segunda-feira, 31 de julho de 2017

Parem tudo...


Pela morte do bebê Artur!
Julho de 2017 terminou com uma tragédia desumana e cruel. A morte inconcebível do bebê Artur, após um mês de luta por sua vida, nesse dia 31, é o sinal de que chegamos a um limite intransponível. Escudeiro de sua mãe, amparou com seu corpo gestado  por 39 semanas, as balas que lhe seriam fatal. Balas sem dono, sem direção, sem finalidade. Inexplicáveis, indesculpáveis, inaceitáveis, disparadas por traficantes, ainda não identificados, de dentro de uma favela, no Rio de Janeiro, é, apenas, mais um dos incontáveis episódios da guerra de todo dia, travada nas ruas, becos e favelas, de um País que se dobra, diante da impunidade.
Réquiem para o bebê Artur. Que todos os sinos se dobrem pelo herói bebê Artur. Que todos parem seu cotidiano, por sua breve vida e seu destino. Que saibamos o significado de sua vinda, sua triste, breve e magistral história... diante dessa morte, na luta contra o poder incontrolável do tráfico.
Choremos e lamentemos a tragédia, mas, não deixemos de nos indignar com os fatos que levaram nosso pequeno Artur. Estamos de luto, mas, antes de tudo, precisamos aceitar o fato de que estamos sobrevivendo em estado de guerra, cujos ingredientes fatais misturam droga, impunidade, corrupção, violação de direitos, avassalamento da justiça. Despreparados e perplexos, optamos pelo ocultamento de nossas vidas, nossas almas, acovardados, entrincheirados, e, isolados. Mas, essa estratégia não está funcionando; estamos sendo dizimados. Não é novela; é realidade alucinógena que perpassa o noticiário da tevê, nos atinge o peito e a dignidade. Estagnados em pesadelos cruéis, temos tocado nossa vida, enquanto lá fora a ventania ruge, os raios caem e atingem um de nós... lá fora, um a um (por enquanto).
Quem foi Artur? Artur foi um bebê-brasileiro assassinado antes de nascer. Artur foi um brasileiro que lutou, por 30 dias, para vencer o invencível. Artur foi o escudeiro-mor da vida de sua mãe. Artur tornou-se um signo!  É preciso que se toquem todas as trombetas e que se pare tudo, agora. Fechemos as fronteiras. Ponhamos os cachorros nas ruas. P-o-l-í-c-i-a!  J-u-s-t-i-ç-a!
Uma vida é o bem mais preciso da Terra. É a riqueza, anunciada há mais de dois mil anos, como a que não enferruja e as traças não consomem. Mas, uma arma pode ceifá-la em poucos segundos, impedi-la de vicejar, florescer e dar frutos; vidas destruídas e reviradas.
Artur, porém, foi o bebê que morreu horas antes de outro “ bebê” – abastado, malcriado, que tudo teve e usufruiu, proveniente do dinheiro  e do poder de sua casta – ser retirado de dentro de uma prisão, pelo fórceps autoritário do poder de sua mãe, acima das leis, da justiça, das evidências, de tudo que uma civilização inteira construiu ao longo dos séculos.  Esse “bebê-marginal”, de 37 anos, que fora preso com 130 quilos de maconha, centenas de munições de fuzil e uma pistola nove milímetros, agora, desfruta a correção de um Spa de luxo.
 Estamos nos acostumando aos lixos-humanoides, “acima de nós”; estamos nos deixando contaminar por essa espécie (sistêmica) de seres que tudo podem; dos chefes do tráfico aos chefes de repartições (sejam elas quais sejam). Se permitirmos, se não nos indignarmos, se não conseguirmos enxergar o paradoxo do cotidiano anárquico que nos afeta, e explode em todos os lugares e circunstâncias - na bala do mesmo tráfico que assassinou Artur e no ato que libertou o filho-da-mãe- autoritária-autoridade, estaremos mesmo entrincheirados e acovardados, em nosso isolamento inútil.
No céu, portas se abriram e trombetas tocaram para receber Artur, o pequeno herói que escudou sua mãe, livrando-a da morte. Na Terra - no brasil- apequenado-nosso-de-todo-dia - uma porta de cadeia se abriu, pelo poder destemido e assombroso de  uma desprezível mãe, que, vergonhosamente, ao arrepio da Justiça e da Lei, de lá tirou seu lixo, proveniente de uma sociedade de castas, que nos agride, surpreende e envergonha. Choremos a partida do pequeno herói brasileiro, repudiemos, veementemente, a soltura do marginal.

Maria Angela Coelho Mirault – professora doutora em Comunicação e Smiótica pela PUC de São Paulo

31/07/2017

sábado, 22 de julho de 2017

O PMDB do PT: toma que o filho é teu


Seguinte. O PMDB, que hoje governa esse Brasil acovardado, esculachado, meliante e marginal foi gestado e cevado durante a ditadura dos governos militares, no poder, desde o golpe de 1964. Ponto. Tancredo era o personagem escolhido e acolhido, como forma de conciliar (sic) os clamores das “diretas-já” (1984) com os interesses do regime. Ungido para suceder João Figueiredo, presidir a fajuta transição democrática e uma possível governabilidade civil, Neves foi eleito, indiretamente, com 480 votos contra 180, por um Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, para exercer um mandato presidencial de seis anos. Contudo, recordemos, na véspera de sua posse, agendada para 15 de março, teve o “piripaque” que o “levaria” à morte por uma oportuna diverticulite (?).
Diante da maldita dúvida que chegou a pairar entre políticos experientes (Sarney, Fragelli, Marco Maciel, Dornelles, sobrinho de Tancredo, e Antonio Carlos Magalhães) - ainda no hospital - Leônidas Pires, o general indicado (?), por Tancredo, ao Ministério do Exército, amparando-se na Constituição de 1967, que, em seu Artigo 76 prescrevia: “Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o presidente ou o vice-presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago pelo Congresso Nacional”, lacrou: “Sarney toma posse!”.
Há controvérsia histórica, com relação à legitimidade do nefasto José Ribamar (ex-PDS) e sua condição de 31º. Presidente do Brasil (1985-1990). Caso a opção fosse outra, tomaria posse o peemedebista Ulysses Guimarães, presidente do Congresso, e, posteriormente, a escolha de outra figura política para a missão. Se seria bom ou não, o fato é que a gente engoliu a “morte natural” do não empossado. A gente aceitou, de imediato, a posse de Ribamar. E, cá estamos nós, às voltas com o mesmo PMDB que nunca deixou de governar; fosse às claras, fosse debaixo de interpretações dúbias, ou, debaixo dos panos do nosso famigerado “jeitinho brasileiro”. Aliás, eles não governaram, ou, governam, só, agora. Eles têm reinado.
Agora, com Temer e sua trupe, o PMDB se mantém no poder por conta de acordos de bastidores - tão vilipendiados quanto os do passado. Sem o PMDB, nos bastidores, o PT não teria levado a Presidência ao patamar que chegou.  Dito isso, é preciso considerar - antes que a loucura se instale em todas as mentes – Temer (o Sarney de hoje) é uma criação perversa do PT. Foi cevado durante os governos do PT. Aí, nos parecem esdrúxulos os movimentos midiáticos, e sociais, dos convertidos ao petismo, em desfavor de Temer; seu (mal) governo; suas (más) escolhas; seus (imorais) acordos no Congresso; suas (más) medidas para “consertar” o país.
Se não foi o PT quem inventou o PMDB, seus maus hábitos e seus maus políticos, foi o Partido quem os legitimou. Ao PT atribuamos a Reforma Trabalhista; ao PT atribuamos o aumento dos impostos; ao PT atribuamos o aumento dos combustíveis; ao PT atribuamos os milhões de desempregados; ao PT atribuamos à violência e a todo tipo de crime que se comete nesse país; a descrença e a desesperança que nos assola o vigor patriótico. Não dá pra apartar Temer do PT nem o PT de Temer.
Tenhamos em mente, uma consideração: quem nos governa é o PMDB do PT. Temer é o PMDB que se aco-var-dou com os militares, lá atrás, manteve suas figuras grotescas na política brasileira e nos bastidores do poder; enfiou sarneys, renans, jucás goela a baixo; engoliu (pra depois, cuspir) o partido que o acolheu na vice-presidência. Temer foi eleito pelos eleitores do PT, seus simpatizantes e convertidos. Foram eles quem puseram o jabuti no poste e “o cara” no jogo-democrático (sic), voto a voto, urna á urna. Portanto, estamos sob a batuta do maestro que, no momento, lidera o PMDB do PT. Dancemos, pois, enquanto a música toca e o naufrágio ainda não afundou totalmente o nosso Titanic. E, salvem-se quem puder.

Maria Angela Coelho Mirault – Professora doutora em Comnicação e Semiótica, pela PUC de São Paulo

22/07/2017

domingo, 16 de julho de 2017

... Se nada der certo


Há poucos mais de um mês, jovens de escola particular de ensino médio, no Rio Grande do Sul, fizeram uma zoada com o tema. Fantasiando-se de faxineiros, entregadores de pizzas, arrumadeiras, cozinheiras, visavam, segundo eles, parodiar o arrocho do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) - uma praga do Egito, sequer imaginada por Moisés - que, ao lado de outras, está levando nosso futuro ao caos (sem mencionar o EAD: Ensino à Distância, pelo qual, um diploma presencial vale tanto quanto um diploma de cursos-delivery). Pela brincadeira, foram trucidados pelas redes sociais. Oh! Como puderam gozar de profissões “tão nobres”! Hipócritas! Hipócritas! Hipócritas! Por acaso, as profissões arroladas encontram-se no patamar do sucesso profissional? Exerceriam esses profissionais “criticados” as respectivas atividades por gosto e vocação? Ora bolas... Quem quer pegar em uma vassoura, arear uma panela, enfrentar um fogão; trabalhar em telemarketing ...por vocação?
Recentemente, ouvi o relato de um engenheiro, altamente qualificado na área de tecnologia avançada em som e imagem, exercendo a atividade de vendedor em uma prestigiada loja de um shopping, no Rio de Janeiro. Apresentou registros dos “seus bicos como engenheiro” (eu disse: bico como engenheiro), absolutamente convincentes. Ali, quase se justificando: “aonde pinga não seca”, referiu-se a certo colega, odontólogo, trabalhando como demonstrador de produtos em outra loja do mesmo shopping.  No saguão de um aeroporto, ouvi outro relato sobre o mesmo tema: a desaprovação de um pai, pela intenção da filha em cursar medicina.  Como diretor de hospital, revelou a esposa, tinha pilhas de currículos de gente muito bem preparada (inclusive, com pós-graduação) para um emprego (pasme!) de 900 reais!
Não, não se trata de “se” nada der certo. Nada está dando certo. Nada! E, isso é vida real, no Brasil. Com mais de 14 milhões de desempregados, já de muito, o país tem perdido muita mão de obra qualificada, obrigada a trocar sua vocação, pelo que lhe dá o pão, Há um imenso exército de reserva –“over quallity” - que, por possuírem qualificações, acima do que o mercado quer, estão, nesse momento, “no service”. E, sabe o que o mercado quer? Quer “commodities” (produtos de baixo valor agregado); pouca coisa; manés-flexíveis; moldáveis; adaptáveis a sua demanda. Quem estudou muito, acreditou nas regras do passado se ferrou. O que tem de gente de nível superior atrás do carrinho-rosa-pink; do shake-herba-qualquer-coisa; abrindo butiques (em casa mesmo), filiais da “25 de março”, “santa-efigênia”; “alfândega”, “pero ruan”; farmacêutico-balconista (é comum vê-los no caixa); fisioterapeuta-massagista; nutricionista-chef–cozinheiro; jornalista-assessor de político; psicólogo-recepcionista, bacharel em direito-faxineiro; engenheiro-motorista, não está no gibi.
Como educadora, lamento constatar que os jovens sul-rio-grandenses - mesmo sem se darem conta - não estavam brincando. Sairão do colegial, quiçá, entrarão para uma faculdade. Muito poucos farão sequer os cursos vocacionados; matricular-se-ão, pelo pódio do Enem, em cursos, para os quais, jamais tiveram a menor vocação.
Como educadora, infelizmente, preconizo: não é que “pode” dar errado; já deu! E, assim sendo, nossos alegres, criativos e alienados jovens sul-rio-grandenses, que pensavam apenas estar se travestindo de fracasso, embora não se tenham dado conta, registraram uma das fraturas expostas de um Brasil que já está existindo, debaixo dos nossos narizes, mas, que não queremos ver. Talvez, até, estejam eles, a um passo desse desequilíbrio avassalador.  Ocorre, como certo, e, grave, que poderá não haver balcões e vassouras para todos. E, assim... se nada der certo, tornar-se-ão, também,  mais um “over quallity - no service”.


Maria Angela Coelho Mirault – professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Publicado em 21.07.207, Correio do Estado, Campo Grande, MS

domingo, 9 de julho de 2017

Causos na Cidade Morena - Praga de madrinha ou presente dos deuses


Recém-chegada à quase recém-criada capital do Estado de MS, nos anos 80, durante “os anos eram assim”, e, antes das “diretas já!”, teve de dar conta das demandas que lhe surgiram.  Migrante que era, veio com tudo. Uma escola já consolidada no mercado para empresariar, uma família para se adaptar e uma função pública inesperada eram seus desafios. A gestão iniciante era do recém-vitorioso PMDB. A função do cargo oferecido, de sua área de formação e atuação. Afinal, o bom, desafiador e prestigiado emprego no serviço público levaram-na ao staf de assessoria no segundo escalão. Na mudança de governo (e, de partido), a equipe anterior esvaziara de fato todas as gavetas; tudo então teria de ser pesquisado e refeito. Dividida entre autoridades e compromissos empresariais, procurou dar conta de uma e de outra função. Buscando refazer toda a trilha para o setor, teve a iniciativa de empreender viagens de visitas de pesquisa, junto aos Cerimoniais e cerimonialistas dos Estados do Rio, São Paulo e Minas Gerais. Debruçou-se no estudo das leis protocolares e demais normatizações. Organizou o que pode. Entre erros e acertos, reconstruiu a base de atuação protocolar. Sentia-se e sabia-se preparada.  Cinco meses, como soe ser, inesperadamente, recebeu sua demissão: “alguém-amiga-de-amiga-muito-íntima-de-autoridade-de-primeiro-escalãozíssimo-queria-um- lugar no governo”; exatamente o Seu! Lá se foi sua dedicação aos projetos; o seu trabalho “primoroso” (rs...) e, sobretudo, sua digital na elaboração de texto-base, que intentava embasar o modelo de lei de Cerimonial Público para subsidiar a Assembleia Legislativa do Estado de MS; Rio, São Paulo, Minas Gerais, dentre outros, já tinham elaborado suas leis. Acreditou que pudesse; parecia-lhe possível.  O certo é que até hoje, o Estado de MS não tem a sua legislação a respeito. Praga de mãe, ou bênção dos deuses?  Com o episódio de “fracasso” aprendera que: 1) em terra de cego quem tem olho (mas, não tem padrinho bom) é pangaré; 2) quem não usa colírio, usa óculos escuro, e, cai do cavalo; 3) quem não tem padrinho – ou, padrinho fraco – morre pagão e nu com a mão no bolso.
Na decisão do “fica-não-fica”, cuidar do seu empreendimento era a melhor opção. Primeira proposta de escola particular construtivista no Estado (afinal, antes da migração, preparara-se bem para isso, suado a camisa em um curso e estágio com o mais notável estudioso de Piaget, no Brasil; o saudoso professor cearense Lauro de Oliveira Lima. Aquela demissão poderia significar uma bênção do céu, pois, com sua dedicação integral, ao lado da sócia, a escola teria tudo para bombar.  Bombou! Mil projetos, que deram muito certo; corpo docente preparado, proposta pedagógica séria, segura e inovadora - as crianças adoravam.  Porém, a crise dos anos 80 e o preço da gasolina derrubaram tudo. Dias antes de iniciar o período letivo, sua sócia decidiu encerrar as atividades da seleta escola. Tudo foi desmanchado,  doado... todo um projeto de alto nível em educação abandonado!  Em menos de um ano, na próspera cidade “para quem tivesse gosto pelo trabalho”, como diria um nativo da terra, tudo fora por água a baixo. Na dúvida entre desistir e persistir, o trabalho voluntário já lhe havia assaltado o interesse: compartilhara de três iniciativas: 1) a belíssima criação e implantação da nascente Escola de Pais que, hoje, saudosa, muito contribuíra na orientação de pais em periferias; 2) a mundialmente renomada e recém-criada OMEP/MS – hoje, uma desolação de corrupção, e, 3) a criação do PMDB-mulher.
Entre o tempo de voltar ou ficar, pegou sem pestanejar um “adorável” emprego público federal (só que não). Era uma repartição que distribuía recursos da União às iniciativas governamentais do Centro-Oeste. Quando Collor - o salvador da pátria brasileira - chegou (não tendo os 5 anos para estabilizar-se), danou-se, outra vez! Rua! Praga de mãe, ou bênção do céu? Bênção do céu, já que estava quase zumbizando, naquele ambiente desolador. E a saga “Praga de mãe ou bênção do céu” teve outros episódios. Aguarde.


Maria Angela Coelho Mirault – professora, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Publicado em 12/07/2017

http://www.correiodoestado.com.br/opiniao/maria-mirault-causos-na-cidade-morena-praga-de-madrinha-ou/307597/

domingo, 2 de julho de 2017

“Varinha bíblica” uma afronta pedagógica


A proposta de uma pedagogia filosoficamente pautada na “varinha-bíblica” não educa ninguém. Há uma irreconciliável incompatibilidade entre dois tipos de deuses no imaginário religioso-cultural. São antagônicas as propostas de um deus justo com a ideia de um deus impiedoso, perseguidor e implacável, ao qual se deve o temor; quem a um teme, ao outro não crê. O vingativo é o deus do escambo: é aquele que dá ‘se’, antes, receber (moedas, oferendas, orações); para depois (sem garantias) atender, no tempo dele. O misericordioso ama infinita e incondicionalmente todas as existências, suas possibilidades intrínsecas e imortais, dá sem receber, imune à vindita e ao comércio; espera por “todas as suas ovelhas”, muito além e aquém das leis do tempo convencionado. Ao primeiro - equivocado, omisso, e perdulário - atribuem-se as calamidades, a sorte, ou azar; mantém tudo e a todos submissos aos seus caprichos, infringindo as dores do “ranger de dentes” e a promessa cruel do inferno. É um péssimo pedagogo; arbitrário controlador de almas-infantis; sua produtividade e competência, zero.
A formulação religiosa-cultural, oponente a ideia de que estamos perdidos do lado de cá e de lá, anuncia alvissareira possibilidade, prometendo-nos a perspectiva de um deus a nos oferecer as bem-aventuranças: justiça e amor; perdão, reconciliação e verdadeira plenitude no vir a ser (bom e justo).  Este pedagogo nos apresenta como tese conclusiva que, além da lição redentora, espera, sabiamente, o desabrochar de toda sua criação; não apenas da sua “panelinha” de adoradores escolhidos e convertidos, aleatoriamente provenientes da cega submissão. Se já não se pode crer, pedagogicamente, no primeiro, no segundo, pode-se encontrar conforto em seu projeto educativo e claras metas, objetivos e finalidade (“Eu sou a Luz, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao pai se não por Mim”), ainda que “andemos no vale das sombras”, perambulando pelas calçadas da vida. Não desiste de nossas imperfeições; nada quer em troca, senão a resistência, a resiliência; a busca; a perseverança do acerto.  Não utiliza a “vara” como correção de nossa alma – por circunstâncias próprias - infantil e rebelde. Grande Pedagogo!
A tortura sob o preceito da “vara-bíblica”, justificada em Provérbios (Velho Testamento), como ferramenta pedagógica é, ainda, ensinada e aceita, equivocada e anacronicamente, não por ateus; ou agnósticos, mas, por gente que professa o cristianismo-punitivo. Ainda hoje, a Pedagogia da “vara-bíblica” se impõe nas mais variadas incursões da vida; transborda dos púlpitos e templos, das mais diversas crenças, chega às casas, às ruas e às escolas. Porém, após a mensagem pacificadora e amorosa da formulação cristã, há uma opção pedagógica de caminhar e de vencer as agruras da vida. Substituir a (auto) punição, a (auto) perseguição, a (auto) condenação pelo imperativo do amor categórico e supremo, de um deus, cujo paradigma – ainda em confronto - intentou a tudo revolucionar, é uma necessidade a ser trilhada com destemor, por cada um, individualmente. Esse Deus “compassivo e misericordioso, paciente e cheio de amor e de fidelidade” (Êxodo 34.6) é o modelo, a opção de escolha, ao qual, o “pedagogo infalível” ainda busca se fazer compreender.  Para correção de nossas faltas, não é ético nem lícito, nem caridoso, usar da “varinha-bíblica”, em nossas canelas, ou, nossas almas. Deixando-se ferir sem ferir, sem afrontar, exemplificando, pedagogicamente, sua extrema compaixão e paciência para com os “que não sabem o que fazem”, expirou aqui para provar que tudo o que realmente nos espera e nos interessa em plenitude está do lado de lá. Seu paradigma-pedagógico-educativo foi a de propor a crença no reencontro de todas as “ovelhas perdidas”, reconciliadas. Em paz.
Repudiemos, pois, desvalidas crianças, em processo educativo, a antipedagógica lição da "varinha-bíblica, que o anacrônico deus-de-pilatos insiste em nos infringir. Prevaleçamos!
Não é só o Natal de 2017; as Eleições de 2018; mas, é o 4º. Milênio que está logo ali. Caminhemos, confiantes; não estamos sós.


Maria Angela Coelho Mirault – professora, Dra. em Comunição e Semiótica pela PUC de São Paulo