quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PORQUE AINDA NOS MANTEMOS TÃO MEDÍOCRES




Nunca me pareceu tão atual como agora a tese que o ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger[1] faz a respeito da mediocridade. O talhe que lhe dá, caberia a qualquer lugar e, com rigor, vestiria nossa própria e medíocre realidade.
Com cuidado, alinho-me à sua lógica e acolho sua constatação universal. Vivemos mesmo um mundo e uma realidade medíocres. Contudo, creio que a mediocridade - que assinala o espírito de época e invade nosso cotidiano - talvez não nos seja, simplesmente, uma imposição, havendo, ainda, para alguns de nós, um fator decisivo: a opção.
Quer seja por indiferença ou acomodação, no atacado, a mediocridade é mesmo nosso credo e nosso desejo, mas, significa, também, nosso flagelo e nossa própria morte social. É ela quem travesti um certo tipo de gente, transformando-a em utilitário de determinado – ou quase todo - tipo de sistema.
Recorrendo a uma citação secular, Enzensberger, logo de início, indaga, qual seria a importância dos gênios e constata que muito mais importantes são os homens úteis, pois, destes são, apenas, exigida “uma feliz combinação de dons e habilidades, uma certa mediocridade que não se eleva até os gênios e pensadores”. Para atingi-la, basta, apenas, que não se deixe afundar até a condição de pobre-diabo, que se atente em alcançar uma grandeza média, de forma a atingir o ponto de utilidade que se deseja e que a coletividade precisa.
Enzensberger determina a origem da mediocridade no fato de que não esperamos muito de nós mesmos, acostumando-nos ao autodesprezo, por isso, nos é tão fácil optar pela utilidade medíocre, sem muito esforço. Mas, não seria esta também, opção semelhante a de pobres-diabos? Não seria esta a pior das escolhas?
De certo, que, a submissão à mediocridade é questão de escolha individual. Somos nós que preferimos assumir o personagem-sapo da psicanálise, mantendo o personagem-príncipe inacessível. Criados como galinhas, preferimos ocultar a águia que habita em nós, subsumidos aos costumes do galinheiro. Sem tomarmos consciência de que, somos, por natureza e identidade, príncipes e águias, deixamo-nos enfear e domesticar, limitando-nos por viver essa realidade que nos consome.
Estar (e não ser) medíocre é nosso escudo, nossa complacência, nossa cumplicidade com o mundo, com as coisas, com os outros. Ser medíocre é mais confortável e muito mais prudente. Submetidos a uma mediocracia consolidada, vivemos, trabalhamos, nos divertimos, criamos nossos filhos. Travestidos em sapos e galinhas, deslocamo-nos – ou não - cotidianamente de nossas casas e nos conectamos com o mundo. Imobilizados e na condição de utilitários, mascateamos nosso capital intelectual, nossa força de trabalho, às instituições, e, nos submetemos a chefias e modelos administrativos medíocres. É como medíocres que deixamos de nos importar “com os fundamentos elementares da vida, como a tranqüilidade, o clima, a vegetação, o ar e a paisagem”, alerta-nos o autor.
Para subsistir, prudente é que se assuma a utilidade que o mundo quer, a docilidade indiferente que ele determina. Somos números insignificantes de uma massa que, “manipuladas por forças sinistras”, se deixa transformar “num bando de idiotas consumista”, constata-nos o ensaísta alemão. É, também, pela apatia que a maioria silenciosa nem acredita ter-se transformado “em zumbis, marionetes ou fantasmas, e nem mesmo lhes ocorre a possibilidade de confundir sua realidade com uma “simulação”, diz-nos ele.
Ao abordar sobre o perigo da resistência, alerta-nos: “(...) o médio não é apenas um postulado de lazer, mas a medida de todas as coisas e a chave do sucesso. A existência econômica e psíquica da maioria é garantida pela mediocridade, e qualquer um que acredite poder ignorá-lo incorre num perigoso erro”. Não ser medíocre, ou não parecer medíocre, e, resistir ao espírito de época, que nos sufoca, é quase assumir uma personalidade psicótica, tornar-se um relegado, um exilado do seu próprio espaço, de sua própria pátria.
Contudo, fácil é reconhecer, distinguir e assinalar um ser que abjeta se categorizar e se regozijar na mediocridade. Ele é claramente identificável, pois não consegue esconder-se, metamorfosear-se, ou sucumbir. Cônscio de sua origem e natureza, identificado com seu lugar e papel no mundo, ele é um inconformado. Diante da simulação e do domínio do medíocre e sob o império da mediocridade, ele é um indignado. Estertora, mas sobrevive. Acende fachos, onde trevas se instalaram, deixando rastros e sinais irremovíveis. Mesmo vencido, não se lhe pode negar e reconhecer a identidade de sua força. Mesmo quando ferido e aparente sucumbir, não se submete, resiste e sobrevive. É um mutante.
A luta entre eles será grande e árdua. Haverá momentos em que quase parecerá perdida. Mas, serão eles, os que, se reconhecendo príncipes e águias, salgarão (e já salgam) a Terra com suas singularidades. Que se reconheçam e se somem. A cada resistência, a cada violação, evidenciarão, incontáveis vezes, que, por mais que as evidências e as aparências demonstrem, os fins não justificam os meios e não serão os medíocres que herdarão a Terra.



[1] ENZENSBERGER, Hans Magnus. Mediocridade e loucura. São Paulo: Editora Ática, 1995. Nascido em 1929, representa desde a década de 1960 um dos pólos intelectuais da Alemanha atual: um dos pensadores que (...) tem estado invariavelmente no centro das discussões políticas, culturais e literárias da vida alemã e européia.

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