terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E SE TUDO ACABASSE EM 10 SEGUNDOS

... E se você estivesse apenas digitando uma mensagem, fazendo um curso além do expediente, ou, mesmo, tomando um café? E se você estivesse quase terminando um dia de trabalho e indo embora para casa; arrependido de não ter assistido ao filme que queria, ou ler o livro que ainda não comprou no último final de semana? Ter o filho que gostaria de ter; feito a matrícula no curso que queria fazer; ou preocupado com contas a pagar e o material escolar dos filhos naquele dia? E se estivesse apenas feliz e cantarolando, saudoso do aconchego de casa, do beijo e abraço dos amores? E se você apenas estivesse respirando, apenas respirando e em paz com a vida, celebrando o dia comum que teve, com a graça de Deus? E se fosse você, se fôssemos nós, naqueles prédios desmoronando e o fim dos tempos se evidenciando em avalanche de escombros pelo tempo interminável de dez segundos? E se fôssemos nós, vitimados pela profecia do calendário maia do final do mundo naquela noite comum de 25 de janeiro fatídico, cruel, inconcebível, de 2012?
É fato ser a morte uma fatalidade. É certo que caminhemos a cada segundo ao seu encontro, queiramos ou não. Seres dotados de razão – o homem é o único animal capaz de compreender o significado desse fenômeno, em si – bem sabemos que a hora da partida pode chegar de qualquer forma e a qualquer hora. Por que, então, vivemos como se não fôssemos morrer? O que poderia distinguir aquelas pessoas de qualquer um de nós? Por que o mundo acabou para elas enquanto nós permanecemos vivos e abrigados em nossas redomas de proteção?
Todas as histórias são importantes, toda vida tem uma finalidade que transcende a nossa pouca compreensão. Os que vão deixam mensagens para os que ficam; nunca é em vão uma partida. Mas, quando as partidas são coletivas, inesperadas e trágicas, todos somos atingidos também de maneira coletiva, dolorosa, pesarosa e trágica. Estamos enlutados nesse recém-início de ano. Todos deixamos marcas; viver é escrever na linha do tempo de toda a humanidade. Viver é influenciar a própria vida e intervir nos acontecimentos a nossa volta. Morrer também o é. A lacuna da nossa partida jamais será preenchida e quem nos tem terá que conviver com essa brecha de presença, essa ausência que ninguém quer vivenciar. Os que se foram no apocalipse de janeiro, no coração do Rio de Janeiro, são mensageiros de uma mensagem muito maior do que podemos decifrar. Suas vidas extintas em breves 10 segundos nos anunciam a brevidade do tempo, a inexorabilidade da morte. Nos deixam, atônitos que estamos, a mensagem dos verdadeiros valores que devem reger nossas vidas, preencher nosso tempo, instigar nossa atenção. Não é o dinheiro, não é o sucesso, não é o supérfluo. O que precisa urgente preencher nossa mente e nossos corações são os sentimentos, os afetos, as emoções, as conquistas e as riquezas que os ladrões não roubam e o tempo não corrói. Que suas partidas não sejam vãs; mártires do nosso tempo, não podemos deixar de ouvi-los, testemunha-los em suas expiações tão dolorosas. É hora de pensar em Deus, no significado da vida, das coisas, do nada. É hora de apaziguar nossa ansiedade e nossos desejos. Tudo pode se desmoronar em apenas 10 inexoráveis segundos. Por eles, vivamos como se de lá, apenas empoeirados, pudessem ter saído. Mudemos nossos paradigmas, reavivemos nossos valores, alteremos as nossas rotas. Para nós que por aqui ficamos, ainda é tempo. Aproveitemos, então, enquanto o apocalipse não vem e a nossa tão temida hora não chega. Sejamos mais do que fomos ontem, melhor ainda do que somos hoje. Celebremos, por enquanto, a nossa vida.

Maria Angela Coelho Mirault
http://mamirault.blogspot.com

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A PROPÓSTIDO DO FAMIGERADO 12º. BIG BROTHER-BRASIL

Nem o Bial nem a emissora que oferece o espetáculo dantesco, à família brasileira, na hora do jantar, pode ser a única responsabilizada pela bizarrice do programa de maior audiência da televisão brasileira. Seu aval vem da audiência que o povo lhe confere. Essa é uma matemática simples.
Expressar, difundir e intercambiar ideias sempre foram necessidades intrínsecas à sociedade. A liberdade de expressão é um direito preceituado pela Declaração Universal do Direito do Homem (1948). Nossa Constituição (1988) lavra ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Sob esses dois princípios atribuem-se à mídia em geral – e, em particular, à imprensa - o papel e o dever socioeducativo de intermediar o fluxo das mensagens informacionais para que, livremente, possa o homem formar o seu juízo de valor, diante dos fatos.
A imprensa - palavra cujo significado vem de "prensa móvel" - surgiu há muitos milênios como um artefato para suprir a necessidade humana de informação. O estabelecimento de uma função social à imprensa deu-se a partir de três grandes movimentos revolucionários e paradigmáticos: na Alemanha, por volta de 1495, com Gutemberg, subsidiando a Reforma Luterana e popularização da Bíblia; no século XVIII, durante a Revolução Industrial; e, de fato, sob um alvará libertário, por ocasião da Revolução Francesa (1879), com a emersão de uma imprensa revolucionária e opinativa junto à burguesia, naquele momento.
O século passado viu surgir uma nova e potente diversificação dos canais informacionais trazidos pelo rádio e pela televisão. Em atendimento a um nascente mercado consumidor, a propaganda e o marketing passaram a influir, ideológica e economicamente, nos aparatos midiáticos, inaugurando uma cultura (e um consumo) de massa, na qual consumo e consumidor tornaram-se alvos de suas mensagens.
O advento das mais recentes tecnologias da informação assinalou nova revolução, ao oferecer - por intermédio das mídias digitais e todo seu aparato inovador e renovador - ao, antes, receptor passivo, novas perspectivas de compartilhamento e gestão da informação. Atualmente, vivemos uma revolução mais radical, irreversível e paradigmática, trazida pela potencialidade quase infinita do uso da internet.
Ora, em vistas desse breve relato, por que, simplesmente, imputar a esses aparatos midiáticos (seus produtores e produções) a responsabilidade pela (má, ou baixa) qualidade da informação (?) veiculada? As mídias expõem, em mensagens absurdamente caricaturadas, os valores aceitos, comungados, preconizados e institucionalizados - no âmbito das normas, procedimentos, práticas e costumes - de determinada época por uma determinada sociedade.
É fato que a mídia em geral - utilizando-se das prerrogativas universais e constitucionais de liberdade de expressão, deixa lacunas (morais) no cumprimento do seu papel socioeducativo. Porém, a mídia não cria, não inventa, não abduz seu consumidor. Ela, simplesmente, traduz, reflete, ecoa desejos e práticas, antes, adotadas e circulantes no espaço da cultura de um povo. O alto índice de audiência do programa televisivo Big-Brother-Brasil, e toda sua repercussão é exemplo disso. A fala do jornalista Pedro Bial, veiculada pela revista Veja (18/01/12) sublinha isso. Afirmou, ele: “... tive de me despir da condição de jornalista e ser um Zé Mané junto com os outros”. De fato, uma mídia, realmente, livre e consciente do seu papel social auxiliaria muito à aniquilação dos “zé-manés” a que se refere. Uma imprensa responsável por sua função social poderia, sim, ajudar a promover a revolução que muitos de nós almejamos; a revolução da consciência crítica, do juízo de valor, do discernimento e do critério sobre o que deve, ou não, vigorar como princípio ético e estético. Não havendo essa reflexão, somos todos “zé-mané”, refletidos nessa estética de horrores, que nos retrata de forma tão vil, tal como (ainda) somos. Contudo, é preciso que reconheçamos: os estupros (?!), orgias, futilidades, aberrações e bizarrices ofertados noite após noite pelo famigerado Big Brother Brasil têm a nossa assinatura, a nossa cara, o nosso gosto e, principalmente, conta com o aval da nossa audiência e da nossa consciência. Mudemos, pois, para que o reflexo da nossa imagem se transfigure, pois, por enquanto, somos todos muito feios, muito pouco éticos, quase nada estéticos.


Maria Ângela Coelho Mirault - Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
mariaangela.mirault@gmail.com