quinta-feira, 31 de julho de 2008

COSMOVISÃO




A APREENSÃO DA REALIDADE – COSMOVISÃO


Dentre as inúmeras descobertas da Física moderna, a conclusão de que o universo é composto por mais de 90% de matéria “invisível” talvez seja a que melhor nos auxilie no sentido de entender a temática que se apresenta.
A realidade não é o que está fora de nós. A realidade, o “mundo”, os outros e o eu fazemos parte de um mesmo e complexo sistema, cada qual constituindo-se também em um sistema em si, que interage - e que se deixa interagir - alterando-se mútua e constantemente. O mundo como totalidade e representatividade do que é real para nós é inapreensível aos limitados sentidos humanos, inaptos por natureza a percebê-lo em toda sua inusitada complexidade, não havendo, portanto, uma realidade totalizadora, uma verdade absoluta e unificadora, ou um saber confinado e definido universalmente.
Sob essa análise, o próprio conceito de totalidade é uma abstração limitadora e um equívoco epistemológico originado nas concepções provisórias e incompletas que o homem tem de si e do mundo.
Assim, toda abordagem da realidade é pessoal, incompartilhável e única. Não percebemos as mesmas coisas, não compreendemos do mesmo modo, e nos expressamos sempre de maneira original. Nossa realidade é circunscrita à cosmovisão que possuímos com relação ao todo, abrangendo sobremaneira também nossa concepção de gente. É essa visão particular da realidade e que chamamos por cosmovisão que nos auxilia-nos a organizar o caos circundante, nos aquietando frente ao desconhecido e aplacando-nos o medo. Percebemos, apreendemos, expressamos e suportamos o mundo pela filtragem da cosmovisão que temos de tudo.
Na verdade, estamos o tempo todo recodificando e reconfigurando nossos conhecimentos sobre tudo e sobre todos, em todos os dias, em todas as horas e a cada experiência. Qualquer tentativa de compreensão e expressão do mundo constitui-se teias de significações particulares que temos – sempre provisoriamente – sobre todas as coisas que, de algum modo, destacou-se do caos e nos afeta.
Nesse contexto, o aprendizado é uma tarefa individual e resultante do esforço e da vontade pessoal de organização e sobrevivência. Ninguém tem o poder ou a capacidade de ensinar, mas sim o potencial de promover em si a aprendizagem de que necessita para manter-se vivo, em contínuo processo de metamorfose e acomodação de sistemas prévios. À medida que vamos adquirindo novas informações, passamos por experiências novas, reconfiguramos permanentemente todo nosso repertório de conhecimentos anteriores, o qual, reelaborado, amplia nossas concepções sobre tudo, alterando-nos a cosmovisão, e, conseqüentemente, nossa relação com coisas e pessoas., sempre vulnerável a novas aquisições e complementações futuras. Desse modo, somos hoje diferentes do que fomos ontem, ou agora, tanto quanto o seremos amanhã, ou daqui a 1000 anos, por exemplo.

sábado, 12 de julho de 2008

NÃO TROQUE O VELHO...


Não troque o velho pelo novo se não vai saber usar
Ela não tinha a menor necessidade de trocar o aparelho celular. Resistiu à oferta da operadora por quase três semanas. Acreditando-se ecologicamente correta, não via sentido em atender ao apelo do consumo irrefletido, alienado e irresponsável. Pensava: o que se irá fazer com tantas e tantas baterias descartadas pelo mundo a fora?Naquela manhã, porém, foi ao shopping, fazer o que toda mulher faz ao ir a um shopping. Antes de ir embora, porém, lembrou-se de conferir à oferta da operadora. Resultado: saiu da loja com um novo e “gratuito” aparelho de celular. Para o antigo, encontrou nova função, configurando-o em uma linha pré-paga - quem sabe, em uma necessidade qualquer ele estivesse disponível. Pura e racional justificativa para não ter que lidar com sua consciência. Já que capitulara e, se era para trocar, escolheria o que possuísse mais recursos. Eliminados pelo critério das possibilidades de uns em relação à falta de recursos de outros, decidiu-se e escolheu o mais completo. O seu novo aparelho dispunha de câmera fotográfica, vídeo, rádio FM, mp3, e tudo o mais o que se imagina, inclusive, chamadas e recepções telefônicas. Óbvio que teria que estudar o manual, para um dia adquirir a competência de utilizá-lo adequadamente. Porém, o máximo que fez foi adicionar seus contatos, sem disposição de entender seu novo equipamento. Assim, apenas folheou o manual. E, esqueceu-se do básico: de ler a página de orientação de como ligar e desligar o aparelho. Até aí, tudo bem, se não tivesse uma viagem de avião a realizar. Antes de dormir, programou o despertador do celular, mas, praticamente, não dormiu, com medo de não tê-lo feito adequadamente, mas ele despertou. Na saída, esquecera o dito cujo. Voltou. Não há mais a menor possibilidade de se sair de casa sem o celular, pensando que não fazia muito tempo em que não só se podia, como se saia de casa, viajava-se, até, sem essa preocupação. Cumpriu os ritos do aeroporto e embarcou com a bendita maquininha em sua bolsa. Guardou sua bagagem de mão e acomodou-se em sua poltrona. Estava tudo bem, pensou. Porém, portas fechadas e as recomendações iniciais do comissário de bordo, trariam a tona um pequeno detalhe: a página do manual de como desligar o celular novo! Levantou-se apressadamente, abriu o bagageiro e buscou sua bolsa. Lá estava ele, lindo... Mas, ligado. Imaginou que conseguiria desligá-lo facilmente, pois, qualquer coisa que se liga, supõe-se, deveria poder ser desligada com facilidade; é assim na vida. Com as mãos dentro da bolsa, iniciou uma nervosa operação de apertar botões, funções etc, e, nada. Não encontrou nada parecido com o ícone “desligar”. Aparentando controle da situação e para que ninguém ao seu lado percebesse, continuou a tentativa, furtiva, como se estivesse prestes a cometer um pecado, um assassinato em massa, talvez. O piloto informava a equipe de bordo que o avião preparava-se para decolar, enquanto ela não conseguia entender aquela geringonça! Pensou em solicitar ajuda a um dos comissários, mas não teve coragem; já pensou que mico? Continuou tentando, até que encontrou o ícone “desativar” qualquer coisa. Ufa! apertou: é esse! Fechou a bolsa, colocou-a a frente de sua poltrona. O passageiro ao lado encarou-a brevemente. Teria notado ou era só uma paquera matinal? Mas, e se aquela não fosse a função adequada? E se o celular estivesse ligado? E, se, ligado, tocasse? Bem, seria um pouco improvável que alguém lhe ligasse às 5 da manhã. É, mas não seria impossível: 10 % de chance, talvez. Mas, e se a bendita maquininha ligada fizesse o avião cair? E se o avião caísse só por causa da sua aquisição impensada e consumista, e, todas aquelas centenas de pessoas terminassem sua viagem mais longe do que imaginavam e fossem todos para a estação do além (da vida)? Já não pensava na sua, e exclusiva, morte Com certeza, nem do lado de lá escaparia da fúria dos seus companheiros de viagem. E, se já não fosse um ato consumado, ao tomarem conhecimento de que fora o seu celular ligado o responsável pela tragédia que os vitimara, certamente, a matariam (de novo!). Tentando racionalizar, pensou: não seria ela a primeira a passar por essa situação durante um vôo. Quantas vezes não teria tido sua vida colocada em perigo e viajado com alguém, que tal como ela, não soubera desligar seu celular. Fechou os olhos e prestou atenção na decolagem; até aí, tudo bem, o avião decolou. Aguardou o serviço de bordo que, por sua vez, também, transcorreu normalmente; tudo bem. E a aterrissagem como seria? Chegara ao chão sem qualquer problema, tudo bem. Seu potente e altamente tecnológico-celular, com uma função qualquer “desativada”, não tocou durante todo o vôo, nem fez a aeronave cair. Ao chegar ao seu destino, foi, avidamente, buscar nas páginas do manual a instrução de como desligá-lo. Lá, no item que descreve “seu celular”, em “teclas e peças” encontrou “tecla de ativação (11)”, um minúsculo e convencional ícone de play, branco sobre branco, em sua parte superior. Fácil, como a vida, antes do celular.


Goiânia, 11/07/2008