Xô, sincericídio virtual
“Diga-me de fato o que
você quer, e precisa por escrito, (...) pois não quero e não vou responder à
criticas, ofensas, impropérios, idiossincrasias, gritaria ...” blá-blá-blá!
Estou há mais de uma
semana sem falar com entes familiares; nem bom-dia! Pode? Pode!
Covardia esse é o nome
que temos de encarar, assumir e nominar. O advento – é advento! - das novas
(novas?) e cada vez mais surpreendentes tecnologias está fazendo emergir
um comportamento altamente antiético, virulento e que expõe um tipo quase novo
de sentimento devastador que engole a coragem, a sinceridade e desabrocha no que, no fundo , nada mais é do que a
covardia de se “falar verdades” por intermédio das - nesse caso - malditas
redes sociais. É o sincericídio. Esse treco tem feito muito mal, no intuito de
fazer o bem; é quase um demônio travestido em ícones, signos, imagens; letrinhas
- àquelas que a gente aprendeu para usar para o bem e o progresso da Humanidade
–formatadas como adagas; punhais que ferem e tiram do combate brutalmente a
quem foram dirigidas.
Parece-me que as “verdades”
agora só encontram lugar na escrita virtual: e-mails, facebock, instagran, twiter,
wahtsApp... Muitas vezes, com o intuito de atingir “um”, fala-se para todos. “Felicidades”,
“conquistas” expostas em imagens do “eu fui lá e você não foi”; “eu sou e você
não é” permeiam esses circos da prodigalidade hedônica dos nossos dias, tão
malditos, tão cheio de dores, de fracassos (dos outros, é claro!). Mas, o
autofalante, a reverberação é dirigida a todos que acabam por serem contaminados
com tantas verdades-verdadeiras, tão distantes do seu mundinho acinzentado: “Show
de Truman”!
Creio que todos já
conhecemos casos de sólidas amizades desfeitas por causa e dessa forma. Por
escrito parece que tudo pode ser dito; o outro, o infeliz (in) digno da
investida, não está lá, cara-a-cara para rebater, interagir, defender-se; cuspir
na cara, berrar e expor seu ponto de vista. É covarde porque parte de uma única
premissa, a “verdade” do emitente da fala, já que o “agredido”, se tiver um
mínimo de bom senso, embora ferido, só tem como recurso silenciar (o silêncio é
mensagem): calar-se-á, bloqueará o ex-amigo-ofensor, mas, o maldito malfeito, já
terá produzido estragos irreparáveis, relacionamentos terão ficado despedaçados
e seus danos irrecuperáveis. Não dá pra desdizer o que se grafou no ambiente virtual; flecha flamejante lançada jamais
retornará, ou se apagará. Bons tempos aqueles em que usávamos borracha e lápis
preto. Ou aquele em que cartas podiam ser rasgadas, para o próprio bem de quem
as escrevia e de quem as recebia, tantas e tantas vezes manchadas pelas
lágrimas de um e de outro. Hoje não mais, a punhalada grafada com o artifício
frio e lancinante do teclado torna-se imortal, fincada no coração, na alma e na
nuvem virtual. De súbito, não mais necessário é terminar-se um relacionamento ”to
meet face to face”. Termina-se pelo smartphone, pelo laptop: “não
deu”, “a fila anda”, e só.
O que dizer, então, das
divergências normais entre familiares: irmãos, pais, filhos, em que se podiam
discutir na sala, no almoço, no jantar? Nem pensar! Tudo, tudo, tudo é levado
ao pé da letra e as ofensas mais sinceras desaguam e encontram seu leito nas
redes sociais; aí, é filho bloqueando mãe, é mãe bloqueando filho, marido e
mulher nem pensar, tudo pode acontecer: “desfiz amizade com você”, ponto final!
Ou, “não se meta a comentar meus posts”!
Chegamos ao absurdo do
mundo do business. Na Austrália, a
empresa “Sorry, it’s over” especializou-se na mais nova forma virtual de se dar
um “pé--na-bunda” de alguém, sem ter de mostrar a cara e oferece aos covardes
várias opções para que se dê o ponto final, seja pelas mídias eletrônicas, ou,
mesmo por telefone (ops) smartphone!
Só na minha família
(verdade), irmãos tiveram relacionamentos abalados, sogras e noras, mãe e
filhas e filhos, marido e mulher, tios e sobrinhos, amigos ex-queridos... Toda
uma vida de bom relacionamento, de esporro normal, cara-virada, impropérios,
xingamentos, roupa-suja que logo se lavava e se passava, hoje, por escrito, tornaram-se
poluentes das nuvens virtuais; são os novos obsessores mentais, e, porque não,
sociais, desse bendito século XXI. Tenho pensado seriamente que esses recursos
tecnológicos vieram direto do inferno, do purgatório, sei lá; pois, seus
efeitos duram e perduram ad eternum,
e, com certeza, irão nos assombrar do lado de lá: “Ahhhhhh, te peguei! Agora,
me explica o que você quis dizer com aquele post”!
Daí, moçada, a partir
dessa constatação, recuso-me a escrever o que venha da minha alma como forma de
desabafo, também, me recuso a receber “ má-criações” pelos whatsApp d vida.
Quer falar comigo? Quer brigar comigo? Quer me xingar? Vai ter que ouvir e aturar
a “portuguesa”, in loco. Por favor: face to face! Amém?
Maria Angela Coelho
Mirault – Professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de SP
http:mamirault.blogspot.com.br
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