sábado, 18 de dezembro de 2010

O NATAL E O ANIVERSARIANTE

Lá vem o Natal outra vez com suas luzinhas coriscantes; papais-noéis empobrecidos e assustadores; corre-corre, lufa-lufa. É tempo das abomináveis festinhas de amigo-oculto; dos cartões - todos os cartões, principalmente os de crédito, e os dos políticos; de proliferação de mensagens de todo tipo e de comerciais abusivos; de fazer muitas dívidas; de promessas; de estresse, ansiedade e depressão; de neve de isopor, árvores de plástico, barbas de algodão; de presentes inúteis, inoportunos e indesejáveis; de ceias indigestas e onerosas, mesas fartas e mesas parcas; de roupas novas e vestes rotas; de sorrisos embriagados e lágrimas causticantes de tristezas sem fim.
Lá vem o Natal outra vez, avassalador dos nossos vinténs; bisturi das nossas dores, torniquete das nossas saudades e do escancaramento dos nossos corações dilacerados por perdas irreparáveis e exponencializadas, nesses tempos.
Feliz Natal! Catalépticos, desejamos aos afetos e aos desafetos, aos conhecidos e desconhecidos. Pedidos, doações, esmolas; somos todos natalinamente bonzinhos e fraternos, neste tempo marcado também pela perplexidade, antagonismo e paradoxo.
A noite de Natal é uma rememoração simbólica e ritualística do nascimento de um menino que, toscamente, teima em aparecer aqui e ali, desprovido de todo e qualquer conforto material. Um recém-nascido desnudo na palha da manjedoura, aquecido pelo aconchego dos seus pais e a proximidade dos animais; à luz das estrelas ancoradas pela de Belém. O menino na manjedoura é simplicidade, confiança, determinação. Já é prenúncio de um novo tempo. Para enfrentar esse mundo precisou apenas de Maria e de José, que, com suas providências e vigílias, lhe abrigaram do relento em uma improvisada cabana.
Não precisamos ser muito espertos para imaginar que o nosso jeito de comemorar o aniversário do menino não lhe são do agrado. Apesar dos milênios transcorridos, continuamos optando por César, Pilatos e Barrabás, também em nossas noites de Natal.
Terão sido os reis magos - incenso e mirra - os responsáveis pelo costume que mantemos de ofertar presentes? Que diacho veio fazer papai-noel nessa história? Por que é que a gente gasta tanto, ostenta tanto e come tanto nas comemorações desse singelo nascimento arranjado à beira de um caminho?
Por que não nos imbuirmos do simbolismo do presépio, agora, 2010 anos depois? Por que não promovemos um Natal que lhe seja digno: de verdadeiro congraçamento, festividade e alegria sincera pela comemoração? Um Natal dedicado ao menino e ao singelo casal? Um Natal sem grandes matanças para nossa fartura; um Natal em que os abraços expressem verdadeira amizade, amor, simpatia; um Natal onde os votos indiciem verdade e cada presente signifique de fato a lembrança do nosso afeto?
Podemos fazer deste um Natal de sinceras comemorações. Este pode ser um tempo de reajustes de condutas; de pedidos e ofertas de perdão. Perdão pelos feitos e não-feitos; pelos ditos, os mal-ditos e os não-ditos. Tempo de refazimento na caminhada, tempo de limpeza de barra: conosco (ah! não nos esqueçamos de nós), com o próximo mais próximo e os não tão próximos. Pode ser um Natal de reconciliação com os que ainda compartilham conosco a caminhada como a recomendação milenar nos convoca. E enquanto estamos a caminho, agora, lembremos do aniversariante, revivamos a verdade da sua mensagem na manjedoura.
Que neste ano nossa festa não acorde o menino, não o assuste nem o faça chorar. Façamos silêncio e reverenciemos a sua vinda. Quem sabe esse menino não mudará a história da humanidade ainda em sua juventude? Quem sabe não será ele o messias profetizado a nos trazer a mensagem do Reino e nos exemplificar, sem que tenha dito ainda uma única palavra, que os verdadeiros bens não são desse mundo. Os verdadeiros bens e que são do seu Reino estão muito além a nos esperar.
Voltemos nossa atenção ao presépio, ao menino e ao que nos veio anunciar, porque a hora é de comemorarmos o seu aniversário. Esforcemo-nos, então, para que, neste Natal, juntos àqueles a quem amamos, seja ele, o menino, o único homenageado. Feliz Natal


Maria Ângela Coelho Mirault
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

terça-feira, 19 de outubro de 2010

AOS INDECISOS A DIFÍCIL OPÇÃO

Será que como eu alguém tem se perguntado como nos levaram a essa encruzilhada política; nesse arrastão de consciências a que estamos submetidos nesse segundo turno das eleições presidenciais? Como decidir entre o ruim e o pior ainda? Que poder é esse que urdiu e ungiu essas candidaturas que, agora, nos obriga a escolher entre o roto e o esfarrapado?
Durante dias, tenho tentado capturar em ambos os candidatos indício capaz de inspirar alguma confiança e que possa justificar minha ida compulsória até a cabine de votação, no próximo dia 31. Suas mídias primárias, contudo, indiciam segundas intenções em suas vacilantes, vãs e inúteis promessas (salários, mutirão, Pac’s, Upa’s, etc). Lembro-me do embate intrapartidário, travado pelo candidato com relação a sua candidatura, assim como a escolha do seu vice, ambas conseguidas à custa, sem dúvida, de sua “determinação”. Do mesmo modo, recordo-me do projeto “20 anos de poder” do Zé Dirceu e dos acordos políticos culminando na escolha do PT por uma eminência parda do PMDB a vice-presidência.
A avaliação que venho fazendo sobre o descompasso retórico do candidato, fez com que me recordasse de uma das mais nefastas privatizações do seu partido no governo FHC: o projeto mercantilista do ensino que promoveu arbitraria e sub-repticiamente a privatização do ensino superior, em nosso país. Para mim, esse é um dos maiores males perpetrado por um governo em nossa história contemporânea. O sucateamento do ensino público fez emergir um conglomerado de “botecos”, franqueando a um mesmo grupo a propriedade privada de 22 instituições universitárias desse tipo. A criação das IES, os Institutos de Ensino Superior, que cogumelam em todo o território nacional, enriqueceram grupos empresariais da noite para o dia, enquanto as universidades federais, debilitadas e comatizadas, esfacelaram-se, vilipendiando o ensino e a própria profissão de professor.
Ao submeter o ensino às regras do mercado, estimulou-se a mediocrização do país. Com exceções de poucas, tradicionais e sérias instituições privadas de ensino, essas empresas não oferecem – e nem permitem - espaço para a dialética. Deste lugar, em que, historicamente, abrigavam-se a controvérsia e o confronto de idéias, não mais se pode esperar que emirjam lideranças políticas e sociais capazes de conduzir de verdade esse país ao seu tão sonhado destino. Por isso estamos falidos e nem sei quando desse mal conseguiremos nos refazer. Não, decididamente, não posso deixar de considerar esse feito funesto, na hora da minha opção.
Por considerar ser a Educação a única saída para os milhões de soterrados que somamos, creio que, enquanto não nos dermos conta dessa verdade, que se evidencia tão agudamente nessas eleições, seremos todos meros tiriricas votando em tiriricas. Reconheçamos, as fachadas não importam, nós, o povo brasileiro, elegemos, nessas eleições de 3 de outubro, mil arremedos de tiriricas, apelidados e escamoteados por outros nomes e currículos por todos os quadrantes nacionais, como resultado da catástrofe nacional no quesito educação-ensino- instrução.
Mas, ao descartar O candidato, como optar por sua oponente quando a reconheço como representante da maior esquizofrenia ideológica vivenciada por um partido, que assumiu o poder pela oposição que fazia como contra-ponto ao status-quo neoliberal, vigente? Mancomunada com os sarneys, renans e collors da vida e tricotando as mais estranhas coligações, ela é a metáfora maior da colonização que vimos sofrendo ao longo desses anos e que sublinharam cada dia dos oito anos do governo participativo da era lula. Seu sorriso histriônico em uma face esculpida por marketeiros, cabeleireiros e visagistas não é capaz de inspirar a confiança de quem tenha um pouco mais do que dois neurônios na cabeça. Sua simpatia estereotipada e extemporânea não a identifica com o feminino que habita em mim. Sua mídia corporal fala mais do que todas as suas palavras. Portanto, essa também não pode ser minha opção.
Não se pode escolher em sã e limpa consciência, nesse arrastão eleitoral a que fomos encurralados. Se, de um lado, apresenta-se o retrocesso político e a arrogância de quem insiste em declarar sua qualidade por ter “idéias próprias”, do outro, o que temos é uma candidata colonizada que não pode manifestar francamente as suas, enquanto nós - meros cidadãos brasileiros – somos obrigados a cumprir um dever nacional e ter que decidir entre o ruim e o pior ainda; entre o roto e o esfarrapado. Escolhendo o primeiro, pelo menos, ajudo a promover o desaparelhamento do Estado que o governo-lula tão ardilosamente cometeu. Escolhendo a candidata, dou um crédito as suas promessas no quesito educação. E aí?
Pois, que ambos se explodam; o voto da classe média e esclarecida não vai decidir as eleições. Que se explodam todos os que querem me convencer a essa difícil, se não, impossível, escolha. Que ganhe qualquer um, já que quem governará serão os mesmos velhos colonizadores de sempre; eles, os que impõem os conchavos, a cumplicidade, os acordos políticos. De qualquer modo, eles estarão eleitos e representados na Presidência da República do nosso País.
Pois, bem, recomecemos tudo de novo, dia 1o. ; pois teremos mais quatro anos pela frente. Se não foi ainda para a minha geração, nem para a geração dos meus filhos e talvez, ainda, não o seja para a dos meus netos – somente a EDUCAÇÃO DE QUALIDADE será nossa cápsula de resgate; nossa fênix de saída; a única apropriada a solucionar os problemas decorrentes do soterramento intelectual e moral, que nos mantém tão medíocres e acuados frente às escolhas que fizemos em má ou sã consciência. Como o acaso não existe, Oxalá minhas preocupações se diluam na esperança que todos os brasileiros demonstram e depositam nas urnas, e que vença o roto ou a esfarrapada, quem sabe, o menos pior.



MARIA ANGELA COELHO MIRAULT
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP
Mariaangela.mirault@gmail.com


O artigo foi publicado no jornal Correio do Estado, em Campo Grande, MS, 19.10.2010.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

IDENTIDADE TIRIRICA

Não, num foram votus de protexto qui elejeram tiririca. Não, se o foçe, seriam votus intenssionais com o intuito de produsir menssageim qui os traduzicem e espreçacem conxciênssia política. Os mais de um milhão-e-trezentus mil votus ssão mais do que issu. O eleitor do “deputado-tiririca” depozitou nas urnas ssua indentidade nassional.
Estamus diante da máquina e da sagassidade dos marqueteiros pulíticus. Tirica não é um cidadãum político, filhiado a um partido porlítico. Foi produsido pra faser ezatamenti o que feix: levar cum sua exmagadora votassão mais quatros eleitus cum seus votus. Não, ele num vai ssozinho, vai comduzindo um bonde juntu cum ele, eces sim, conxcientemente, políticus; se é que política é isso o que extamos acompanhandu cum us rezultado das eleissão.
Comtudo, o deputadu mais votadu du Brazil, está em vias de ter sua eleissão invalidada, acuzado qui está pelo Ministério Público paulista de ter prextado falssidade ideológica, ao fraldar ssua decrarassão ao se inscrever-sse comu candidato. Um estudo de grafologia dá indíssius de que num foi da sua lavra a aprezentação da declarassão qui feiz ao Tribunal Eleitoral. Agora, ele tem deiz dias pra defendersse. Pois, bem, o que temus nesse episódio do abextadu eleitu deputadu federau? Se invalidada sua espressiva votassão, pra onde irão os milhão de votus que arregimentou? E us “eleitus” do sseu bonde, como ficam? E a vontadi du povu qui o elegeu? Desrrespeitada, é? Nananinanão!
Pur que é qui Tiririca num pode ser invextido nu cargo qui milhões de eleitores dessidiram na urna, se ele é a cara do Brazil?
Vou defender tiririca. Si provadu seu analfabetismo, o qui é qui teim; somos milhões de analfabetus mexmu, em todus os níveis de excolaridade; analfabetus em primeiru, sigundu e tersseiru graus.
Vou defender tiririca. É palhassu, mais e us tantus qui vaum competir com ele nu Congresso, de terno, gravata e barba feita em seus disfarsses no plenáriu?
Vou defender tiririca. É sinçeru, pois, declarou, já em campanha, qui num sabe o que vai fazer lá, mais quandu souber, o abextado nus dirá. Viva o deputado federau tirica, pois nenhum dus que ajudei a eleger, me diçeram - e eu continuo cem saber - o que fizeram e o que fazem lá.
Vou defender tiririca. Apresentou declarassão falssa, configurada em falcidade ideológica? E daí, se os ficha-limpa em quem votamos, quando pegos, dexmentem o comprovado, o óbviu e se elegem e se reelegem rindu da cara da genti, com fogos, artifíssius e “ceriedade” cum noço dinhero.
Vou defender tiririca. Ele é a cara da gente, de quem votou e de queim num votô em ssua desfaçateiz.
Não, não tem mesmo jeito, o mesmo povo que vende seu voto é o mesmo povo que vota gratuitamente em tiririca; fazemos parte da mesma moeda e temos essas duas caras. Ambas, provêm do mesmo caldeirão efervescente da ignorância de grande parcela de “abestados” que formam a esmagadora maioria da sociedade brasileira, apartada que se mantém da escola, do ensino e da educação decentes e de qualidade.
O que se depreende, nesse episódio, e se não invalidarem sua expressividade eleitoral, tiririca vai fazer no Congresso o que sempre soube fazer – palhaçada. E pelo que vemos, estará sim, no lugar certo para se praticar a pantomima, pois lá, com ele coabitarão inúmeros colegas de profissão.
Mega-sena acumulada, vontade de enricar... Tiririca no Congresso tomando posse como a maior expressividade eleitoral do Brasil... Senhores feudais reeleitos, voto-a-voto, comprado ou não, em todo o Brasil...
Ainda bem que nos restou um segundo turno pra decisão do jogo. Tomara que não se brinque tanto com esse pleito. De qualquer forma, algumas coisas precisam ser feitas. Primeiro: precisamos reconhecer e assumir nossa identidade-tiririca, para somente depois, e com urgência – e muito trabalho - nos afastarmos dela. Precisamos combater nosso analfabetismo; precisamos urgentemente deixar de fazer palhaçada em hora de seriedade.
Tal como nos ensina o Pai-Nosso, precisamos não eleger ficha-suja na medida que nos tornarmos fichas-limpa. Mas, por agora – e mais alguns anos -, não tem jeito, temos é que, abestadamente, engolir nossa identidade nacional; usarmos nossa roupa de palhaços e nos deslocarmos no nosso cotidiano, palhaçadamente tiricas, em casa, no mercado, na escola, no trânsito, na assembléia, no congresso e no alvorada.


Maria Ângela Coelho Mirault
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica-PUC/SP
mariaangela.mirault@gmail.com

Publicado no jornal Correio do Estado,Campo Grande, MS, 08/10/2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Espiritualidade está no ar

Sem dúvida, o que está lotando as salas e levando milhões de pessoas ao cinema é, antes de tudo, a mensagem cristã que a Doutrina Espírita profere. Acreditar na vida após a vida não é prerrogativa dos espíritas. Essa crença atávica percorre a história humana desde os seus primórdios. Estudiosos dos nossos ancestrais atribuem o surgimento da cultura no instante em que as primeiras espécimes de Homem Sapiens, há 200 mil anos, passaram a enterrar seus mortos e adornar seus túmulos. Então, culturalmente, muito antes das religiões e escolas filosóficas, nossa espécie crê na sobrevivência de algo que transcende a morte.
A mensagem cristã atribuída a Jesus e trazida pelos Evangelhos há mais de 2000 anos não é outra coisa senão a proclamação da sobrevivência da vida após a morte. Se pudéssemos resumir a missão do Messias junto aos homens da Terra, poderíamos sintetizá-la na mensagem em que afirma que o reino de Deus não é deste mundo. Se não é deste mundo é de outro, daquele mundo que quis exemplificar com sua partida e seu retorno aos apóstolos. A mensagem cristã não é de morte é de vida, vida após a vida; vida transcendente, além da física, da realidade comprovável pela ciência e pelos cientistas.
A mensagem espírita segue par-e- passo a mensagem cristã. Professa a existência da vida antes e após esta vida, ou seja, viemos desse outro mundo a que Jesus se refere e para ele retornaremos. Então, o que traz de novo a mensagem espírita codificada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), cujo cognome Alan Kardec popularizou suas obras a respeito do tema? Dileto discípulo de Pestalozzi, o professor Rivail não era um paranormal, ou, o que conhecemos hoje como médium. Não era dotado de nenhum distúrbio mental, era, sim, um estudioso, um pesquisador. Fez o que muitos poderiam ter feito, mas não fizeram. Ao deparar-se com fenômenos considerados paranormais naquela distante Paris de meados do século XIX, decidiu examina-los, pesquisa-los com sua mente lúcida e não dogmática. Deparando-se com a possibilidade do intercâmbio de mensagens entre seres comuns pertencentes aos dois mundos, o de cá e o de lá, com seriedade, passou a travar um diálogo filosófico com aqueles que se denominavam Espíritos. Deduzindo a seriedade que aqueles diálogo traduziam, extraiu um corpo de doutrina que publicou em suas obras, sempre com o concurso dos intérpretes (médiuns) que lhe traduziam a mensagem da codificação espírita. Por já haver publicado diversas obras pedagógicas, entre os anos de 1828 a 1849, o professor Rivail decidiu adotar um pseudônimo e apresentou-se ao mundo, desde então, como Allan Kardec. Criou o neologismo “espíritismos” para diferenciar suas concepções da concepção sobre espiritualismo – crença na existência da vida espiritual, a qual toda religião professa. Publicou, em Paris de uma Europa efervescente suas cinco obras que expressam os postulados espíritas: O Livro dos Espíritos, 1857, O Livro dos Médiuns, 1861, O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864, O Céu e o Inferno, 1865, e, um ano antes de seu desenlace, sua última obra, A Gênese, 1868. Criou uma sociedade de pesquisa – a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, criou e editou uma revista mensal – a Revista Espírita (1858 a 1869), onde tratava da abordagem da paranormalidade, sob a ótica da normalidade da existência da realidade do mundo do lado de lá apregoado pelos princípios cristãos e exemplificados por Jesus. De novo, verdadeiramente novo, a codificação espírita trouxe a relevância de dois temas já abordados por filósofos e religiões, ao longo da história: a possibilidade da comunicação e intercâmbio entre essas instâncias de mundos e a tese da reencarnação. Allan Kardec (o professor Hippolyte) não queria, nem imaginava, incentivar seguidores, portanto, não queria criar o kardecismo. Como todo pesquisador, intentava contribuir com um tijolo apenas para o esclarecimento filosófico-religioso da grande inquietação humana e que habita em todas as criaturas e fundamenta todas as religiões e escolas filosóficas: quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
Pois bem, Nosso Lar trazido ao mundo literário pelo lápis do serão noturno de Chico Xavier há mais de 60 anos é uma história, uma reportagem de um de nós do lado de lá. André Luiz, o mensageiro-repórter, não é santo nem demônio e relata sua vida após a vida por intermédio da “paranormalidade” de Chico. Sua mensagem é de esperança, de consolo, de lógica. À cada um segundo a sua obra, já nos dissera Jesus, o crucificado. Em Nosso Lar é o que constatamos na história do próprio André e nas dos outros personagens, colhidos aqui e ali, do livro, pela produção do filme que já é campeão de bilheteria de filmes nacionais. Escreveu Kardec, em uma de suas obras (O Céu e o Inferno): "A Doutrina Espírita transforma completamente a perspectiva do futuro. A vida futura deixa de ser uma hipótese para ser realidade. O estado das almas depois da morte não é mais um sistema, porém o resultado da observação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual aparece-nos na plenitude de sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são os próprios habitantes desse mundo que nos vêm descrever a sua situação."
Pois bem, ao que se assiste em Nosso Lar é exatamente isso; a descrição de situações que ocorrem do lado de lá. Talvez a visão de nos vermos tão iguais, tão humanos tanto lá como cá, nos traga a curiosidade pelo tema e nos venha levando ao cinema, independente da religião que professemos, porque se há uma verdade é a de que, tal como André, um dia partiremos e nessa partida só teremos duas alternativas, o nada, ou a continuidade de tudo. Só por isso, mesmo com ceticismo, vale a pena conhecer essa reportagem de além-túmulo.

Maria Ângela Coelho Mirault
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica
http://mamirault.blogspot.com

Publicado no jornal Correio do Estado, Caderno A, pg.02,
Campo Grande, MS, 17/09/2010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ACABOU O RECREIO

Povo, ô povo, escute: falta pouco menos de três meses. A oportunidade ímpar vai estar em suas mãos; precisa dar-se conta de que a hora do recreio terminou. Faça-nos o favor, agora que as férias das crianças acabaram: acorde! As bem-vindas eleições majoritárias estão vindo aí. Prepare seus ouvidos, abra bem os seus olhos. Nada de ficar entediado e distraidinho na hora da propaganda eleitoral obrigatória – não desligue o rádio nem a tevê, pelo contrário, aumente o som, pare tudo que estiver fazendo; a hora é séria – embora, muitas vezes, a gente não se contenha frente ao grotesco que se apresenta. Preste bem atenção na cara dos candidatos, nos seus trejeitos, na roupa que estarão usando, e, mais do que nunca, no seu sorriso. Dizem os estudiosos da cultura que a gênese do sorriso está na demarcação de espaço. Quando um animal se deparara com outro, mostra-lhe os dentes, e, com isso, demarca sua fronteira. Então, povo, preste atenção nessa mídia primária que é o nosso corpo, a nossa cara, o nosso gestual. Essa é uma mídia que não mente; tudo se revela. Substanciado pelo gestual descompassado e alvíssimo sorriso marqueteado, por seu intermédio, você decodificará o subtexto na fala dos candidatos. Assim perceberá que não há verdade na mensagem lida sem a entonação devida (já que, na maioria das vezes, não foi pensada nem escrita por ele). Não caia nessa. Preste toda sua atenção na pessoa que está pedindo seu voto, isso já é uma ótima dica.
Procure lembrar, ô povo, em quem você depositou sua confiança nas últimas eleições. Veja se o seu candidato fez a metade do que prometeu; se fez, ótimo, fez valer o seu voto. Eles são meio assim como a gente quando faz promessa e paga só a metade; o santo aceita. Aproveite e procure lembrar se você cobrou alguma coisa dele, se se interessou em ter seu endereço eletrônico, saber quem do seu gabinete poderia lhe dar alguma informação sobre o mandato que você afiançou e ajudou a outorgar. E, sobretudo, preste atenção aos jornais, escritos e televisuais. Se puder, às revistas também. Essas mídias podem até aumentar os assuntos, torcer as verdades, mas não mentem, principalmente, porque os advogados estão afiados e competentes nas demandas processuais. Se tiver notícias de corrupção envolvendo o seu político, caia fora, por mais que ele jure por sua mãe mortinha ser inocente. De modo geral, um boato traz em seu bojo algum fundamento, um tantinho assim de comprometimento: onde há fumaça há fogo.
Ah, informe-se sobre os sinais de enriquecimento ilícito. Carros, casas, fazendas, promoção de festas familiares absurdamente ostentosas, mudança no layout visual (o dele e o da patroa) são ótimos vestígios – certos programas na tevê e alguns semanários de distribuição gratuita costumam explorar essas coisas. Procure, também, informar-se se o político que você elegeu mudou de partido, esse também é um dado assaz importante, nessa hora.
Não se esqueça daqueles oportunistas que, em datas comemorativas (Natal, Ano Novo, Dia das Mães etc) expuseram-se nos outdoors. Esses não merecem uma nova chance, pois, a vaidade e a falta de simancol já são motivos suficientes para que não se reelejam.
Atenção aos financiadores de campanhas e aos cabos eleitorais, pois, os primeiros ocupam, ou influem, no primeiro escalão, enquanto os segundos costumam virar segundo escalão de governo. Às vezes, esses espécimes mudam muito seu padrão de vida em quatro anos (imagina em oito), alguns conseguem até subir da classe Z para classe A, sem escala.
Povo, ô povo, atente para a seriedade deste momento. Fala sério, com os índices epidêmicos de criminalidade, de violência, de baixo aproveitamento escolar, de doenças, não dá para a gente brincar. Não reeleja ninguém que tenha deixado dúvidas, marcas, desassossego. Afinal, você luta tanto com a vida e a sobrevivência; pagando todas as suas dívidas com juros e correção...
Se as campanhas estão tão caras - fala-se e se anuncia milhões pra cá, milhões pra lá - divida esses custos pelo tempo do mandato e você vai ver facilzinho que a conta não fecha, alguém vai estar comprando alguma coisa e outros devendo a alguém; são os tais comprometimentos de campanha. Embora, com a nova legislação, anuncie-se que esse ano a coisa vai estar mais controlada, não se iluda, os marqueteiros estão a todo vapor na busca das brechas e nas brechas quem dança é você.
Não dê outro cheque em branco para o seu candidato político. Faça valer sua vontade; não tem cesta básica que valha essa sua delegação. Não há dinheiro que pague a sua opção livre e determinada de escolher o seu candidato a um mandato de quatro ou oito anos. É você escolhendo alguém para representá-lo. É você assinando a carteira (e a aposentadoria) de trabalho dele; o cheque dos móveis e imóveis que adquirirá, das viagens que toda a família e, às vezes, os amigos farão; e, empregando seus incontáveis assessores.
De certo que haverá (tomara) gente em que valha a pena votar; será como procurar agulha em palheiro. Mas, se você foi capaz de pagar várias ligações para decidir quem “mereceria” ganhar um milhão, na décima edição do Big-Brother-Brasil, e, por quase quatro meses, observou atentamente as futricas entre os concorrentes, eliminando-os semana a semana, você saberá fazer o mesmo nesse momento de grande-big-brother-nacional. Certamente, saberá identificar um candidato, que, dentre os demais, estará mais capacitado para gerenciar suas contas; administrar seu condomínio.
Povo, ô povo, sobretudo, não se prostitua. Não se venda. Acorde, observe e aja. Quem sabe, assim, possamos sonhar com um futuro mais digno e com quatro anos de uma vidinha melhor.

Publicado no jornal Correio do Estado, MS, 12.08.2010
"Ponto de Vista" - Caderno A, p.2.

Maria Ângela Coelho Mirault – Doutora e mestre em comunicação
Mariaangela.mirault@gmail.com
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segunda-feira, 5 de julho de 2010

VERGONHA DE “MIM”

Todos os extremos resultam de um déficit. Foi assim e está sendo assim o “meu” comportamento extremado de cidadão brasileiro, com a esperança, primeiro, e a perda, depois, do almejado hexa. Como “sou” passional e imaturo. Se tivéssemos alcançando o título e se ganhássemos a Copa estaríamos radiantes, a nação manter-se-ia em festa, o Olodum expressaria ininterruptamente nossa imensa felicidade. “Eu” ainda estaria festejando o gol de ombro do Luiz Fabiano, as falhas do juiz que nos beneficiou inúmeras vezes, afinal “sou” muuuuuuuuuuuito esperto. Nossos guerreiros estariam cultuados, o temperamento (extremado) e (para alguns) mal-educado do técnico seria admirado, exultado e significado. “Eu” não veria defeitos na equipe técnica, no trabalho e na escolha dos nossos representantes, na Copa. Mas, Felipe Melo (é ele, o cara!) não apenas “me” tirou o hexa; menino indisciplinado - segundo globais experts do futebol – fez muito mais. Felipe Melo mostrou a “minha” verdadeira cara. Como bipolar que “sou”, repentinamente saí do estado da euforia para o estado extremado da depressão. E a depressão fez emergir de “mim” o que tenho de pior, a cega e apaixonada ira. E essa emersão, não só está vindo a tona, como também, tem de ser expressa. Não, não, apenas, expressa. Tem de ser compartilhada; todos têm, o mundo têm, de saber da “minha” indignação. E é como indignado, que “fui” proclamar todos os impropérios e demonstrar o que existe verdadeiramente dentro de “mim” com relação à frustração de não ter “me” tornado hexacapeão, na África. Por um dia, o “minuto de ódio” - tão bem expressado por George Orwell, em sua obra 1984, regurgitou o sentimento nacional brasileiro. Bastaram poucos segundos para que eles – que até estavam bem – caíssem na mais abjeta das atenções midiáticas. Execração nacional foi o que aqueles meninos passaram a merecer.
Por um dia ainda na onda da ressaca, “encontrei” a forma de promover “minha” catarse, primeiro, na torcida contra a odiosa Argentina, e, à tarde, na possibilidade de vitória dos “meus” amados irmãos paraguaios.
Ah, que vergonha de “mim”!
“Eu” que estava tão certo de “minhas” atitudes e opiniões, vi no olhar apavorado de Felipe Melo, na chegada da seleção ao solo brasileiro, o quanto “estive” o tempo todo alterado.
Horrorizado, o jogador que há poucos dias se encontrava na iminência de tornar-se um herói-nacional, em seu olhar de menino, hesitava em dar o primeiro passo, na saída do aeroporto, de volta pra casa. Nunca talvez tenhamos testemunhado tanto medo capturado pelas lentes da tevê. Ali, ao vivo, para todo o planeta, o mais triste espetáculo que poderíamos proporcionar. Um de nós, parte de “mim”, apresentava o pavor da hostilização certeira, na recepção vergonhosa que “fiz”, sem dó nem piedade.
O choro compulsivo de Júlio Cezar nos braços de sua mãe envergonha toda uma nação de fanáticos torcedores.
Se tivessem chegado com a taça, mesmo com gol roubado, ou jogo comprado teriam tido outra recepção. Teriam sido catapultados ao pódio dos heróis brasileiros, porque, para “mim” o que importa é ganhar, seja como for.
Ah, que vergonha de “mim”!
Ah! que vergonha de mim, quando, agora, constato, o modo como recebi “meus” irmãos, “meus” compatriotas, como se “eu” nunca tivesse errado, como se “eu” fosse o mais ético e assertivo dos povos. Como vestal imaculada “apontei” para o alvo e como o mais cruel dos terroristas, “meu” fuzil para a cabeça de Dunga e do Felipe Melo, principalmente, pois, é preciso dar nome aos responsáveis pela “minha” desgraça; eles entrarão para a história; milhares de anos virão, mas a posteridade nunca esquecerá os culpados. Como fariseu, túmulo caiado que “sou”, estertorei “minha” ira, em “meu” minuto de ódio contra aqueles que não souberam representar a pátria brasileira.
Ah, que vergonha de “mim”!
Ah, e, agora, nessa vergonha de “mim”, emerge um sentimento contraditório; é a inveja que surge. Ah, que inveja do povo argentino, do torcedor argentino, da recepção aos perdedores pelas ruas de Buenos Aires.
Ah, que inveja deles, ovacionando Maradona, pedindo-lhe para que permaneça no comando da seleção derrotada do seu país.
O que será que eles aprenderam com a Copa, com a derrota nas oitava e que nós ainda não conseguimos aprender?
Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados. E assim foram recebidos os heróis argentinos: com compaixão, com admiração, com esperança, com amor, reconhecimento, gratidão, e, principalmente, com respeito, na volta ao solo da pátria-mãe.
Por que será que não podemos - não vimos e não pudemos - externar um pouco de compaixão? Compaixão pelo fracasso dos nossos compatriotas? Por que esquecemos tudo e no tribunal sem apelação da opinião pública brasileira - exageradamente reverberada pela mídia - condenamos e vilipendiamos nossos jogadores?
O que é que a Argentina está nos ensinando, meu Deus?
Bem-vindo Dunga. Bem-vindo Felipe Melo. Bem-vindo Júlio César! Bem-vinda, seleção brasileira. Não temam, mantenham a esperança, porque não estará longe o dia em que nenhum de vocês precisará expressar tanto medo no olhar, nem verter tantas lágrimas no regaço de suas mães. Dia virá, em que a maturidade nos ensinará que momentos como esse; derrotas como essas nos trarão lições de aprendizado. Um dia, “saberei” ter a exata dimensão de que o 2x1 da Holanda foi apenas um jogo e que, afinal de contas, todos vivemos no limite de nossas possibilidades e passíveis de cometer inúmeros gols contra.
Mas, enquanto isso não acontece, tenho vergonha de “mim”!


Maria Ângela Coelho Mirault é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica.
Mariaangela.mirault@gmail.com

Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, 07.07.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

sexta-feira, 4 de junho de 2010

JORNALZINHO

Esse jornalizinho da Omep foi criado por mim (pasme) há 30 anos.
Como é bom a gente ver o fruto manter-se vivo levando tanta informação sobre educação mundo a fora (verdade!)
 

OMEPEANDO...

 

EU E MINHA GÊMEA ANGELA COSTA

Momentos antecedentes a minha palestra A influência da mídia na educação, no 21o. Encontro Estadual de Educação Infantil e Primeiros Anos do Ensino Fundamental/ 7o. Seminário Internacional da OMEP/BR/MS
 

domingo, 30 de maio de 2010

PERAÍ, ALTO LÁ

Não misturemos alhos com bugalhos como dizia minha avó. Pode até ter passado desapercebido, mas, a mensagem publicitária de uma marca mundial de jeans foi retirada dos outdoors de nossa cidade. Veiculada no mundo inteiro, aqui - sob o amparo da pudica lei municipal 154/10 (anti-pornografia, cujo teor ninguém conhece) -, a campanha foi censurada pelo promotor da infância e juventude do Ministério Público Estadual. A mensagem censurada e veiculada trazia a imagem de um casal besuntado de óleo, vestidos com roupas íntimas e que, abraçados, estaria insinuando algo a mais do que um simples momento de intimidade.
Peraí, alto lá, quem é que instituiu; onde é que já se viu, ou está escrito, ou legislado e sacramentada a competência da função de censor para o MPE? Em que lugar, em que província brasileira foi instituída a delegação do que se pode ou não ver, sob a suposição da inferência subjetiva de uma mensagem? E a democracia ficou aonde? Estamos na Venezuela? Será que essa decisão não fere a Constituição Federal? Será que essa instituição, que tem como função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais (art. 177,CF), não têm mais o que fazer?! E quanto aos pornográficos outdoors políticos expondo bisonhos e ortodônticos sorrisos, a todo o momento, durante todo o ano e por qualquer motivo, invadindo assim, nosso cotidiano, sentenciando toda uma população, incalta, inculta e, às vezes até, indolente? Qual veiculação seria mais pornográfica e prejudicial à democracia e aos bons costumes?
Com o intuito de aplicarem uma leizinha municipal endógina, concebida e parida sem qualquer discussão externa, o MPE tirou o sofá da sala. Será que nós, os contribuintes, os provincianos-cidadãos desse arremedo de metrópole temos mesmo que aceitar o insurgimento de decisões tomadas sem uma reflexão, uma discussão mais madura, mais séria e mais ética, submetidos aos puritanos, anacrônicos e parcimoniosos princípios subjetivos de censura de uns poucos?
Qual o sentido semântico do vocábulo pornografia? Dinâmicos que são, costumeiramente, os significados costumam ganhar vida muito além dos seus significantes. A grosso modo, o significante pornografia extrapola sua gênese grega que diz tratar-se de tudo aquilo que exprima algo que motive ou explore o sexo. Na minha concepção, por exemplo, pornografia abarca o jeitinho (indecente) de legislar e governar com frouxidão, quando a sociedade espera, rigor, decência e ordem. Por que então os promotores do MPE não direcionam seus acurados olhares para os maus-feitos do Executivo (ah! e também do Legislativo). Por que não enxergar o desmantelamento da rede de proteção à criança - promovendo e insulando o abandono de nossa infância a sua própria (má) sorte? E quanto ao atendimento pornográfico, insidiosos e acintosos nos postos de saúde de nossa capital? E a má versação dos nossos recursos mal-administrados em confronto com o enriquecimento ilícito de certos e meros funcionários púbicos e seus super faturamentos, etc, etc, etc? Fiscalizar a moralidade dos serviços públicos, não se descuidar das contas públicas e da verificação da correta aplicação do dinheiro do contribuínte não são justamente atribuições de suas competências?
Tenho manifestado-me publica e veementemente contra a abusiva exploração que os outdoor infligem em nossa pobre, e, por eles, enfeada cidade. Tenho enfatizado o uso indiscriminado e discrepante desse espaço por políticos. Volta e meia indigno-me com as veiculações de mensagens dúbias e verdadeiramente imorais e antiéticas, mas jamais cometeria o desatino de imaginar, do alto da minha ignorância, ou sabedência, que alguém tenha o direito de decidir o que pode ser exposto ali, ou não. Isso é a volta da famigerada censura. A censura é indefensável, mesmo se seu veto se dirigisse à mensagem publicitária do bolixo da esquina da minha rua. Isso é abusivo e absurdo. Sob meu ponto de vista semântico e sob a dinâmica do significado, isso é imoralidade; autêntica pornografia.
O problema dos outdoor está além do que expõe, está na permissividade de sua existência desordenada e escandalosamente abusiva em nossa cidade. Do que precisam é de regulamentação e normatização do seu uso, já que é inegável trazerem consigo implícito também o benefício da informação pública – muito do que anunciam tem valor informacional de divulgação. Não advogo sua extinção, mas a sua ordenação em harmonia com o ambiente ecológico que deve ser preservado. Sou apenas contra o paredão ($) que obstrui nossa visão e, muitas vezes, a falta de decoro e ética em algumas de suas mensagens. Quanto a estas que se cobre dos órgãos fiscalizadores à submissão dos códigos de ética criados justamente para tal fim. Talvez corpos semi-nus, calcinhas, cuecas e sutians besuntados de óleo extrapolem a licença publicitária e incitem a imaginação e carência de alguns, mas, por si sós, não alteram os bons costumes; a não ser dos absolutamente castos, talvez, dos enrustidos, ou dos que têm, mas não sabem o que fazer, como se colocar em meio a limítrofe fronteira do que convém ou não convém, do que pode e do que não pode ser arbitrado.
Que o MPE cumpra o seu papel e dirija o seu olhar mais acurado ao descumprimento constitucional com relação ao número insuficiente de instituições educacionais que abriguem nossas crianças e aos péssimos programas estadual e municipais de saúde, e, aí, sim, proponha Termos de Ajustamento ao governador e aos prefeitos e todas as suas cortes - tal como o fez com o empresário proprietário da licença de veiculação dos outdoor, punido com tal ajustamento- e faça valer a ordem constitucional. Que o MPE dirija o seu plácido olhar e suas intempestivas ações às crianças e adolescente nos semáforos de nossas ruas; que dirija sua atenção à falta de abrigos e proteção à infância e à adolescência abandonada de nossas cidades; que atue rigorosamente diante da farra dos adolescente e dos não tão adolescentes – muitos dos quais, consumindo álcool e droga, matam-se nas ruas de Campo Grande - aos domingos, no final da Afonso Pena; que diligencie com relação às gangues dos nossos bairros e sejam severos frente às agressões aos professores e á violência nas escolas. Precisamos e confiamos na ação do Ministério Público, mas, nem tanto na subjetividade de seus integrantes, Por isso, por favor, senhores promotores, não misturem alhos com bugalhos, porque, senão, ai de nós, recorrer a quem?

Maria Ângela Coelho Mirault
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Integrante do Núcleo Regional da rede mundial da Aliança pela Infância.
http://mamirault.blogspot.com
mariaangela. mirault@gmail.com

Publicado no jornal Correio do Estado, MS, 01/06/2010, Campo Grande, MS
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

domingo, 9 de maio de 2010

A (má) influência da mídia em nossa integridade ecológica

Hodiernamente, habitamos um mundo hostil, adolescentizado, que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos e nem podemos adquirir. Ligamos a tevê, o rádio, passamos, distraidamente, pelos outdoors, submetidos inexoravelmente à ostensiva propaganda publicitária, tocando a vida, no piloto automático, como se pudéssemos vivê-la – e a vivêssemos - imunizados a toda essa influência midiática. Desprovidos da capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm, deixamo-nos capitular pelo consumismo desenfreado que nos assalta cartões e contas bancárias, inopinadamente.
Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da avalanche informacional a que somos submetidos cotidianamente não nos é percebida como uma questão de sobrevivência ecológica. Porém, nada nos parece mais evidente, nesses tempos de reinado soberano da midiatização da informação, do que essa implicação ecológica, que tem início na pessoa, no cidadão, sobretudo, na salvaguarda de sua individualidade. A miditiazação da informação (qualquer que seja) é, mais do que nunca, um problema que afeta a todos nós.
O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento entre o que podemos e devemos adquirir e o que nos é apresentado como possibilidade, sutilmente, vai-se avolumando em nossa psiquê. Quem não sofreu com o confronto de suas próprias limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas verdades informacionais? É que nesse mundinho economiacamente bonzinho, colorido, irreal e feliz tudo pode ser comercializado, da pajero ao cachorro-quente; do aparelho ortodôntico e o clareamento dos dentes a balanhagem; da cinta milagrosa à plástica ilusória. E se todo mundo pode, e se todo mundo tem, por que não nós? E dá-lhe crédito; toma financiamento; vai cartão, propondo-nos, de antemão, a amortização da dívida insanamente contraída, com juros e ranger de dentes, ou, em muitíssimas vezes, guindados à inadimplência e ao SPC e suas desastrosas consequências.
Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica que o conteúdo sedutor da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar? Como permanecer vivo, depois dos cinqüenta, quando o mundinho-feliz publicitário nos afirma só ser possível aos 15, 30, 40 anos? O que dizer da erotização da infância imposta pela mensagem publicitária, que, tendo o adulto como alvo, expõe a criança como objeto? Abusiva, enganosa, chantagista, violenta e criminosa.
Quando apresentamos a tese de que a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminadamente - pela mídia (de massa, ou não) - é uma questão ecológica, para a qual estamos inadaptados e despreparados, recorremos ao entendimento da ecologia como a ciência que, tendo por objeto o estudo das inter relações entre organismos e o seu meio físico, investiga toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. E sob esse paradigma, nenhum organismo pode viver sem essa interação nem sobreviver em um ambiente desfavorável a sua existência.
Somos, portanto, seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema do qual somos integrantes e interativos. Nosso habitat vai muito além (e aquém) do ambiente bio-psico- físico, pois abrange, sobretudo, o ecossistema semiótico – o mundo dos signos - onde ocorre essa troca de energias e apropriação de conteúdos simbólicos. Contudo, não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica. E, para que possamos manter nossa integridade ecológica, precisamos desenvolver a capacidade crítica de discernimento entre o mundo real e o fictício; forma e imagem. Nós, os seres humanos, que somos submetidos a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisamos, urgentemente, encontrar meios de sobreviver e preservar nossa integridade ecológica, bem como a de nossa espécie. Precisamos continuar a existir tal como somos, apesar de todos os apelos publicitários determinarem e reverberarem o contrário, mantendo-nos vivos, belos, saudáveis, felizes e atuantes, muito além dos 40.
Uma educação ecologicamente semiótica para que adquiramos a capacidade de estabelecer um diálogo pessoal e saudável com a mídia – e toda sua produção - é uma demanda social. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as formas em que as mensagens mídiáticas nos alcancem: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos da vergonha que temos, por não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos, ou tão felizes quanto os anúncios, as novelas e os reality shows nos fazem acreditar.


MARIA ANGELA COELHO MIRAULT PINTO

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Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS: 18.05.2010
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segunda-feira, 1 de março de 2010

CUIDADO COM A MARKETAGEM *

KIT BATON, NÃO
Dia desses, recebi, via email, uma convocação. Tratava-se da realização de um encontro para arrecadação de itens para a confecção de kits de maquiagem e produtos de beleza com a finalidade de serem distribuídos às mulheres em bairros da Capital. O objetivo informado no texto era o “de acrescentar um elemento novo no processo de discussão sobre o papel da mulher na sociedade, presenteando-a com produtos que elevam a autoestima e fortalecem laços de inclusão social” (sic).
Levei um susto. A mensagem não era compatível com a signatária, mas, levava sua assinatura, dando-lhe credibilidade.
Aí, fiquei imaginando como é que aquela pessoa pode embarcar nessa furada e - pelo teor da mensagem - acreditar ser possível “acrescentar um elemento novo no processo de discussão sobre o papel da mulher na sociedade” presenteando-a com um kit de beleza, a título de comemorar a data?
Aí, comecei a matutar nas possíveis razões que pudessem justificar tal endosso Cheguei de cara a uma constatação: a idéia não fora dela. Mas, como é que aprovou o projeto do kit-batom? Quem a teria convencido de tamanha bobagem?
Aí, pensei no que teremos pela frente, nessa campanha eleitoral. E me estarreci. Se gente qualificada embarca nessa marketagem, o que esperar dos desqualificados (e dos descarados) que se candidatarão e até se elegerão? O que serão capazes de marketear?
Aí, não pude deixar de lembrar que a grande questão sempre esteve e sempre estará nas – algumas vezes - inqualificáveis mãos das assessorias. Daquelas pessoas que dão a idéia, mas não se responsabilizam por ela; não as assinam. Se costumeiramente há sempre muita gente sabida nessa área (relações públicas, marketing, publicidade etc), neste tempo pré-eleitoral elas surgem do nada e vicejam como em nenhuma outra atividade profissional. E, claro, com suas idéias mirabolantes trazendo o tal do “elemento novo”. E o incauto (?!) político, ou candidato político, até de boa fé, é vitimizado sem dor, crendo que eles, os sabidos, sabem o que estão fazendo. Ledo engano, senhores! Eles não sabem, e, depois, não serão eles quem estará na boca do povo, na cabeça do eleitor, na mira do adversário e, principalmente, não é o deles que vai estar na reta....
Aí, pensei no cuidado triplicado que um político deverá ter com a sua esperta-competente-criativa assessoria! Se não o tiver, vai pagar cada mico, sem defesa, sem justificativa, sem piedade. Vai virar piada a boca-pequena e na mídia, sem apelação. Isso porque o puxasaquismo é uma doença endêmica em nosso país e ninguém contradiz, ou se posiciona pelo político, avaliando e inferindo até os possíveis danos a sua imagem, resultante de tanta criatividade e inovação.
De modo geral, um político, uma autoridade, um grande empresário não conta, em sua equipe, com um único indivíduo que lhe tenha acesso e lhe seja capaz de dizer aquilo que, normalmente, não quer ouvir. Mas, isso é necessário. Talvez, seja muito mais produtivo e eficiente contratar um assessor ranzinza, do contra, para atuar como advogado do diabo a lhe dizer muito mais o que NÃO deve, ou não convêm fazer, do que toda uma criativa equipe que viva inventando fatos sem análise das consequências. Uma espécie de alterego sincero e racional e menos megalômano e que, de fato, cuide de sua imagem pública que vai muito além de um mero produto de consumo.
Aí, pensei: mas fazer o que com eleitores que pagam com seu parco dinheirinho (a preço de batom, pelo seu celular pré-pago) a ligação telefônica para eleger um big-brother que ganhará um milhão e meio só por ter sido um herói do Bial?
Aí, pensei: esperar o que desses profissionais sem o devido senso crítico, assalariados (muito bem) justamente para serem criativos? Vai ver a mulherada até vai gostar do kit-batom e eu aqui, posicionando-me como um profissional ranzinza, a me espernear por isso.
Mas, aí, também, pensei: ora bolas! O fato já está consumado, mas, não dá simplesmente para, anestesiada e indiferente, deixar passar essa oportunidade de servir-me dele para expor essa reflexão.
Todos nós sabemos que um batom, um pozinho, um blush, ou coisa semelhante, não vão resgatar a autoestima das mulheres dos bairros. Sabemos que o kit beleza, também, não será capaz de fazer nenhuma inclusão social. Chega a ser absurda a concepção dessa idéia.
A inclusão social só é possível por meio da educação, da valorização da pessoa, do respeito ao cidadão, da libertação do espírito. Pode até ser que eu esteja totalmente enganada e a mulherada da comunidade vá a-d-o-r-ar a oferenda, e, aparentemente, o evento venha a ser um sucesso.
Advogo, sim, pelo bom profissional, aquele que, de fato, sabe o que está propondo. Eles existem e formam-se, pelo menos, nas faculdades de Comunicação Social, na habilitação de Relações Públicas (que, infelizmente, foi extinta em nosso Estado). Dezenas formaram-se por aqui e alguns foram meus alunos, na UCDB. Contudo, no resto do país, esses profissionais continuam preparando-se para isso: administrar o fluxo da comunicação e a adequação da mensagem ao público destinatário, de forma a servir de tradutor, intérprete e condutor da mensagem pública e institucional. E estes não são tão caros assim. Nesse ano eleitoral, que se possa separar bem o joio do trigo. Vai valer a pena.
Enfim, muita calma nessa hora. Cuidado com os sabidos que oferecerão idéias até piores do que esta, pois, de loucos e marketeiros todos temos um pouco. E uma marketagem dessas, faça-me o favor, ninguém merece.

Maria Ângela Coelho Mirault- Relações públicas, Doutora e Mestre em Comunicação
http://mamirault.blogspot.com - mariaangela.mirault@gmail.com

*Publicado no jornal Correio do Estado, em Campo Grande, MS, dia 05.03.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

domingo, 24 de janeiro de 2010

Nem só de pão e circo pode viver o homem (*)

Quando morreu, aos 46 anos (1951), havia se passado pouco mais de seis meses da publicação de seu livro (1949). Ele jamais poderia imaginar que 51 anos depois, sua ficção estaria metaforizada em um programa televisivo. O inglês (nascido na Índia), Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, certamente, não poderia prognosticar esse futuro.
Cinco décadas depois (1999), inspirado em Orwell e sua obra, um executivo de TV reuniria e confinaria seres humanos com vistas a mais execrável exposição pública. Pessoas como nós seriam concupicentemente sequestradas, deixariam todos os seus afazeres – amores, carreira, estudos, trabalho – e, por um determinado período de tempo e de vida, abdicariam de seu direito à privacidade, conviveriam na mais completa intimidade, submetidas a torturas bizarras, em troca do mais vil dos metais. Estava lançado no mundo um dos maiores sucessos na área do entretenimento que a arena televisiva proporcionaria. Sabe-se que, o sucesso alcançado no Brasil foge a qualquer parâmetro internacional. Aqui, entrou para o calendário nacional e, fatidicamente, em todo janeiro, lá estamos nós submetidos a mais uma versão do Big Brother-Brasil, já que sua apresentação extrapola a mídia e a emissora que lhe dá vida. É inevitável, mesmo que não queiramos, mesmo que o rejeitemos e resistamos, em algum lugar a repercussão do programa nos atingirá.
Em tempos de décima temporada do programa, vale a pena observar uma curiosidade. Em sua obra, 1984, Orwell concebe a idéia de um tipo de comportamento distópico (utopia negativa) humano: o duplipensar - capacidade, segundo a qual é possível ter e conviver com pensamentos absolutamente antagônicos. Seria isso uma característica humana: aceitar duas crenças contraditórias como verdades, sem conflito e qualquer julgamento lógico, ou ético. O que Orwell talvez não soubesse é que sua proposição seria comprova muitos anos depois por uma sociedade tão distante da realidade dos regimes totalitários insurgentes daquele momento que quis retratar. Obviamente, não estava incluso em sua formulação que a submissão a um sistema tão opressivo - tal como denuncia - fosse aderido (e admirado) por livre iniciativa, tendo como móvel o dinheiro; a notoriedade. Seu romance-ficção exponencia a fraqueza humana, alude a impossibilidade de se resistir à força. Winston Smith - seu antierói - vivencia essa arrasadora realidade: sua quixotesca capacidade de resistência ao status quo dominante terá um limite.
Surpreendente mesmo é a constatação de que o duplipensar tenha se tornado tão comum, em nossos dias. Pois, por mais que (cabeça boa!) tenhamos formado opinião da nefasta influência do Big Brother, parte de nós não deixa de assisti-lo. Famílias reúnem-se frente à tevê, movidos pelo interesse de acompanhar aqueles espécimes que bem poderiam ser qualquer um de nós, torcendo por uns e odiando outros. Parte de nós, que nos julgamos capazes do discernimento de pensamentos nobres, consciência crítica e conduta reta, submete-se, voluntaria e fielmente, à escravidão diária de acompanhar o maior espetáculo e exemplificação de inexistência de valores ético-morais que, no horário nobre, invade as salas de nossas casas e ensinam nossas crianças - sob a concupiscência dos adultos - a aprenderem que tudo vale a pena se os fins são recompensadores.
E esse modelo distópico passa, então, a fazer parte do cotidiano das pessoas que, sem mesmo se darem conta, pagam e contribuem com a incomensurável quantia que sustentará a produção desse espetáculo e a premiação do escolhido.
Estamos diante de um triste espetáculo da arena romana. Os leões somos nós; despudoradamente, as vítimas serão vencidas e eliminadas sob nosso estertor; sangrarão sob nossas garras no teclado dos celulares e computadores; suas entranhas estarão expostas para nosso vil prazer eletrônico. O concorrente mais invertebrado, mais adaptável ao sistema e às regras permanecerá, o mais dissimulado ocultar-se-á entre os demais e o melhor jogador levará um-milhão-e-meio-de-reais (!) para casa. A emissora embolsará dezenas de milhões, patrocinadores e marketeiros comemorarão e o sistema de telefonia móvel exultará, enquanto nós, os subsumidos, continuaremos a contar nossos caraminguás, de todo final de mês. Alguns dos concorrentes conhecerão o sucesso, outros – maioria- serão esquecidos. Despidos, tornar-se-ão capas de revistas, destaques de escola-de-samba, protagonistas de novelas. Tudo decorrente da abdicação da privacidade e da exposição consentida, disputada, negociada sob nossos vigilantes olhares. Para que trabalhar, para que estudar, para quê?! Como é que podemos conciliar nossos valores com esse dulipensar? Como continuar exigindo que nossos filhos vão a escola todas as manhãs, se no exercício diário da prática educativa-familiar, todas as noites, sob nosso consentimento, aprendem que vale tudo para vencer a inocente disputa por um milhão e meio de reais? ]
Talvez houvesse um utópico recurso para se coibir o espetáculo dantesco proporcionado pelos enjaulados-sequestrados e seus carcereiros; o simples gesto do desligar de botões, ou o zapear do controle remoto em busca de melhor programação; quem sabe, a leitura sadia de um livro (talvez a própria obra de Orwell); a resistência e a luta pela preservação da nossa sanidade mental.
Não, Eric Arthur Blair não poderia ter feito um prognóstico tão acertado. Do túmulo talvez se surpreenda e lamente ter inspirado a revelação dessa capacidade insidiosa do duplipensar humano, que revela e expõe muito mais quem, do recesso dos seus lares, assiste, e torce, e paga, e escolhe, e vota, do que o triste espetáculo oferecido pelos sequestrados – confinados – encarcerados – aliciados - vencidos e vendidos no circo romano nosso de cada dia. O fato (basta verificar a audiência) é que poucos de nós são capazes de resistir a hegemonia global-orwelliana, e, simplesmente, conseguem dizer não ao Big-Brother. Parece pouco, mas não é; podem parecer bobos, mas não são, pois nem só de pão e circo pode viver o homem. Há mais o que se fazer das nossas horas que se escoam a cada minuto de vida desperdiçado.

Maria Angela Coelho Mirault – http://mamirault.blogspot.com; mariaangela.mirault@gmail.com
Doutora em Comunicação e Semiótica

* Publicado no Jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, em 04/02/2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

AVATAR: UM MARCO HISTÓRICO DE UMA NOVA E SURPREENDENTE MÍDIA

Avatar não é um filme. É uma experiência absolutamente inovadora. Um marco na história do entrenimento. Não se pode assisti-lo e comentá-lo como a um filme, porque o que se apresenta à experienciação por intermédio do 3D é inusitado demais para permiti-lo. Estamos diante de uma nova híbrida mídia, que utiliza com a maior propriedade toda sua potencialidade. Estamos diante de uma apoteose limítrofe de todas as possibilidades de expressão. É pura arte plástica. É pura literatura. É possibilidade tecnológica-virtual levadas as últimas consequências.
Desde sua invenção, é bem verdade que a mídia cinema passou por significativas transformações. Essas transformações não resultaram apenas de processos de superação tecnológica, como a ocorrida entre o cinema mudo e o sonoro. Essa superação foi uma revolução na história do cinema, transformando-o para sempre. O mesmo está acontecendo agora com Avatar; uma superação divisora de águas em antes e depois. É bem verdade que muitas outras obras vieram pontilhar um caminho diferencial, ainda dentro dos recursos possíveis e disponibilizados pela mídia cinema. Desde o momento em que a tecnologia superou a simples simulação e a retratação de uma dada realidade e passou a nos apresentar enredos inverossimeis, fantásticos e irreais como possíveis, que vimos nos preparando para esse momento Avatar. Matrix e todos os que se lhe seguiram, foram preparatórios para esse extremo de hibridização de linguagens apresentado em Avatar.
Dizer que James Cameron, seu idealizador e diretor é excepcional seria um óbivio lugar-comum, para esse físico que entregando-se à magia do cinema, liderou toda uma surpreendendemente competente equipe para produzir essa obra de arte do espírito humano. O enredo e sua plasticidade fogem totalmente a qualquer concepção que se tenha de linearidade, de narrativa, de espaço e de tempo, apresentando possiblidades surrealistas perfeitamente dignas de um Salvador Dali, de um Kafka, de um DaVince, ou um Michelangelo.
A obra é de uma alquimia perfeita no campo da ética e da estética. Aliás, a estética da obra captura primeiramente o olhar, o cérebro, para pouco a pouco captar a mente e conquistar a alma. Pouco tempo se passa até que, cativados, nos damos conta de que estamos torcendo contra os nossos semelhantes, de tão verossimel a trama se apresenta ao nosso julgamento ético. Estamos conectados. Participando das cenas (estamos em 3D, lembra?) somos avatares, lutamos como avatares, sentimos como avatares e vivemos cada segundo, como os maestros da sinfonia o planejaram, e, mesmo sem termos idéia do que está por vir, sabemos no íntimo de avatares, que já nos tornamos, que o Bem vencerá ao Mal. Porque, na verdade, todos temos esperança de que isso sempre ocorra, mesmo quando testemunhamos que, na experiência da vida real, possa não ser assim. E que, neste caso, o Bem só pode mesmo vir dos outros, dos nossos dessemelhantes alienígenas.
É por isso que Avatar, lotando os cinemas, arrebatando bilheterias, extrapola ás salas de exibição e, fixados em nossas mentes e corações, volta conosco aos nossos lares, mas sem discussão ou interpretações partilhadas. De tão devastador, o silêncio explicita seu alcance, manifesta-se apenas a beleza, a inediticidade da obra. É por isso que partilhamos essa experiência recomendando aqueles do nosso convívio que não deixem de experienciar um momento ímpar na história do cinema; o momento de mudança; o momento em que o cinema deixou para traz e fechando a porta tudo o que ele próprio conhecia e praticava como cinema. É, realmente, estamos diente de uma surpreendemente nova narrativa, em um espetáculo de arte sem comparação, subjugados a uma teconologia sem precedência. O novo recurso dessa mídia híbrida entra forte nesta nova década. E o cinema? O cinema ficou na década passada e já é história. Com talentos como o de James Cameron e a magia virtual, tudo agora é possível e nada mais nos suspreenderá. Ah! A premiação do Oscar terá que ser redimensionada para atender essa nova demanda, porque não dá para competir.

Maria Angela Coelho Mirault – doutora e mestre em Comunicação e Semiotica pela Puc de S.Paulo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Paiê, o que esses bichinhos estão fazendo ali?!*




Se algum dia o Poder Público - que tem o dever de salvaguardar nossos direitos cidadãos - quiser justificativa para que se defenestre definitivamente os outdoors de nossas vistas e de nossa cidade, provavelmente, não encontrará melhor argumento do que aquele que nos foi oferecido neste final de ano. Não bastassem a poluição urbana, o alto índice de estresse que provocam no nosso cotidiano, o enfeiamento de nossa cidade, os outdoors, agora, também dão ensinamentos metafóricos de baixo nível.

Quem não foi surpreendido por duas peças publicitárias expostas nos tapumes de nossa cidade e que, juntamente com os sorrisos e aparelhos ortodônticos de máus-políticos, rondaram e invadiram nossas vistas, nas semanas que culminaram 2009? Duvido que algum cidadão campo-grandense não as tenha notado. Para reavivar sua memória, vou descrevê-las porque descritas, talvez, elas sejam lidas com a clareza e a crueza com que se apresentaram e invadiram o meu e o seu Natal, repercutindo ainda durante as comemorações do Ano Novo.

Na semana antecedente ao Natal, os tapumes apresentaram um peru (ave-metáfora) complementada pela mensagem escrita para quem não foi tão bonzinho assim. Tudo bem, para bom entendedor meia palavra basta. Mas, o complemento mesmo da mensagem estava na anunciação do anunciante: uma loja de produtos eróticos. A segunda peça, já para o Ano Novo, juntou a ave-metafórica, um pinto e um periquito (periquita?) devidamente (?) travestidos com adereços e fantasias (Não sei porque esqueceram a perereca) e a mensagem subjacente: em 2010, entre com tudo... (como assim ?!).

Enfim, na exposição policrômica, a criatividade publicitária emitia inúmeras mensagens oriundas desse recurso metafórico. Aposto que não teve quem não tivesse tentado traduzí-las e até feito brincadeiras com as tais. Mas, se você esqueceu o que é metáfora, quero lembrá-lo que metáfora é uma figura de linguagem em que um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam.

Depois dessa aula-dos-outdoors, acho bom a gente se preparar para quando nossos filhos quiserem entender a mensagem apresentada de forma que sejamos capazes de traduzir o que aqueles bichinhos estavam fazendo lá, o que cada uma representava e o que o anunciante queria expressar. Não esqueçamos também de informá-los que essa aula nos foi proporcionada porque aqui (até quando?) o descaso com as leis e o desrespeito com o povo é total. Aproveitemos para esclarecer que, ao invés de se atentarem para essas aberrações licenciosas (libertinas?) poéticas, econômicas, publicitárias - que essa mídia em uma cidade sem leis favorece - nossos ingênuos e castos legisladores, neste final de ano, perderam seu tempo e o nosso dinheiro discutindo e (pasme!) aprovando uma lei absurdamente talibânica intentando proibir (pasme de novo!) a exibição de singelas e inocentes calcinhas nas vitrines de Campo Grande e que por si mesma – ainda bem – sujeita ao veto do prefeito. Procure também não se enrubescer quando tiver que explicar que um “peru que não foi bonzinho (mal agradecido!), para ser agradado, tem que ganhar calcinhas e laçarotes! Para um peru, uma periquita e um pinto produzidos com roupinhas eróticas, o desejo expresso de que em 2010 entre com tudo tem tudo a ver na figura de linguagem utilizada. E mais, que essa pérola do nosso cotidiano foi-nos oferecido pelos otudoors..

Obviamente que há de ter quem os tenha achado apenas engraçados, criativos, inofensivos. Parabéns, se é o seu caso, você é pra lá de moderno – e amoral. Mas, para alguém como eu, que a cada dia fica mais perplexa com a permissividade com que esse tipo de mídia nos afronta a inteligência, dessa vez, extrapolou-se fronteiras intransponíveis.

Senhores vereadores, cá pra nós, confessem, os senhores v-i-r-a-m! Se estavam de recesso e não os viram, as fotos estão no meu blog. O que nos será oferecido nos próximos feriados? Precisamos nos preparar! Já imaginou na Copa do Mundo? O que esperar de tanta criatividade, ganância, licenciosidade? Virão os pleonasmos e os metaforizados expostos junto às suas metáforas? Quem estará adornado com adereços e roupinhas?

O que os senhores estão esperando, caros legisladores, para e-s-t-u-d-a-r-e-m o projeto cidade limpa, que São Paulo conseguiu implementar há alguns anos, regulamentado o uso do espaço público e extinguido de vez esse recurso altamente poluidor e inadequado.

Não proponho a censura (que Deus nos livre!), mas, sim, a normalização do uso desse espaço regulamentado. Esse mesmo espaço que todos transitamos e pagamos (muito caro) por cada centímetro. Não creio em nenhuma justificativa para que uns poucos o utilizem como querem, com os valores que têm, na mente e no bolso. Não sou obrigada a ver e ler essas mensagens. Cadê o meu direito respeitado?! Ministério Público, alô-o, socorro!

Se os senhores vereadores precisavam de algum argumento para arregaçarem as mangas e trabalharem de fato em prol da nossa sanidade física, moral e intelectual, vocês agora o têm. Acho que, dessa vez, juntamente, com nossos maus-políticos, os anunciantes de produtos eróticos extrapolaram o bom senso, a decência e a liberdade de expressão. Como professora do ensino fundamental, que já fui, confesso, não saberia como explicar aos meus alunos, mas, se os senhores quiserem, posso explicar melhor todas as mensagens subjacentes ali implícitas, à luz, inclusive, da Semiótica, dando nome e significado a cada elemento gráfico significante apresentado, em uma sessão solene na Câmara. Topam?


Maria Angela Coelho Mirault – mariaangela.mirault@gmail.com

Cidadã, munícipe, eleitora e doutora em Comunicação e Semiótica.

http: //mamirault.blogspot.com
*Publicado no Jornal Correio do Estado, 18.01.2010, Campo Grande/ MS

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CRUZES! ELES (OS OUTDOORS POLÍTICOS) VOLTARAM...*






Com que direito, senhores; com que dinheiro, senhores; com que benesse, senhores?
Como ousam voltar a conspuscar e saquear nossos olhares, nossa atenção nesse cenário babilonicamente poluído de nossa cidade? Trazendo com seus máus-exemplos - já denunciados - seguidores implacáveis, vilipendiando nossa paciência, nossa cidadania, nossos direitos?
Como “arrudas” daninhas vicejando nos tapumes e, sorrrateiramente, desejando-nos um Feliz Natal, em um quase final de tempo que prenuncia, quiçá, outro novo tempo, de uma nova década, de um novo ano. Eleitoral!
O fotoshop de suas faces coloridas nos agridem desses espaços pré-eleitorais. O que nos querem dizer, verdadeiramente, as mensagens desses andrés, márcios, marcos, valteres, mocas... o que nos pré-anunciam; a memorização de suas mensagens subliminares de suas candidaturas à reeleição, em 2010?
Como ousam invadir assim nosso espaço urbano, nesses tempos de congraçamento, de busca de paz, de convívio fraterno na festa de todos os povos e crenças, em que comemoramos a verdade cristã incompatível com artifícios e artimanhas políticas desse jaez? Não, senhores “feudais”, não queremos seus votos de congratulações porque nesses votos não há sinceridade; eles embutem e evidenciam suas vis segundas intenções.
Para quem sabe ler um pingo é letra. Suas mensagens deixam entrever o visgo do desrespeito às leis e aos direitos de um povo cansado de testemunhar a “criatividade” com que o fazem, nas barbas da justiça, das instituições e de todos nós. O pior é que os que votam nesse tipo de gente não sabem pensar, são sem dúvida os analfabetos funcionais “fabricados” pelo nosso mau-sistema-educacional, justamente, com esse propósito – captar a forma sem se dar conta do conteúdo!
Cruzes! Exorcismo! Os tapumes publicitários ainda não foram banidos de nossas vistas, nem de nossa pobre-linda e pré-histórica cidade. Enquanto os poderes econômicos e políticos se fartam desse recurso, onde estará (de receso?) o Ministério Público; o Tribunal Eleitoral e a OAB - cuja co-irmã, em Brasília, age e exige punição para “um” arruda. Por que, aqui, os nossos “arrudas” continuam imunes à fiscalização? Por quê? Se essas personalidades políticas (que brotejam e vicejam) utilizam seus recursos financeiros para a descabida exposição, é porque seus bolsos estão fartos desses recursos; se ganharam gra-ci-o-as-mente esses espaços é porque, sem dúvida, trocas serão feitas longe dos nossos olhos, de nossos conhecimentos. Muito longe dos mesmos escandalosos tapumes. Assim cultivam-se e adubam-se arrudas, também, em nosso solo vilanizado.
Recolham, senhores, suas feições bisonhas, risonhas e grotescas de nosso espaço público. Poupem-nos dessa travestida cortesia natalina. Não banalisem nossas relações cidadãs-eleitorais. Não anunciem o óbvio somente para serem vistos e lembrados antes do tempo. Deixem-nos em paz, pelo menos até julho de 2010, quando, então, claramente, suas faces nos explicitarão o que anunciam, agora – suas óbvias candidaturas. Não há leis a serem cumpridas, aqui, em Mato Grosso do Sul? Os tapumes eleitorais-natalinos intentam o engodo, mas, a quem pensam enganar? Por acaso, poderiam, tal e qual, descarada anunciação, ocuparem o mesmo espaço público e lançarem precipitadamente suas pre-candidaturas, aqueles que se encontram do lado de lá, do poder político, econômico e arbitrário de agora, os que se encontram na oposição eleitoral? Admitir-se-iam os rostos sorridentes de zecas, teruéis, pedros e amarildos nos tapumes que os senhores ocupam? Responda-nos, por favor, o Minstério Público, o Tribunal Regional Eleitoral, a Seccional da OAB/MS.
Cruzes! Sem dó nem pidedade, sem compostura e respeito vocês voltaram! Cabe-nos apenas a lembrança de seus nomes, seus rostos e atitudes, na hora certa de decidirmos, nas urnas. Cabe-nos apenas que pensemos, cuidadosamente, se é desse tipo de gente que precisamos; se é desse tipo de político que merecemos. E na hora que a nossa voz tem vez, lembremo-nos dos seus sorrisos, de suas caras, de seus artifícios eleitoreiros e, manifestemos nossa vontade, com lucidez. È disso que precisamos.
Não se esqueçam, contudo, nem sempre o que intentamos dizer repercute como desejaríamos. A comunicação é um processo que só se realiza no receptor. É ele quem “escreverá” a mensagem. Por isso, sempre, dizemos mais o que não queremos. Poderiam ter poupado seus bolsos (e os nossos!) Pois, para aqueles que ainda teimam em reconduzi-los ao cenário político sul-matogrossense, bastariam algumas reles camisetas.
Maria Angela Coelho – munícipe, eleitora, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Publicado em 06.01.2010- Jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS