Há poucos mais de um
mês, jovens de escola particular de ensino médio, no Rio Grande do Sul, fizeram
uma zoada com o tema. Fantasiando-se de faxineiros, entregadores de pizzas,
arrumadeiras, cozinheiras, visavam, segundo eles, parodiar o arrocho do Enem (Exame
Nacional de Ensino Médio) - uma praga do Egito, sequer imaginada por Moisés -
que, ao lado de outras, está levando nosso futuro ao caos (sem mencionar o EAD:
Ensino à Distância, pelo qual, um diploma presencial vale tanto quanto um
diploma de cursos-delivery). Pela brincadeira, foram trucidados pelas redes
sociais. Oh! Como puderam gozar de profissões “tão nobres”! Hipócritas!
Hipócritas! Hipócritas! Por acaso, as profissões arroladas encontram-se no
patamar do sucesso profissional? Exerceriam esses profissionais “criticados” as
respectivas atividades por gosto e vocação? Ora bolas... Quem quer pegar em uma
vassoura, arear uma panela, enfrentar um fogão; trabalhar em telemarketing ...por
vocação?
Recentemente, ouvi o
relato de um engenheiro, altamente qualificado na área de tecnologia avançada
em som e imagem, exercendo a atividade de vendedor em uma prestigiada loja de
um shopping, no Rio de Janeiro. Apresentou registros dos “seus bicos como
engenheiro” (eu disse: bico como engenheiro), absolutamente convincentes. Ali, quase
se justificando: “aonde pinga não seca”, referiu-se a certo colega, odontólogo,
trabalhando como demonstrador de produtos em outra loja do mesmo shopping. No saguão de um aeroporto, ouvi outro relato
sobre o mesmo tema: a desaprovação de um pai, pela intenção da filha em cursar
medicina. Como diretor de hospital, revelou
a esposa, tinha pilhas de currículos de gente muito bem preparada (inclusive,
com pós-graduação) para um emprego (pasme!) de 900 reais!
Não, não se trata de
“se” nada der certo. Nada está dando certo. Nada! E, isso é vida real, no
Brasil. Com mais de 14 milhões de desempregados, já de muito, o país tem
perdido muita mão de obra qualificada, obrigada a trocar sua vocação, pelo que
lhe dá o pão, Há um imenso exército de reserva –“over quallity” - que, por
possuírem qualificações, acima do que o mercado quer, estão, nesse momento, “no
service”. E, sabe o que o mercado quer? Quer “commodities” (produtos de baixo
valor agregado); pouca coisa; manés-flexíveis; moldáveis; adaptáveis a sua
demanda. Quem estudou muito, acreditou nas regras do passado se ferrou. O que
tem de gente de nível superior atrás do carrinho-rosa-pink; do shake-herba-qualquer-coisa;
abrindo butiques (em casa mesmo), filiais da “25 de março”, “santa-efigênia”; “alfândega”,
“pero ruan”; farmacêutico-balconista (é comum vê-los no caixa); fisioterapeuta-massagista;
nutricionista-chef–cozinheiro; jornalista-assessor de político; psicólogo-recepcionista,
bacharel em direito-faxineiro; engenheiro-motorista, não está no gibi.
Como educadora, lamento
constatar que os jovens sul-rio-grandenses - mesmo sem se darem conta - não
estavam brincando. Sairão do colegial, quiçá, entrarão para uma faculdade. Muito
poucos farão sequer os cursos vocacionados; matricular-se-ão, pelo pódio do
Enem, em cursos, para os quais, jamais tiveram a menor vocação.
Como educadora, infelizmente,
preconizo: não é que “pode” dar errado; já deu! E, assim sendo, nossos alegres,
criativos e alienados jovens sul-rio-grandenses, que pensavam apenas estar se
travestindo de fracasso, embora não se tenham dado conta, registraram uma das
fraturas expostas de um Brasil que já está existindo, debaixo dos nossos
narizes, mas, que não queremos ver. Talvez, até, estejam eles, a um passo desse
desequilíbrio avassalador. Ocorre, como
certo, e, grave, que poderá não haver balcões e vassouras para todos. E, assim...
se nada der certo, tornar-se-ão, também, mais um “over quallity - no service”.
Maria Angela Coelho
Mirault – professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Publicado em 21.07.207, Correio do Estado, Campo Grande, MS
Publicado em 21.07.207, Correio do Estado, Campo Grande, MS
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