sábado, 23 de agosto de 2014

Política não é coisa de mulherzinha

Pô...! Acorda, aí, companheira. Somos quase 52% dos eleitores contra 48% dos homens. Segundo essa estatística do TSE, dos quase 52 mil vereadores eleitos em 2008, somente pouco mais de 6% ( cerca de 6.500) eram mulheres. Na Câmara Federal, dos 513 homens, só 45 são mulheres; no Senado, dos 81 senadores, 10 são do sexo feminino. Na América Latina somos o 2º. País com o mais baixo índice de mulheres em cargos legislativos, na frente apenas do Panamá. No mundo, ocupamos o 111o. lugar (dados da Inter-Parlamentary Union, 2011). Essa nossa caseira situação da representação feminina chega a ser pior do que em alguns países árabes! As mulheres brasileiras, em pleno século XXI, além de serem vistas como bobinhas que brincam de casinha, contentinhas, brincam também de fazer política. A lei das cotas para participação feminina nas eleições é uma falácia; um acinte diante da qual, as mulheres ainda se prestam a serem coniventes ao machismo imperativo dos homens, donos dos partidos. Provavelmente, por absoluto desconhecimento da legislação, dos artifícios a que estão sujeitas, por omissão e descaso, se prestam a esse papel de absoluta subjugação e aviltamento. A lei das cotas, sob a aparência de ser tão favorável às conquistas do segmento feminino, é, antes de tudo, discriminatória e antidemocrática, pois, institui, ainda hoje, um índice desproporcional entre candidatos homens e mulheres: 70% X 30% (por que não 50%/50%?). O disparate acolhido pelas mulheres que se prestam, amordaçadas, a esse papel dentro dos partidos é uma aberração de gênero. A benesse das cotas foi instituída, primeiramente, pela Lei no. 9.100/95 que estabeleceu a cota de 20% para candidatas femininas, 80%, por tanto, destinada aos “homens do partido”. Em 1997, a Lei no. 9504 decidiu que o índice destinado às mulheres “deverá reservar” não mais 20, mas 30%. Docinho na boca das meninas, que, em o aceitando e se deliciando, referendou a mais absurda estratégia, visto que o caminho entre o “deverá” e o “preencherá” estava muito longe de ser percorrido. Somente em 2009, a Lei no. 12.034 foi alterada em seu teor e ao invés de constar no texto “o partido deverá registrar candidatas, em no mínimo, 30% do número de vagas requeridas”, teve sua alteração para “preencherá”. Óbvio que, isso, já pareceu um avanço para participação feminina nas eleições. Agora, os partidos são obrigados a destinarem 30% de suas vagas para as mulheres; fato. De 100 inscritos no TSE, 30 têm de ser mulheres. De 20, 6, por aí em diante. As mulheres sentindo-se prestigiadas sentiram-se também distinguidas ao serem convidadas por seus partidos a preencherem “a cota”, sem se darem conta de que, sem discussão e debate a respeito do assunto, referendaram a desigualdade que se perpetua nesse 70%X 30%. E, mais, emprestam sua condição feminina, para o cumprimento da lei, destinadas, apenas, a distribuírem santinhos em suas paróquias e vizinhanças, pelo simples fato de que (em sua grande maioria, claro tirando as “exceções”) as “mulheres de cota” não “merecem” nenhum centavo (nada obriga ao partido) do Financiamento de Campanha, para construírem, de fato, suas campanhas. São vítimas coniventes de um verdadeiro crime de estelionato (crime econômico - Código Penal Brasileiro : “obter para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."). Muitas que se prestam a esse papel são mulheres equivocadas e que se satisfazem com seu pacote de santinho e saem a fazer campanha para a chapa majoritária, ou seja, cumprem o seu papel de formiguinhas-inocentes-úteis. Mas, muitas há (talvez, poucas!) que não são mulheres de cotas e destinadas a distribuir santinhos, não, agora, na segunda década do terceiro milênio! Algumas poucas há que trazem na sua história muita contribuição a dar ao país. A discriminação no financiamento de campanha é uma questão cultural, machista e inadmissível para as mulheres de fibra, de honra, de serviços prestados à cidadania, sem terem legislaturas. Essa questão coloca um obstáculo odioso e até intransponível para a presença da mulher na vida pública e explica as estatísticas do baixo desempenho eleitoral de mulheres, em nosso malfadado país. Maria Lúcia Amary, deputada de São Paulo (PSDB) declarou em recente debate (17/03/14): “queremos que as mulheres tenham direito a 30% dos recursos de Fundo Partidário". Por enquanto, de migalhas não dá como ser parceira de um sistema corrompido em sua fonte. Se a mulher, a maioria dos eleitores brasileiros, votassem em mulheres, a política brasileira mudaria substancialmente. Ah, estamos muito atrasadas nesse quesito, caímos nas mesmas velhas ciladas do fotoshop, e, com certeza, mais um palhaço e um ficha-suja será reeleito nas próximas eleições, lamentavelmente, pelo majoritário voto feminino. Política, meninas, não pode ser coisa de mulherzinhas. Avancemos!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

NÃO AO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO EM CAMPO GRANDE

O fundamentalismo surgiu no protestantismo norte-americano em meados do século 19, cunhado por professores de teologia da Universidade de Princeton, expressos em doze livros - Fundametals. A Testeimony of teh Truth - e fazia a proposição de um cristianismo, excessivamente rigoroso, ortodoxo e dogmático, em contraste com o liberalismo norte-americano. Sob essa perspectiva, a Bíblia - por ser de inspiração divina - só deve ser encarada como o fundamento básico da fé cristã e tomada sob o estrito rigor da letra. Qualquer interpretação, ou contestação será obra de satanás. Essa concepção a respeito do texto sagrado coloca todo militante como um crente dessa “verdade inconteste”. Note-se, que se pode identificar o fundamentalista em toda e qualquer religião, e, mesmo, expansivamente, o convertido, em qualquer ideologia. Do mesmo modo, ressalve-se que, nem todo protestante é um fundamentalista. Afirma, Leonardo Bof, em sua obra “Fundamentalismo – a globalização e o futuro da humanidade” (Sextante), que o próprio Lutero já afirmava: “a Bíblia toda tem a Deus como autor, mas, suas sentenças devem ser julgadas a partir de Cristo.” Esclarece, ainda, Boff: “com o Concílio Vaticano II, a Bíblia é inspirada e inerrante (que não pode errar) só com referência às verdades importantes para nossa salvação”. Por isso, dizem, os católicos, “na Bíblia está contida a Palavra de Deus” e não “a Bíblia é a palavra de Deus”. Desse modo, qualquer pessoa que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista é um fundamentalista, pois passa a acreditar-se senhor da verdade incontestável, daí sua intolerância aos pensamentos opostos. Na visão de Boff, “ ... a intolerância gera o desprezo aos outros, a agressividade, e agressividade, a guerra contra o erro a ser combatido e exterminado”. Dito isso, afirmamos que o Estado de Direito e Laico do Executivo Campo-Grandense foi pro ralo, exterminado, com a realização exclusivista, discricionarista, segregacionista e inconstitucional da malfadada Quinta Gospel, realizada no dia 14 do corrente, como um “presente para a cidade”. Muito longe de espalhar luzes, deu vazão à ação nefasta da treva. A lei no 5092, de 20 de julho de 2012, que “institui na praça do Rádio Clube a Quinta Gospel no Município de Campo Grande”, prevê sua realização “na quinta-feira que antecede a noite da seresta utilizando a mesma estrutura que é utilizada na noite da seresta”, e a “apresentação de artistas nacionais e regionais”, sob o patrocínio da Fundação de Cultura de Campo Grande, por si só, não exclui, a expressividade musical de outros segmentos religiosos, porém, seu teor deu margens à interpretação dúbia por parte da diretora-presidente (Sra. Juliana Zorzo) da FUNDAC e garantiu a exclusividade de apresentação de um único segmento religioso, em detrimento dos demais. Em maio deste ano, o ICE-MS (Instituto de Cultura Espírita de Mato Grosso do Sul), representado pelo seu presidente, João Batista Paiva, encaminhou ofício à Fundação solicitando participação de artistas espíritas no show. Em resposta (4 de agosto de 2014), a diretora manifestou-se com a argumentação de que “a indicação de artistas espíritas seria impossível” porque foge da proposta do evento destinado ao “público evangélico cristão”. O fato é que, apesar da ignorância do segmento religioso que “batalhou” a lei, não podemos admitir que houvesse qualquer mínima discrepância nas decisões de gestores com relação a dotações orçamentárias dos recursos públicos; o privilégio de uns e a exclusão de outros. Se o local é público, os recursos são provenientes dos cofres públicos, organizado e patrocinado por um órgão público – que se qualifica como uma Fundação de Cultura – e, sob o princípio que deve reger o Estado Laico expresso na Constituição Federal, que a Quinta Gospel garanta nas próximas edições a participação de todos os segmentos religiosos que nesse espaço queiram manifestar sua religiosidade por meio da linguagem musical. Caso o espírito fundamentalista - que vem pouco a pouco corroendo os espaços da gestão pública municipal - persista, que o Ministério Público faça valer a sua função de resguardar os direitos do cidadão (católico, espírita, ateu...), interfira pela revogação imediata dessa lei municipal; para que sirva de exemplo de forma que expedientes semelhantes não se perpetuem nessa gestão, impondo-se às leis que garantem, ao Estado laico brasileiro, o direito à livre expressão e manifestação religiosa em nosso país. Maria Angela Coelho Mirault – Professora Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http://mamirault.blogspot.com.br