domingo, 2 de julho de 2017

“Varinha bíblica” uma afronta pedagógica


A proposta de uma pedagogia filosoficamente pautada na “varinha-bíblica” não educa ninguém. Há uma irreconciliável incompatibilidade entre dois tipos de deuses no imaginário religioso-cultural. São antagônicas as propostas de um deus justo com a ideia de um deus impiedoso, perseguidor e implacável, ao qual se deve o temor; quem a um teme, ao outro não crê. O vingativo é o deus do escambo: é aquele que dá ‘se’, antes, receber (moedas, oferendas, orações); para depois (sem garantias) atender, no tempo dele. O misericordioso ama infinita e incondicionalmente todas as existências, suas possibilidades intrínsecas e imortais, dá sem receber, imune à vindita e ao comércio; espera por “todas as suas ovelhas”, muito além e aquém das leis do tempo convencionado. Ao primeiro - equivocado, omisso, e perdulário - atribuem-se as calamidades, a sorte, ou azar; mantém tudo e a todos submissos aos seus caprichos, infringindo as dores do “ranger de dentes” e a promessa cruel do inferno. É um péssimo pedagogo; arbitrário controlador de almas-infantis; sua produtividade e competência, zero.
A formulação religiosa-cultural, oponente a ideia de que estamos perdidos do lado de cá e de lá, anuncia alvissareira possibilidade, prometendo-nos a perspectiva de um deus a nos oferecer as bem-aventuranças: justiça e amor; perdão, reconciliação e verdadeira plenitude no vir a ser (bom e justo).  Este pedagogo nos apresenta como tese conclusiva que, além da lição redentora, espera, sabiamente, o desabrochar de toda sua criação; não apenas da sua “panelinha” de adoradores escolhidos e convertidos, aleatoriamente provenientes da cega submissão. Se já não se pode crer, pedagogicamente, no primeiro, no segundo, pode-se encontrar conforto em seu projeto educativo e claras metas, objetivos e finalidade (“Eu sou a Luz, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao pai se não por Mim”), ainda que “andemos no vale das sombras”, perambulando pelas calçadas da vida. Não desiste de nossas imperfeições; nada quer em troca, senão a resistência, a resiliência; a busca; a perseverança do acerto.  Não utiliza a “vara” como correção de nossa alma – por circunstâncias próprias - infantil e rebelde. Grande Pedagogo!
A tortura sob o preceito da “vara-bíblica”, justificada em Provérbios (Velho Testamento), como ferramenta pedagógica é, ainda, ensinada e aceita, equivocada e anacronicamente, não por ateus; ou agnósticos, mas, por gente que professa o cristianismo-punitivo. Ainda hoje, a Pedagogia da “vara-bíblica” se impõe nas mais variadas incursões da vida; transborda dos púlpitos e templos, das mais diversas crenças, chega às casas, às ruas e às escolas. Porém, após a mensagem pacificadora e amorosa da formulação cristã, há uma opção pedagógica de caminhar e de vencer as agruras da vida. Substituir a (auto) punição, a (auto) perseguição, a (auto) condenação pelo imperativo do amor categórico e supremo, de um deus, cujo paradigma – ainda em confronto - intentou a tudo revolucionar, é uma necessidade a ser trilhada com destemor, por cada um, individualmente. Esse Deus “compassivo e misericordioso, paciente e cheio de amor e de fidelidade” (Êxodo 34.6) é o modelo, a opção de escolha, ao qual, o “pedagogo infalível” ainda busca se fazer compreender.  Para correção de nossas faltas, não é ético nem lícito, nem caridoso, usar da “varinha-bíblica”, em nossas canelas, ou, nossas almas. Deixando-se ferir sem ferir, sem afrontar, exemplificando, pedagogicamente, sua extrema compaixão e paciência para com os “que não sabem o que fazem”, expirou aqui para provar que tudo o que realmente nos espera e nos interessa em plenitude está do lado de lá. Seu paradigma-pedagógico-educativo foi a de propor a crença no reencontro de todas as “ovelhas perdidas”, reconciliadas. Em paz.
Repudiemos, pois, desvalidas crianças, em processo educativo, a antipedagógica lição da "varinha-bíblica, que o anacrônico deus-de-pilatos insiste em nos infringir. Prevaleçamos!
Não é só o Natal de 2017; as Eleições de 2018; mas, é o 4º. Milênio que está logo ali. Caminhemos, confiantes; não estamos sós.


Maria Angela Coelho Mirault – professora, Dra. em Comunição e Semiótica pela PUC de São Paulo

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