quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Deserção político-social

Princípios e valores são adquiridos e exercitados na infância. Quando tutores (família e Estado) abdicam desse repasse cultural entrega, cruelmente, por sua ineficiência e leniência, à sociedade, um indivíduo anômalo e despreparado para o convívio social. Esse déficit cultural e educacional jamais será recuperado, pois, lhe foi negado, no momento adequado, a transmissão da tradição cultural dos seus contemporâneos. Vivenciamos hoje um status intelectual e cultural do nosso tempo subjugado aos valores hedonistas e consumistas. Ter prazer, obter o máximo de usufruto dos bens e serviços disponíveis na sociedade são parâmetros comportamentais na atualidade, rotulada de mal-estar da pós-modernidade. A mundialização das culturas e todo seu aparato tecnológico trouxeram grande benefício à sociedade, trazendo, também, uma nova concepção de espaço-tempo: tanto posso estar aqui, no mundo analógico, quanto ali, no mundo virtual. Aqui, posso ser bem diferente do que sou ali. Cria-se, desse modo, uma dualidade esquizofrênica da personalidade que rompe com a realidade e o status quo vigente. Ser diferente, mas, igual dentre os seus iguais (vestimenta, cabelos, tatuagens); aparentar o que não é (sensualidade, riqueza); ostentar o que não pode ter (marcas famosas replicadas), mas, que lhe é acessível pela facilidade imposta pelas leis do mercado são comportamentos aderidos e compartilhados nessa sociedade diacrônica. Na falta da transmissão dos princípios e valores - negados na infância - o espírito de época do nosso momento no tempo nos subjuga a dois simulacros de concepção de mundo, que extrapola o mundo real: o mundo-espetáculo, editado e instantâneo oferecido pelas diversas mídias e o mundo virtual, onde tudo “sou e tudo posso”. O primeiro coloca-nos, em tempo real, frente a frente com um mundo violento, aético, com a predominância da impunidade e da corrupção; satisfaz-nos desejos e alimenta emoções individualistas, pela indústria do entretenimento. O segundo nos leva ao convívio surreal onde se pode assumir o perfil que se quiser para ser aceito, suprindo nossas carências e necessidades afetivas; um mundo onde, também, podemos expressar-nos mais, sermos até mais sinceros e verdadeiros do que no mundo real da convivência corpo à corpo. O espírito de época moldado nos valores e princípios hedônicos e consumistas nos coloniza pelas implacáveis leis que regem as coisas; mundo esse onde tudo é intercambiável; têm rótulo e preço, inclusive em nossa relação com o sagrado. No simulacro dessa realidade do descarte de valores éticos, subjugados pela estética, a aparência vale mais do que a essência; o ter tem mais significado do que o ser, a ruptura, a acumulação de bens e produtos traduzem com propriedade a efemeridade dos acontecimentos, da valoração do entretenimento, da fragmentação das relações. Contudo, para o mundo real, aquele indivíduo anômalo, despossuído de qualquer referencial valorativo, não é portador do instrumental e aparato cultural e intelectual que o capacite para a convivência participativa na sociedade. Carente do comprometimento político e social, não possuindo uma concepção de futuro, entrega-se ao que estudiosos denominam “deserção social”, ou seja - por si mesmos e pela ausência elementar da educação – condenam-se ao desterro político e social, automatizados pela indiferença com relação ao futuro, seu, ou dos outros. Enfim, a ineficiência dos tutores da educação na infância (família e Estado) entrega à sociedade um indivíduo castrado em sua potencialidade e, acima de tudo, um doente social, que responde aos desafios do imediatismo, muitas vezes, inconsequente e perigosamente, para si e para os demais. Almas fracassadas; vidas violadas; esperanças imoladas e o futuro do país comprometido e caótico. Muitos deles materializam sua condição nas roupas-mensagens, nos grafites violadores de propriedades, na aparência bizarra, nos excessos comportamentais, na violência, no uso de drogas. Alguns nos aguardam nos sinais; ou, em nossas casas. Muitos, nas casas de recuperação que não recuperam ninguém, desprovidos de qualquer senso crítico, violados que já foram pela omissão do Estado que lhes promete e lhes ficou devendo a escola, a instrução e a educação. Outros, muito pequenos ainda, expatriados do aconchego familiar, apenas invisíveis, sob o olhar indiferente do espírito de época, pela multidão das ruas. Torna-se urgente e necessário a convocação de uma nova constituinte, para a elaboração de um único artigo: “cumpra-se a Constituição, revoguem-se todas as disposições em contrário e salvemos o Brasil”. Maria Angela Coelho Mirault 25.02.2014 Professora Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http:mamirault.blogspot.com

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Tira a bunda da cadeira

Viver está de amargar. Às vezes nos parece que está tudo fora de controle e próximo da mais completa regressão e anomia. As instituições não são uma entidade coletiva a que se possam atribuir desditas e falhas oriundas dos componentes do sistema. Todo sistema, por mais fechado que intente ser, para se manter vivo e operante, precisa dialogar, comunicar-se, com o seu exterior; mecanismo esse proporcionado por fronteiras que permitem esse contato. Enquanto se mantiver fechado e resguardado por escolha dos seus componentes, mais cedo ou mais tarde, pelo próprio processo físico da termodinâmica, será levado mais cedo ou mais tarde ao irreversível processo de entropia e morte. É lei. É física. Quando, nós, cidadãos comuns, externamente, identificamos e generalizamos a contaminação de um sistema é porque a deterioração está se exteriorizando e muito próximo do ponto de ebulição. Temos presenciado descalabros sociais, “nunca dantes vistos nesse país”. O sistema político brasileiro, por exemplo, está contaminado de tal forma, que grande parte da sociedade com capacidade de discernimento passou a ter como verdade opinativa, o bordão de que “todo político é corrupto”; de que “a política não serve para pessoas de bem”. O sistema judiciário brasileiro e sua gama sem fim de possibilidades de recursos gera na sociedade a percepção de que o crime compensa, a impunidade é padrão; danem-se as leis e os bons costumes. A generalização dessa concepção gera a desesperança, e, em casos mais agudos, o desespero e o caos. É certo que o próprio sistema, em seu inexpugnável processo entrópico, por si só, gerará suas próprias mudanças, mas, antes, provocará muito desgaste e dor. É também da lei da física que todo caos entrópico de um sistema dará origem a uma nova ordem sistêmica (graças a Deus). Mas, para que mudanças ocorram, antes será preciso que se esgotem os arcaicos modelos do passado para que novos paradigmas e novas verdades sejam adotados. A Ética por ser um categórico universal intrínseco ao indivíduo em uma sociedade, não é cambiável. Nossos valores e costumes serão éticos, ou não. Ocorre que, por serem constituídas por individualidades éticas, ou não, as instituições, enquanto sistemas entrópicos serão – e se apresentarão à sociedade (sistema maior) da maneira como esse movimento interno de individualidades dela o fizer (identidade e imagem). Daí, o corporativismo ser um mal à sociedade de hoje, porque o corporativismo abona a falta de ética de um dos seus componentes, o absolve e o absorve, mantendo-o no sistema. É o que tem acontecido com o PT com relação aos criminosos condenados do mensalão, guindados ao patamar de heróis por seus iguais. Enquanto não formos capazes de nos igualar no patamar da eticidade, contratos são as regulações necessárias aos relacionamentos. Leis – e seu cumprimento - são necessárias para regular as individualidades anômalas conviventes de um sistema maior. Quando um indivíduo quebra unilateralmente as normas do sistema ao qual aderiu, o sistema se deteriora e caminha mais rapidamente para a anomia. Só nos resta, nessa conjuntura crítica de valores morais, nos negarmos em aceitar que a falta de caráter prevaleça, exigindo e fazendo valer a integridade da pessoa vilipendiada. Essa revolução pacífica e branca pode ser custosa, desgastante, aterradora, mas, bastante poderosa. Porque, sempre que um de nós, ao invés, de aceitar o status quo, nos levantarmos contra tais quebras de condutas, estará contribuindo para a melhoria do próprio sistema contra o qual nos levantamos, e, por conseguinte, saneando a própria sociedade. Não esmoreçamos. Há leis e procedimentos que nos respaldam. Tiremos a bunda da cadeira, já. OS: Este artigo foi inspirado pela má conduta de um indivíduo médico que, unilateralmente, considera ter o direito e o poder de quebrar regras do contrato feito pelo sistema ao qual é credenciado com um conveniado de um Plano de Saúde. Mas, ele não tem esse poder, e, decididamente, não pode e não o fará! Maria Angela Coelho Mirault, em 05 de fevereiro de 2014 Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http:mamirault.blogspot.com