Niki apanhou na
pré-escola. Na saída, um pranto incontrolável recortava suas palavras, e sua
tentativa de contar o que acontecera e expressar a sua dor! Ele mal completara
quatro anos e experienciou o amargor
do seu primeiro ataque de um semelhante e habitante de um – presumivelmente -
ecossistema favorável a ele e a convivência com seus iguais. Naquela manhã, Niki
havia se deparado com a agressividade do mundo externo ao seu - naturalmente antropocêntrico,
ameno, colorido, estético, ético e acolhedor – e, conheceu um dos seus porquês. O episódio aparentemente
fortuito (há coisas tenebrosamente – meu Deus! – piores, neste mundo e perpetrado
contra a infância!) fez com que Niki adentrasse em um novo mundo: lá fora, “a
gente apanha”; lá fora, “dói”!
Em grande escala, somos
Nikis. Mesmo que, munidos pelas experiências adquiridas; pelos inúmeros
processos do bater e do apanhar, ainda choramos e morremos, perdidos na lógica
do porquês.
O mundo de Niki é o
nosso mundo contaminado e pulverizado por espécimes agressoras. Parece mesmo que essa mutação esteja ganhando pelo
grito e opressão; adaptados, tenham aprendido a reverberar seu domínio e seus
demônios. O que sobressai é uma insanidade vigente insuportável, ofensiva, repugnante,
mas, trivial, guerreando e fazendo suas ocupações em todos os territórios já em
escombros; combalidos e tomados. Há uma carência retumbante de comprometimento
com o Outro, com o Igual e o - mais hediondo - com o Diferente, em todos os
espaços. Aliás ... nem precisamos do lá fora, já que nem damos conta dos
bélicos conflitos do fogo-amigo, dentro dos nossos bunkers. De repente, nos vemos (ou sabemos) brigando na rua, nas
casas, na família (ah! as famílias!). As pequenas guerrilhas - entre seres, antes, queridos – eliminando qualquer
possibilidade de entendimento e convívio, formando o exército de uma subespécie
de almas migrantes em busca de um lugar de sobrevivência; uma nesga de espaço
entre as fronteiras do antes e do depois.
Há evidência de muita revolta, muita raiva pronta a explodir em nossos –
aparente e enganosamente pacíficos - pedaços existenciais. Todos os dias - kamikazes – saímos de casa, munidos dos
nossos próprios coquetéis molotovs e deixamos
nossas bombas reativas, colocando, all
time, nosso arsenal de guerra em estado de alerta máximo. Em estado de
guerra permanente, saímos dos abrigos nucleares, em que se transformaram nossas
protegidas casas, apontamos nossos poderosos mísseis para qualquer um: o
gatilho pode ser uma mera buzinada, um coco de cachorro na calçada do vizinho e
nossos “tanques desgovernados” passam por cima de nossos próprios carros.
Sim, somos nós quem
alimentamos, diuturnamente, esse estado de guerra; oferecendo ao mundo nossa alta
densidade e psicosfera bélica, hipnotizados (imbecilizados?) pela força das
redes,e, ainda, pela desinformação emanada dos canais abertos e restritos das
tevês.
E, aí, camarada, de
dentro dessa vida que levamos, neste lugar em que vivemos, apartados e
conflagrados, quem somos nós, para palpitar e tomarmos partido em guerras e
conflitos dos outros?
Desliguemos, urgente,
e, primeiramente, nossos “tubos” de (des) informação e cuidemos um pouco mais e
verdadeiramente das nossas querelas pessoais e cotidianas. Porque o tratado de
paz, que vale, verdadeiramente, não depende do Capital Internacional e
armamentista; da OTAN, da UE, de Beiden, de Putin e Zelensky. A nossa guerra desenrola-se
virulenta e nefastamente dentro de cada um de nós e ao nosso redor. Nesse contexto,
só nós temos o Poder de desligar o estado de alerta máximo; nossa fabricação
doméstica de bombas e assinar Esse (nosso) Tratado de Paz.
Namastê!
Professora Maria Angela Coelho Mirault é
Doutora e Mestre pela PUC de SP, em Comunicação e Semiótica: Signo e
Significação das Mídias
Campo
Grande, MS, 28.03.22
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