terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Um 2018 pra cada um


            A Semiótica – ciência que dá conta do estudo das representações – nos leva a conceber a realidade não passível de apreensão direta. Para tal, traz implícita a necessidade da intermediação sígnica que a nomine e a signifique. Ou seja, cada ser percebe e concebe a realidade em conformidade com um repertório personificado de significação. O azul do céu não traz em si o seu significado; é objeto de interpretação e representação semiótica. As coisas existem pelo significado que somos capazes de lhes auferir. Nada é o que parece ser; tudo procede de significados que lhes damos. É na condição de um ser simbólico, produtor e interpretador de signos e significados, que o homem concebe e interage no mundo.
            A Física Quântica – ciência que agudiza os conceitos anteriores da Física Clássica – ao trazer a lume a perspectiva de que o fóton - submetido em experimento a um observador - pode atuar, ora como partícula, ora como onda, nos aponta para muitos mistérios a se revelar. Só o fato de que a ação direta do observador seja capaz de modificar a realidade física, muda tudo. Não existe o eu que olha e observa, mais; agora, existe o eu que modifica e interfere no que vê. Assim, a realidade em si não existe, passa a existir sob nossa intervenção e interpretação. Se há Sol lá fora e minhas cortinas estão fechadas, minha realidade co-criada é escura, sombria; peculiar e minha. Desse modo, cada um dos mais de 7 bilhões no planeta tem uma realidade de acordo com sua capacidade de perceber, interpretar, decodificá-la e transformá-la, absolutamente sujeita a sua presença no campo quântico, com o apetrecho de sua cosmovisão, além, obviamente dos filtros provenientes da constituição física que nos confere o arcabouço para estarmos no mundo.
            A Cultura, por sua vez, é o habitat, no qual, inseridos, somos instados a nos relacionar por intermédio de signos e significados apreensíveis, compreensíveis e compartilháveis. É o ambiente ecologicamente semiótico, preexistentes e subsistentes, a nossa curta vida, já pleno de conceitos e de crenças enraizados, de valores, hábitos e comportamentos configurados como verdades, que atravessam gerações. Nosso mergulho nesse vasto caldeirão semiótico, de signos e significações constitui-se no filtro, na lente, pelos quais tateamos na tentativa de compreender o mundo. Somos todos ETs em espaços sistêmicos alosemióticos.
            Bem, se a realidade é uma construção nominada, dependente da semiose de significados peculiares, sob a regência de repertórios pessoais... Se, ela pode ser concebida uma co-criação do observador, que ao modificar o fenômeno que observa, passa a ser dela um participante... Se, a Cultura é a lente que nos circunscreve em um ecossistema de significados não compartilháveis... Se, ainda, a contagem do tempo é convencionada por calendários não unificados, e, apenas parte dos bilhões do lado Ocidental comemora com exaltação coletiva a convenção da passagem do ano, o que será o novo ano para nós?

            Será o que cada um de nós dele o fizermos. Serão bilhões de 2018 - um pra cada um! Vai depender da percepção pessoal de construção da realidade. Vai depender da co-criação nos fenômenos em que se estiver inserido, engajado, participante dos fatos e acontecimentos sob sua “regência”.
            Quem sabe ainda tenhamos tempo de fazer desse pequeno espaço de tempo, que nos levará a nova convenção de outro Ano Novo, um mundo melhor para cada um de nós, respeitando o reinado das peculiaridades do outro; dos sistemas ecologicamente semióticos preexistentes e sobreviventes a nossa quase insignificante intervenção, na certeza de que, de algum lugar, Forças Maiores reconheçam Ordem e Harmonia, nos conferindo a confiança de que podemos fazer desse ano - suscetível a nossa capacidade de percepção, ação e transformação - o melhor. Façamos de 2018, finalmente, um ano absolutamente nosso, por conta e risco. Além de tudo, cientifica e filosoficamente, está tudo certo.

Professora Maria Angela Coelho Mirault – doutora e mestre em Comunicação e Semiótica e Signo e Significação das Mídias, pela PUC de São Paulo

03.01.2018