obsceno, grosseiro, turpilóquio, e o que não o é? Em mais de cinco anos de minuciosa pesquisa, incentivado pelo sociólogo e antropólogo Gilberto Freire, o pernambucano folclorista Mário Souto Maior reuniu mais de três mil e quinhentos verbetes do vocábulo popular brasileiro considerado chulo e escreveu o mais completo Dicionário do Palavrão e Termos Afins. Para reunir essa quantidade de palavrões, Souto Maior, além de oito mil formulários distribuídos, leu mais de duzentos romances e inúmeras outras obras literárias. Sua obra só veio a ser publicada - liberada da censura - na década de 1980, no governo de João Figueiredo, quando a política da anistia já acontecia no País. A obra de Souto Maior, ao nos oferecer os palavrões característicos de todas as regiões do País, não só nacionaliza a cultura popular, como sua liberação constitui-se um marco de liberdade de apropriação e uso da nossa Língua. O palavrão está nas ruas e vem da boca dos brasileiros de todas as origens familiares e acadêmicas, e, expressa, com precisão, raiva, alegria e dor. Agora, está doendo! Estamos com raiva! Sabendo usar, muito infarto do miocárdio e muito tarja preta podem se evitados. Portanto, quando o “fod...-se-a-copa”, “políticos-fdp”, “renan-fdp” e o “nem-fo...do” derem mais conta do tamanho da indignação e não servirem para expressar todo o sentimento que nos domina, nesse momento assombroso de nossa história, fica a dica; o Souto Maior pode ser consultado. Os puritanos que nos perdoem, mas, o momento exige de nós um bom e sonoro palavrão. Amém? Maria Angela Mirault é Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http:mamirault.blogspot.com