quarta-feira, 18 de março de 2020

Vamos falar de Deus sim



É forte, mas, vamos lá. Sou religiosa, ou seja, aquela que crê na existência de um Ser Superior Onipotente, Onisciente e Onipresente: Força, Ordem, Presença, Equilíbrio, Sabedoria, Justiça, Amor, Misericórdia.  Sou também uma pesquisadora de sentidos semióticos em vigência no ecossistema cultural que compartilhamos; o que me habilita – me impulsiona - a tecer essas considerações, à luz de uma e de outra “verdade”.
Acertados em quem vos fala, penso que, talvez, esses atributos principais sobre o conceito que temos a respeito de Deus e da vida espiritual nos unam muito mais do que nos afastem, mesmo perfilados a esse ou aquele grupo (ou, dogma) religioso.
 Por óbvio, desde agora, que fique claro; não creio no Deus barbudo, corroído pela vingança, melindre e cobrança; tão impregnado de defeitos quanto nós. Muito menos no Deus do escambo; chiliquento e caricaturizado e enaltecidas nas obras hollywoodianas sobre o Velho Testamento; aquele Sujeito que manda pestes, ventos, tempestades; matar e sacrificar sua própria criação, ao sabor de sua ira. Vade retro! Esse Cara não nos serve, agora! Não nos serve porque, não nos conhecendo, como trogloditas espirituais que ainda somos, nos cobra e nos ameaça  com o peso pesado do inferno, ou do mercado. Não, para minhas concepções religiosas (de religare) e acadêmicas, esse ser não tem um Iped de cobranças de gerenciamento de pecados, nem de conta bancária de dízimos de bilhões de mortais. Esse não é!
Acertados até aqui, esse Deus de agora e em quem necessitamos acreditar não nos quer o jugo do Mal; não nos enviou a praga mundial do Corona-vírus, para dizimar sua criação. Esse Ser Supremo Onipresente, Onisciente, Onipotente alheio ao seu poder,  simplesmente, outsider, não pode estar assistindo nosso ranger de dentes lá do seu troninho, com seu indefectível caderninho de anotações. Ele É e Preside a Ordem, e, Ordem Ele terá. Seus desígnios e sua Ordem prevalecerão. Independente de nossas velas, nossos dízimos, nossos cultos, nossa pífia intervenção, essa Ordem independe de nós e a tudo, rege e preside. A Onipotência tudo pode. A Onisciência tudo sabe, a Onipresença a tudo e a todos acolhe.  Não somos poeiras irreconhecíveis de nosso Criador; temos lastro, pera lá!. Temos histórias que transcendem a esse lugar, esse agora, fadados a extinguir-se logo ali. Somos seres estelares, com propósitos, com projetos e planos divinos inscritos em nós. Somos Deuses (todos), já nos prescrevera o Mestre dos Mestres.
Nessa hora que tudo, tudo...tudo muda, precisamos, mais do que nunca, nos perguntarmos se o deus que nos venderam é o Deus que merecemos e de que precisamos. Muitos partirão na ignorância disso, o que já é uma lástima. Quem sabe seja hora de despertar, cutucar nossas crenças, as verdades paranoicas, que nos limitam e nos colocam como coadjuvantes de nossas próprias vidas.
O Deus Maior, Supremo e que está Presente, que Tudo Sabe, Tudo Pode está dentro de cada um de nós. É hora de olhar pra dentro. Ele (em nós) sabe tudo. Ele (em nós) pode tudo, ele (em nós) está em tudo. Por tanto - sem permitir que o pânico e a descrença nos dominem – creiamos: Ele está aqui; agora, nesse momento fatídico de profundas mudanças culturais em todo o planeta. Precisamos, sim, falar de Deus e nos perguntarmos, a que Deus nos mantemos subjugados nessa hora. O Deus de agora É. O Deus de agora Está. O Deus de agora Sabe.  Saber é muito mais do que crer. Caminhemos. Não estamos á deriva. Maktub! O que tiver de ser será. Alguns de nós já se voluntariaram, para essa partida pandêmica.  Percrustemos o mais profundo de nossas consciências , o quanto antes. Façamos, por tanto, a nossa parte! Sobrevivamos,  com a Onipresença, a Onisciência e a Onipotência de Deus.

Maria Angela Coelho
Professora Doutora em Comunicação e Semiótica PUC/SP
Terapeuta em Práticas Integrativas e Complementares á Saúde
http:mamirault.blospot.com

terça-feira, 10 de março de 2020

Quem tem tempo aí pra vender



Levanta a mão quem tenha um tempinho pra escambiar com alguém. Ninguém o tem. Moeda igualitária que todos recebemos, vale mais do que o dólar, do que o euro ... do que o Palácio de Versalhes! O tempo é a única moeda que, incompatível com o mercado, nos pertence; nos é dada e nos é tomada, muito além de qualquer possibilidade de interferência, gerência, pretensão e ganância de nossa parte. Moeda essa que costumamos desperdiçar, dia-após-dia; noite-após-noite, ao longo do nosso curto tempo de vida. Não, nós não temos tempo; é o tempo quem nos tem.  Belo-dia... bela-noite ... bela-hora, sem aviso prévio, sem mais nem menos – totalmente fora dos nossos propósitos – nossa sacola quedará vazia.
Hoje, consigo ver, em cada coisa que faço, um pedaço do meu tempo que se esvai; parte significativa das moedas que recebi; pedaços insuperáveis da minha vida. Tudo nos custará o desperdício e o desgaste de nosso valioso tempo.  Serão os filhos - cujos cuidados terceirizamos – que crescem, se criam ao largo e ao longe de nós; ausência, cuja consequência,  moeda nenhuma será capaz de resgatar, enquanto colocamos nossa única e real riqueza, ao pregão do mercado.
Há um filme fantástico, lançado em 2011, que nos faz refletir sobre os significados dos pequenos segundos com os quais se esvaem nossas moedas. Seríamos mesmo pessoas donas e senhoras do nosso tempo, e, por consequência, do nosso destino? Seríamos realmente livres e capazes de gerir esse único e legítimo capital depositado, diariamente, em nossa conta bancária da vida?
O filme Os Agentes do Destino (The Adjustement Bureau) foi baseado num conto de ficção científica, do gnóstico escritor Philip K. Dick (a.k.a PKD). O protagonista (Matt Damon) é um derrotado candidato ao senado. Enquanto amarga sua derrota, tem um encontro fortuito com Elise (Emily Blunt); vivem uma noite esplêndida, e, apaixonam-se. Toda a trama decorrerá com o intuito de demonstrar a luta que terão de travar, para se tornarem senhores do próprio tempo, e, por conseguinte, dos próprios destinos.
Os protagonistas não farão outra coisa do que tentarem enganar os agentes do destino; uma espécie de anjos, que farão de tudo para que esse romance não interfira no planejamento divino estipulado para que Davis venha a cumprir o que lhe era propósito de vida.  Fogem... fogem... fogem, tentando ludibriar a ação desses emissários divinos.  Capturado, descobre que a vida - nas mais comezinhas ações - é um percurso já traçado segundo os planos determinados. Assim, esses agentes seriam os responsáveis por impedir que seus tutelados tomem caminhos  distintos do que já fora planejado .
Sem dar spoiler, o filme procura abordar a ideia de que, por não sabermos utilizar bem o nosso tempo, gerenciar nosso destino, necessitamos, ainda, de tutores, planejadores e supervisores que não nos deixem fugir do programa elaborado por, e, em instâncias maiores.
Buscando trazer, também, a mensagem de que sempre será possível obter-se uma abertura para  o (tão falado) livre-arbítrio, o filme não nos deixa pessimistas; muito pelo contrário, proporciona-nos bela reflexão. Valerá, inclusive, muito a pena refletir: (1) Porque, nos habituamos a gastar nossas moedas, dia após dia, esvaziando nossas próprias sacolas todas as noites, sem que nos perguntemos o que fizemos com o tempo que desperdiçamos? (2) Ou, o que fizemos com nossa única riqueza no dia que passou?
Fica a dica (do filme e do tema abordado): o tempo se esvai silenciosa e inexoravelmente, a cada segundo que passa. Afinal, quantas moedas ainda temos em nossas sacolas? Isso também ninguém sabe. Reflitamos, por conseguinte, se estamos tentando, inutilmente, vender nossas próprias moedas, trocando-as pelo vil metal!

Maria Angela Coelho
Professora Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Terapeuta em Práticas Integrativas e Complementares à Saúde.
http://mamiraut.blogspot.com
11.03.2020

domingo, 1 de março de 2020

Quem você leva na mochila



Março! Finalmente, 2020 acabou de começar. Finda folia – necessária porque ninguém é de ferro – o ano chega com tudo. Os astrólogos designam a data de 22 de março, início do domínio de Aries como data astrológica de início de um novo ciclo. E este novo ciclo vem com Júpiter, Mercúrio, Plutão, Saturno, suas conjunções e suas complicações, arrumando a casa. Ano da Justiça e da Verdade, afirmam; mudanças profundas, também; reinícios... Para nós, os mesmos mortais de sempre, mais um ano, ou, menos um, em nossa conta de tempo; cada dia mais próximos, da partida inevitável. Enfim...
Agora, começam de fato as aulas. A Cidade canta com eles; nossas crianças e jovens de volta à escola. Mas, o que carregam eles em suas mochilas?
É fato que somo personas plurais, em amplo sentido; conosco mesmo e com os que orbitam em nossa vida. Há muito tempo escrevi um poema que dizia assim: “Eu não sou só eu; você não é só você... somos plurais”. “De onde viemos, para onde iremos; quem arrastaremos”. A vida trouxe as confirmações da constatação literária. Ninguém passa sem arrastar suas correntes, nem sem se tornar elos das demais. Sem mais divagações; a questão é: quem se carrega nas mochilas?
Nas mochilas de nossas crianças e jovens; nas bolsas e pastas dos professores, encontram-se toda uma linhagem familiar; pai e mãe - todos os antepassados -, destinos, cultura, crenças, dogmas, “verdades”, mundo interior, feridas e cicatrizes.
Bert Helliger reuniu todo seu conhecimento, todo seu referencial pedagógico, toda sua sabedoria e interpretação das Leis irrevogáveis que regem a Vida. À partir de suas observações de comportamento de tribos africanas; onde passou parte de sua vida de padre católico, trazendo à luz os conhecimentos que adquiriu como pesquisador do comportamento humano, deu significado ao que conhecemos hoje por Constelações Familiares. Corroborou sua tese em um dos mais renomados biólogos da atualidade, Ruper Sheldrake, que concebera, em 1981, o que veio chamar por campos mórficos – um lugar particularíssimo de registros de informações que nos pertencem e no qual habitamos, indubitavelmente. Não somos indivíduos sem registros, sem origem, sem histórias. Nesse campo, somo plurais. Ao participar de uma Constelação, essa evidência se mostra: experiências vividas por nossos ancestrais, que nem tínhamos conhecimento revelam-se surpreendentemente. Podemos, então, constatá-las, reverenciá-las, honrá-las e, apaziguados, seguir adiante e escolher a vida, a luz que nos adianta os passos. Desse modo, é cada dia mais pungente que nos reconciliemos com o passado para desfrutarmos o presente e seguir para o futuro. Todos fazem parte. Todos que nos antecederam e permeiam nosso ambiente sistêmico e morfogenético. Tudo é informação. Tudo se comunica e transcende.
É de bom alvitre pensar na possibilidade de que nessa pluralidade, não estamos sós. Somos muitos; somos plurais. A ancestralidade que nos trouxe á vida está em nosso presente; é preciso que nos reconciliemos com ela. Principalmente, aqueles, dentre nós, que foram excluídos, aqueles de quem ninguém fala e que se procura esquecer. Dar-lhes lugar no sistema – campo morfogenético -, reverenciar-lhes a passagem pela vida, honrá-los, é de fundamental importância.
Que os professores tenham a noção de que em suas salas de aula, adentram também essas memórias informacionais. Nas mochilas e vidas dos seus alunos, adentram, também, seus pais e todos os que vieram antes e lhes trouxeram a vida, bem como, nós, professores, também, carregamos em nós essa complexidade. Deve ser por isso, que, nessa missão, como condutores de vidas com o intuito de viver o aqui e agora a caminho do amanhã, seja tão importante; razão pela qual, deve (deveria) ser tão reverenciada. São muitos os nossos pupilos ocultos aos nossos olhos, carregados nas mochilas. Honremos.

Maria Angela Coelho
Professora Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP
Terapeuta em Práticas Integrativas e Complementares à Saúde