segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Espiritualidade está no ar

Sem dúvida, o que está lotando as salas e levando milhões de pessoas ao cinema é, antes de tudo, a mensagem cristã que a Doutrina Espírita profere. Acreditar na vida após a vida não é prerrogativa dos espíritas. Essa crença atávica percorre a história humana desde os seus primórdios. Estudiosos dos nossos ancestrais atribuem o surgimento da cultura no instante em que as primeiras espécimes de Homem Sapiens, há 200 mil anos, passaram a enterrar seus mortos e adornar seus túmulos. Então, culturalmente, muito antes das religiões e escolas filosóficas, nossa espécie crê na sobrevivência de algo que transcende a morte.
A mensagem cristã atribuída a Jesus e trazida pelos Evangelhos há mais de 2000 anos não é outra coisa senão a proclamação da sobrevivência da vida após a morte. Se pudéssemos resumir a missão do Messias junto aos homens da Terra, poderíamos sintetizá-la na mensagem em que afirma que o reino de Deus não é deste mundo. Se não é deste mundo é de outro, daquele mundo que quis exemplificar com sua partida e seu retorno aos apóstolos. A mensagem cristã não é de morte é de vida, vida após a vida; vida transcendente, além da física, da realidade comprovável pela ciência e pelos cientistas.
A mensagem espírita segue par-e- passo a mensagem cristã. Professa a existência da vida antes e após esta vida, ou seja, viemos desse outro mundo a que Jesus se refere e para ele retornaremos. Então, o que traz de novo a mensagem espírita codificada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), cujo cognome Alan Kardec popularizou suas obras a respeito do tema? Dileto discípulo de Pestalozzi, o professor Rivail não era um paranormal, ou, o que conhecemos hoje como médium. Não era dotado de nenhum distúrbio mental, era, sim, um estudioso, um pesquisador. Fez o que muitos poderiam ter feito, mas não fizeram. Ao deparar-se com fenômenos considerados paranormais naquela distante Paris de meados do século XIX, decidiu examina-los, pesquisa-los com sua mente lúcida e não dogmática. Deparando-se com a possibilidade do intercâmbio de mensagens entre seres comuns pertencentes aos dois mundos, o de cá e o de lá, com seriedade, passou a travar um diálogo filosófico com aqueles que se denominavam Espíritos. Deduzindo a seriedade que aqueles diálogo traduziam, extraiu um corpo de doutrina que publicou em suas obras, sempre com o concurso dos intérpretes (médiuns) que lhe traduziam a mensagem da codificação espírita. Por já haver publicado diversas obras pedagógicas, entre os anos de 1828 a 1849, o professor Rivail decidiu adotar um pseudônimo e apresentou-se ao mundo, desde então, como Allan Kardec. Criou o neologismo “espíritismos” para diferenciar suas concepções da concepção sobre espiritualismo – crença na existência da vida espiritual, a qual toda religião professa. Publicou, em Paris de uma Europa efervescente suas cinco obras que expressam os postulados espíritas: O Livro dos Espíritos, 1857, O Livro dos Médiuns, 1861, O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864, O Céu e o Inferno, 1865, e, um ano antes de seu desenlace, sua última obra, A Gênese, 1868. Criou uma sociedade de pesquisa – a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, criou e editou uma revista mensal – a Revista Espírita (1858 a 1869), onde tratava da abordagem da paranormalidade, sob a ótica da normalidade da existência da realidade do mundo do lado de lá apregoado pelos princípios cristãos e exemplificados por Jesus. De novo, verdadeiramente novo, a codificação espírita trouxe a relevância de dois temas já abordados por filósofos e religiões, ao longo da história: a possibilidade da comunicação e intercâmbio entre essas instâncias de mundos e a tese da reencarnação. Allan Kardec (o professor Hippolyte) não queria, nem imaginava, incentivar seguidores, portanto, não queria criar o kardecismo. Como todo pesquisador, intentava contribuir com um tijolo apenas para o esclarecimento filosófico-religioso da grande inquietação humana e que habita em todas as criaturas e fundamenta todas as religiões e escolas filosóficas: quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
Pois bem, Nosso Lar trazido ao mundo literário pelo lápis do serão noturno de Chico Xavier há mais de 60 anos é uma história, uma reportagem de um de nós do lado de lá. André Luiz, o mensageiro-repórter, não é santo nem demônio e relata sua vida após a vida por intermédio da “paranormalidade” de Chico. Sua mensagem é de esperança, de consolo, de lógica. À cada um segundo a sua obra, já nos dissera Jesus, o crucificado. Em Nosso Lar é o que constatamos na história do próprio André e nas dos outros personagens, colhidos aqui e ali, do livro, pela produção do filme que já é campeão de bilheteria de filmes nacionais. Escreveu Kardec, em uma de suas obras (O Céu e o Inferno): "A Doutrina Espírita transforma completamente a perspectiva do futuro. A vida futura deixa de ser uma hipótese para ser realidade. O estado das almas depois da morte não é mais um sistema, porém o resultado da observação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual aparece-nos na plenitude de sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são os próprios habitantes desse mundo que nos vêm descrever a sua situação."
Pois bem, ao que se assiste em Nosso Lar é exatamente isso; a descrição de situações que ocorrem do lado de lá. Talvez a visão de nos vermos tão iguais, tão humanos tanto lá como cá, nos traga a curiosidade pelo tema e nos venha levando ao cinema, independente da religião que professemos, porque se há uma verdade é a de que, tal como André, um dia partiremos e nessa partida só teremos duas alternativas, o nada, ou a continuidade de tudo. Só por isso, mesmo com ceticismo, vale a pena conhecer essa reportagem de além-túmulo.

Maria Ângela Coelho Mirault
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica
http://mamirault.blogspot.com

Publicado no jornal Correio do Estado, Caderno A, pg.02,
Campo Grande, MS, 17/09/2010