segunda-feira, 10 de novembro de 2008

AI DE TI CAMPO GRANDE

Foto de Thiago Moser


AI DE TI CAMPO GRANDE (*)

Deve mesmo ter sido um instante mágico aquele em que José Antônio Pereira chegou às terras de um campo grande, sob um azul inigualável (estaria chovendo?), uma brisa suave e reconfortante, balançando as folhas do arvoredo. O canto dos pássaros, certamente, lhe encantaram os ouvidos, o cheiro do mato inebriou o seu olfato, tal como a primeira vez em que te vi. Nem mais um passo precisava ser dado, havia chegado, antes de todos nós, a esse canto do mundo onde cantam os sabiás, o ar ainda é puro, o céu azul, e, lavadas pelas chuvas, as noites estreladas.Pouco a pouco, o lugar de passagem foi-se transformando em lugar de ficar. Vieram os forasteiros, migrantes e imigrante de outros lugares. Não importa de onde vieram, de onde eu vim, importa que ficaram e eu fiquei. E, ficando, mesclamos um novo povo, com um novo jeito de ser e de viver.Ainda se pode imaginar tanta beleza, tanta pureza, no instante do teu nascimento. O silêncio de tuas noites, o ronco dos trovões sem eco, em tardes de tempestades são as mesmas de então. Ainda se pode ficar quieto, observar e usufruir o que a natureza nos reserva e nos dá, neste lugar. Somos milhares de campo-grandenses, logo chegaremos ao milhão. O campo grande do passado é hoje uma Campo Grande de verdade, transformou-se e é o que é. Continua bela, suas árvores centenárias ainda nos espreitam em todo o lugar, velhas senhoras estendem-nos seus braços, abrigam nossos pássaros em plena avenida Mato Grosso, por exemplo, ou na rua das Garças, onde, recentemente, um joão-de-barro qualquer instalou sua família em um poste de energia. Revoadas ao entardecer anunciam-nos que a bela noite vai chegar, enquanto, escandalosamente belo, o Sol se põe num horizonte linear. Ah! Campo Grande, tão bela, tão pura, tão pródiga, tão hospitaleira. Mas...... Onde estão teus filhos, Campo Grande? Já não precisam estudar ou se ilustrar lá fora, porque, então, não cuidam de ti? Por que se omitem e deixam que te violem, te explorem, te enfeiem e te ocultem a beleza? Será que não vêem o que fazem de tuas ruas, de tuas fachadas, de teu horizonte? Emparedada que estás sob quilômetros e quilômetros de muralhas coloridas que nos agride o olhar gritando mensagens inadequadas e inoportunas de coisas que não queremos saber, quando o que queremos mesmo é ver-te nua em toda tua beleza. Por que não vêem a agressão que vejo ao passar em tuas ruas? Cadê teu horizonte ensolarado e crepuscular? Ah! Campo Grande, são tantos os obstáculos que te ocultam a singeleza! Se soubesses das cidades na Europa como são preservadas! Ah, se pudesses ser como São Paulo, logo ali - muito mais antiga do que tu – e que pode ressurgir do que se pensava inevitável, só porque alguém, observando o exagero a que chegou a poluição midiática urbana, sonhou que seria possível interceder e transformar o stauts quo, em socorro de uma cidade sufocada! Será que não percebem que todo excesso é ruído, que diante de tantas palavras e cores nada se destaca, nada se fala?Ai de ti, Campo Grande! Que será de ti neste Natal? Que pena Campo Grande! Enquanto ninguém mais vir o que vejo, só me restará lamentar, cumpliciando-me contigo, nem que seja eu a única que, como tu, sinta; a única que fale e peça por ti. Basta! Precisamos regulamentar a caótica propaganda urbana, em nossa cidade. A Câmara nova e a nova Prefeitura podem (e devem) começar a estudar o assunto para 2009. Por enquanto, obrigada, Campo Grande, por tudo que ofereces a mim e aos teus filhos, por tudo que ainda vislumbro entre nesgas de muralhas coloridas, invasivas de tua privacidade. Tenha esperança, Campo Grande. Quem sabe já não tarde e seja breve o momento em que um filho teu não fuja a luta, e, vendo o mesmo que vejo, não sinta o mesmo que sinto e que sentes e venha somar-se a nós nessa vanguarda? Quem sabe, Campo Grande, tudo possa recomeçar e milagres possam acontecer?
Maria Angela Coelho Mirault
(*) O artigo foi publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, em 17 de novembro de 2008 - Caderno A, pág. 02