Não
sei se você sabe. A Portaria n°1.100/2006 que regulamenta o exercício da Classificação
Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a
cinema (...) e congêneres, de autoria do
já falecido ministro Tomaz Bastos, traz embutido, em seu Artigo 18 e 19, que, a
“informação detalhada sobre o conteúdo da diversão pública e sua respectiva
faixa etária é meramente indicativa aos pais e responsáveis (sic) que, no
regular exercício de sua responsabilidade (sic), podem decidir sobre o acesso
de seus filhos, tutelados ou curatelados a obras ou espetáculos cuja
classificação indicativa seja superior a sua faixa etária” (sic). Tal Portaria (um
ato administrativo, ordinatório, com o intuito de disciplinar o funcionamento
da Administração Pública e a conduta dos seus agentes), do falecido ministro, outorga
ao discernimento dos responsáveis tais autorizações, como se o país não fosse o
maior produtor de violência, ao vivo e em cores, emancipando todo tipo de
pessoa a submeter seus tutelados a vitimização psicológica, mental e social,
por serem por elas seus responsáveis.
Enquanto
isso, a Constituição Federal (1988) - fonte primeira de onde devem pautar-se e
beber todas as demais leis, normas, decretos, portarias - é a maior prescritora
dos conjuntos de normas de um país, situada no topo de todo ordenamento
jurídico, determina as atribuições e limites das (todas) instituições, (todos)
os direitos dos cidadãos e o imperioso, descurável dever do Estado. Em seu
artigo 227, determina, ao prescrever como "dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre os direitos,
nela descritos, o direito “à DIGNIDADE, ao RESPEITO (...)" “além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O
que nos diz o Artigo 18, da LEI 8.069/90 (ECA), com relação aos direitos-fins à
“liberdade, ao respeito e a dignidade”, segundo o cientista político Deodato
Rivera? “(...) liberdade-respeito-dignidade é o cerne da doutrina da proteção
integral, espírito e meta do Estatuto, e nesses três elementos cabe à dignidade
a primazia, por ser o coroamento da construção ética estatutária” (sic). Em
assim sendo, o Artigo Art. 17 (ECA) determina “o direito ao respeito consiste
na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”, afirmando ser o
“dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor”(art.18).
O que
vale mais neste país, uma Portaria, impondo normas e condutas ao público em
geral, a quem não está ligado por nenhum vínculo de subordinação, ou, a Carta
Magna, fonte de todas as fontes, e a Lei 8069/90, que instituiu o Estatuto da
Infância e do Adolescente?
Quem
está comendo mosca, ao permitirem que crianças menores do que a Classificação
dos espetáculos determina e que estão “autorizadas” pela referida Portaria à
submissão ao “tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor” (CF/88), violando a “integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, ideias e crenças”(ECA)?
Em
sessão de cinema, domingo, no Cinemark, em um filme com classificação de 16
anos, duas crianças aterrorizadas - uma de quatro e outra de 11 - estavam “autorizadas,
por estarem acompanhadas pelo pai”, a assistirem todo o altíssimo teor de
violência que o filme apresenta desde a primeira cena do assassinato de uma
família à mesa do jantar, pelo aval da Portaria do Sr. Tomaz Bastos.
Onde
estão os direitos do cidadão que é instigado, pela Lei 8.069 (ECA) a agir em
conformidade com o “dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”? Onde está o meu direito constitucional
de não compartilhar do mesmo ambiente em que crianças estão sendo submetidas a
verdadeiros episódios de tortura psicológica, física e mental? Com a palavra o
Ministério Publico Estadual, a Promotoria da Infância e da Juventude; a Defensoria
Pública; a Rede de Proteção à Infância,
se é que existe? Enfim, por que se calam?
Maria Angela Coelho – Professora doutora e mestre,
em Comunicação e Semiótica, pela PUC de São Paulo. https:mamirault.blogspot.com
22 de agosto de 2018.
https://www.correiodoestado.com.br/opiniao/maria-angela-mirault-quem-esta-comendo-mosca/334763/
https://www.correiodoestado.com.br/opiniao/maria-angela-mirault-quem-esta-comendo-mosca/334763/