quinta-feira, 14 de abril de 2011

A imprensa e a crise de valores

“A imprensa e a crise cívico-ético-moral” foi o tema determinado para uma palestra em um curso de pós-graduação. O título subjaz embutidas, pelo menos, duas premissas: a de que vivemos uma crise de valores, e, a de que a imprensa poderia ser responsabilizada por isso.
Expressar, difundir, intercambiar idéias sempre foi uma necessidade humana, até para a sobrevivência da própria espécie. A liberdade de expressão é um direito preceituado pela Declaração Universal do Direito do Homem, desde 1948. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5o. determina ser “ livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença” (até para o deputado federal Bolsonaro, como se vê). Esses princípios atribuem à imprensa o papel e o dever social de intermediar o fluxo das mensagens informacionais para que, livremente, possa o homem formar o seu juízo de valor, diante dos fatos.
A imprensa – palavra cujo significado vem de “prensa móvel” - surgiu há muitos milênios , como um artefato para suprir a necessidade humana de informação. O estabelecimento de uma função social à imprensa deu-se a partir de três grandes movimentos revolucionários e paradigmáticos: o produzido na Alemanha por volta de 1495, com a descoberta de Gutemberg, subsidiando a Reforma Luterana, ao disponibilizar e popularizar a Bíblia; no século XVIII, durante a Revolução Industrial, e, tendo, de fato, seu alvará libertário, por ocasião da Revolução Francesa (1879), fazendo emergir uma imprensa revolucionária e opinativa, cumpridora do seu papel social junto à burguesia, naquele momento.
O século passado viu surgir uma nova e potente diversificação dos canais informacionais trazidos pelo rádio e pela televisão. Em atendimento a um nascente mercado consumidor, a propaganda e o marketing passaram a influir, ideológica e economicamente, nos aparatos midiáticos, inaugurando uma cultura (e um consumo) de massa, na qual consumo e consumidor tornaram-se alvos de suas mensagens. Ao transformar cidadãos em consumidores, a cultura de massa inaugura, também, o distanciamento da imprensa com os princípios que lhe deram origem e marcaram sua trajetória.
O advento das novas tecnologias da comunicação assinalaram nova revolução, ao oferecer - por intermédio das mídias digitais e todo seu aparato, aceleradamente, inovador e renovador - ao, antes, receptor passivo, novas perspectivas de compartilhamento e gestão da informação. Atualmente, vivemos uma revolução mais radical, irreversível e paradigmática, ainda, trazida, principalmente, pela potencialidade quase infinita do uso – para o bem e para o mau - da internet.
Então, como poderíamos imputar (somente) à imprensa a crise de valores da sociedade contemporânea? Em princípio, pode-se significar crise como momento de ruptura do status quo vigente para o estabelecimento de novos paradigmas. Desse modo, a crise de valores instala-se no âmbito das normas, procedimentos morais e práticas de uma sociedade. A crise, pois, nunca será Ética, pois é do âmbito da moral.
É fato que a imprensa, dos tempos atuais, a mídia em geral - utilizando-se das prerrogativas universais e constitucionais de liberdade de expressão, submetida que está à força do capital, da propaganda e do marketing - deixa lacunas (morais) no cumprimento do seu papel social. A nefasta força mercadológica da propaganda (mais do que a publicidade), infelizmente, extrapolou as páginas dos classificados, invadiu as páginas e telas midiáticas, e, mesmo o espaço urbano, ocupando o lugar da notícia. Mas, mesmo com esse desvirtuamento, não se pode imputar à imprensa – que, de fato, de livre expressão nada tem - a responsabilidade pela crise de valores porque passa nossa sociedade. Grande parte dessa responsabilidade tem sua raiz no desvirtuamento da Política, principalmente, no que diz respeito às políticas públicas em todas as esferas de governo, no aporte de recursos financeiros e orçamentários, na priorização de programas governamentais relacionados ao direito, à saúde e à educação. A mídia não cria, não inventa, não abduz, simplesmente, traduz, reflete, divulga desejos e práticas, antes, adotadas e circulantes no espaço da cultura. Desse modo, a crise moral e cívica que se instala na sociedade contemporânea vem, sobretudo, dela própria. De fato, uma imprensa, realmente, livre auxiliaria muito à formação de um povo conduzido ao processo permanente de educação. A imprensa responsável por sua função social poderia, sim, ajudar a promover nova revolução; a revolução da consciência crítica, do juízo de valor, do discernimento e do critério sobre o que deve, ou não, vigorar como princípio ético. Não havendo essa reflexão, o colonialismo, o consumismo e o escravismo continuarão marcando com ferro e fogo nossa pele, refletidos nas estéticas, mas, nem sempre éticas, peças publicitárias que, ao nos propagandear, retratam, sem dó nem piedade, nossa coisificação, divulgados e vulgarizados, tal como somos, por uma imprensa que não quer (talvez nem possa mais) assumir de fato o seu papel social de atender a carência de informação e um direito de expressão, essencialmente humano.


Maria Ângela Coelho Mirault – Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
mariaangela.mirault@gmail.com
Publicado na http://www.webartigos.com/articles/63714/1/A-IMPRENSA-E-A-CRISE-DE-VALORES/pagina1.html, em 14.04.2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

NOTÍCIAS DO LADO DE LÁ

“É tudo mentira; a comunicação com os mortos nâm-ecxistem”, afirmaria o mitológico, ontológico e parapsicólogo padre Quevedo, caso fosse pela milionésima vez questionado sobre a questão. Contudo, se expande, no mundo, a crença na possibilidade de que seja possível, por intermédio de uma mediação, obter-se notícias sobre aqueles que já seguiram viagem para outras paragens que não a nossa dura realidade regida pelas leis da física.
A constatação da intercomunicabilidade entre as dimensões distintas da existência humana tem sido profusamente difundida no mundo atual, pela literatura, seriados de tevê e produções cinematográficas. Esse evento, porém, ainda tido no campo da ficção e da paranormalidade, tem seus registros desde o atavismo de nossos ancestrais, perpassa a mitologia grega; os livros sagrados do Oriente; o Velho e o Novo Testamento, e, contemporaneamente, é exaustivamente estudado e apresentado na codificação kardequeana.
O filme “Chico Xavier” assistido por 3,5 milhões de pessoas e “Nosso Lar” por 4 milhões de expectadores comprovam que a temática não só se dirige aos que estudam e praticam o espiritismo, como ultrapassa as mais diversas correntes dogmáticas do pensamento filosófico-religioso, despertando, cada dia mais, o interesse de multidões de expectadores.
O filme “As mães de Chico Xavier”, lançado no último dia 1o. de abril do corrente ano (2011), foi roteirizado a partir das 256 páginas do livro “Por trás do véu de Ísis” (Editora Planeta), de autoria do jornalista Marcel Souto Maior. O filme retira dessa obra jornalística três testemunhos que aborda a ultrapassagem do momento de ruptura trazido pela morte. Registra relatos mediados por Chico Xavier (1910 - 2002), atestados pelas figuras maternas enfocadas, com relação às mensagens recebidas de seus filhos mortos, desvendando uma realidade metafísica além do nosso parco entendimento.
É inegável o dom da mediunidade que distinguiu Chico Xavier como intermediário de milhares de comunicados de outra dimensão da vida, aliviando dores, explicando o inexplicável, consolando, esclarecendo e aproximando amores apartados. Sua “paranormalidade” foi exaustivamente estudada, sempre com o objetivo de desmascara-lo, exauri-lo, descredencia-lo, mas, isso nunca foi possível. Há estatísticas que contabilizam 50 milhões de exemplares vendidos de suas 451 obras psicografadas, desde 1932 - só Nosso Lar (editado pela Fedederação Espírita Brasileira) alcançou 1 milhão e oitocentos exemplares. Tendo sua obra traduzida nos mais diversos idiomas, Chico Xavier jamais usufruiu os dividendos provenientes do direito autoral; viveu com simplicidade e sacrifício seu apostolado. Trabalhador na seara de César, ali obtinha sua sustentação, dedicando-se em extenuantes serões noturno ao labor dessa interlocução, incansavelmente.
Contudo, não era, Chico, nem santo, ou paranormal. Dotado de grande sensibilidade sensitiva, cujos valores morais-cristãos capacitavam-lhe a ultrapassar as fronteiras do invisível, trouxe, não apenas, com as notícias do lado de lá, o alento aos corações enlutados. Trouxe, também, para a normalidade o que se considera, ainda hoje, como anormalidade; para o natural o que se entende, ainda, por sobrenatural, demonstrando na prática o que, antes, o cético professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), sob o pseudônimo de Allan Kardec, já o fizera, em 1857, desde o lançamento, em Paris, de “O livro dos espíritos”, primeiro de suas cinco obras a respeito do tema. Com espírito lúcido, debruçara-se, ele, na questão da intercomunicabilidade entre as duas dimensões, concluindo que ambas, porém, eram regidas pelas mesmas leis naturais da vida, trazendo, já naquela época, a hipótese da preexistência e sobrevivência da alma a que chamou espírito, fundamentando os princípios da doutrina espírita. Somos todos, segundo suas constatações e as, posteriores, milhares de notícias trazidas do lado de lá, querendo ou não, crendo ou não, seres imortais, vindos de um mundo transcendental para o qual retornaremos.
Os relatos apresentados no filme “As mães de Chico” parecem assegurar que a intercomunicação com os mortos “ecxistem”, sim. Não se tratam de testemunhos levianos, fantasiosos, dilações provenientes da perturbação de mentes vulneráveis e crentes. Quem de nós ousaria, de sã consciência, desacreditar do testemunho de um coração de mãe? Mas, para que os incrédulos comprovem, de fato, tal fenômeno, basta que aguardem um pouco mais a inexorável hora da partida, e, de lá, quem sabe, tentem encontrar um medianeiro que lhes sirvam de interlocutor. Por enquanto, em conformidade com o pensamento de William Sheakespeare, em Hamlet, acreditemos: “há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”.



Maria Ângela Coelho Mirault é doutora e mestre em comunicação e semiótica pela PUC/SP
http:mamirault.blogspot.com/ mariaangela.mirault@gmail.com

Publicação na webartigos, em 01.04.2011-http://www.webartigos.com/articles/62627/1/NOTICIAS-DO-LADO-DE-LA/pagina1.html