Pela morte do bebê
Artur!
Julho de 2017 terminou com
uma tragédia desumana e cruel. A morte inconcebível do bebê Artur, após um mês
de luta por sua vida, nesse dia 31, é o sinal de que chegamos a um limite
intransponível. Escudeiro de sua mãe, amparou com seu corpo gestado por 39 semanas, as balas que lhe seriam fatal.
Balas sem dono, sem direção, sem finalidade. Inexplicáveis, indesculpáveis,
inaceitáveis, disparadas por traficantes, ainda não identificados, de dentro de
uma favela, no Rio de Janeiro, é, apenas, mais um dos incontáveis episódios da guerra de todo
dia, travada nas ruas, becos e favelas, de um País que se dobra, diante da
impunidade.
Réquiem para o bebê
Artur. Que todos os sinos se dobrem pelo herói bebê Artur. Que todos parem seu
cotidiano, por sua breve vida e seu destino. Que saibamos o significado de sua
vinda, sua triste, breve e magistral história... diante dessa morte, na luta
contra o poder incontrolável do tráfico.
Choremos e lamentemos a
tragédia, mas, não deixemos de nos indignar com os fatos que levaram nosso
pequeno Artur. Estamos de luto, mas, antes de tudo, precisamos aceitar o fato
de que estamos sobrevivendo em estado de guerra, cujos ingredientes fatais
misturam droga, impunidade, corrupção, violação de direitos, avassalamento da
justiça. Despreparados e perplexos, optamos pelo ocultamento de nossas vidas,
nossas almas, acovardados, entrincheirados, e, isolados. Mas, essa estratégia
não está funcionando; estamos sendo dizimados. Não é novela; é realidade alucinógena
que perpassa o noticiário da tevê, nos atinge o peito e a dignidade. Estagnados
em pesadelos cruéis, temos tocado nossa vida, enquanto lá fora a ventania ruge,
os raios caem e atingem um de nós... lá fora, um a um (por enquanto).
Quem foi Artur? Artur
foi um bebê-brasileiro assassinado antes de nascer. Artur foi um brasileiro que
lutou, por 30 dias, para vencer o invencível. Artur foi o escudeiro-mor da vida
de sua mãe. Artur tornou-se um signo! É preciso
que se toquem todas as trombetas e que se pare tudo, agora. Fechemos as
fronteiras. Ponhamos os cachorros nas ruas. P-o-l-í-c-i-a! J-u-s-t-i-ç-a!
Uma vida é o bem mais
preciso da Terra. É a riqueza, anunciada há mais de dois mil anos, como a que
não enferruja e as traças não consomem. Mas, uma arma pode ceifá-la em poucos
segundos, impedi-la de vicejar, florescer e dar frutos; vidas destruídas e
reviradas.
Artur, porém, foi o
bebê que morreu horas antes de outro “ bebê” – abastado, malcriado, que tudo
teve e usufruiu, proveniente do dinheiro
e do poder de sua casta – ser retirado de dentro de uma prisão, pelo fórceps
autoritário do poder de sua mãe, acima das leis, da justiça, das evidências, de
tudo que uma civilização inteira construiu ao longo dos séculos. Esse “bebê-marginal”, de 37 anos, que fora preso
com 130 quilos de maconha, centenas de munições de fuzil e uma pistola nove
milímetros, agora, desfruta a correção de um Spa de luxo.
Estamos nos acostumando aos lixos-humanoides, “acima
de nós”; estamos nos deixando contaminar por essa espécie (sistêmica) de seres
que tudo podem; dos chefes do tráfico aos chefes de repartições (sejam elas
quais sejam). Se permitirmos, se não nos indignarmos, se não conseguirmos
enxergar o paradoxo do cotidiano anárquico que nos afeta, e explode em todos os
lugares e circunstâncias - na bala do mesmo tráfico que assassinou Artur e no
ato que libertou o filho-da-mãe- autoritária-autoridade, estaremos mesmo
entrincheirados e acovardados, em nosso isolamento inútil.
No céu, portas se
abriram e trombetas tocaram para receber Artur, o pequeno herói que escudou sua
mãe, livrando-a da morte. Na Terra - no brasil- apequenado-nosso-de-todo-dia -
uma porta de cadeia se abriu, pelo poder destemido e assombroso de uma desprezível mãe, que, vergonhosamente, ao
arrepio da Justiça e da Lei, de lá tirou seu lixo, proveniente de uma sociedade de
castas, que nos agride, surpreende e envergonha. Choremos a partida do
pequeno herói brasileiro, repudiemos, veementemente, a soltura do marginal.
Maria Angela Coelho
Mirault – professora doutora em Comunicação e Smiótica pela PUC de São Paulo
31/07/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário