sábado, 18 de dezembro de 2010

O NATAL E O ANIVERSARIANTE

Lá vem o Natal outra vez com suas luzinhas coriscantes; papais-noéis empobrecidos e assustadores; corre-corre, lufa-lufa. É tempo das abomináveis festinhas de amigo-oculto; dos cartões - todos os cartões, principalmente os de crédito, e os dos políticos; de proliferação de mensagens de todo tipo e de comerciais abusivos; de fazer muitas dívidas; de promessas; de estresse, ansiedade e depressão; de neve de isopor, árvores de plástico, barbas de algodão; de presentes inúteis, inoportunos e indesejáveis; de ceias indigestas e onerosas, mesas fartas e mesas parcas; de roupas novas e vestes rotas; de sorrisos embriagados e lágrimas causticantes de tristezas sem fim.
Lá vem o Natal outra vez, avassalador dos nossos vinténs; bisturi das nossas dores, torniquete das nossas saudades e do escancaramento dos nossos corações dilacerados por perdas irreparáveis e exponencializadas, nesses tempos.
Feliz Natal! Catalépticos, desejamos aos afetos e aos desafetos, aos conhecidos e desconhecidos. Pedidos, doações, esmolas; somos todos natalinamente bonzinhos e fraternos, neste tempo marcado também pela perplexidade, antagonismo e paradoxo.
A noite de Natal é uma rememoração simbólica e ritualística do nascimento de um menino que, toscamente, teima em aparecer aqui e ali, desprovido de todo e qualquer conforto material. Um recém-nascido desnudo na palha da manjedoura, aquecido pelo aconchego dos seus pais e a proximidade dos animais; à luz das estrelas ancoradas pela de Belém. O menino na manjedoura é simplicidade, confiança, determinação. Já é prenúncio de um novo tempo. Para enfrentar esse mundo precisou apenas de Maria e de José, que, com suas providências e vigílias, lhe abrigaram do relento em uma improvisada cabana.
Não precisamos ser muito espertos para imaginar que o nosso jeito de comemorar o aniversário do menino não lhe são do agrado. Apesar dos milênios transcorridos, continuamos optando por César, Pilatos e Barrabás, também em nossas noites de Natal.
Terão sido os reis magos - incenso e mirra - os responsáveis pelo costume que mantemos de ofertar presentes? Que diacho veio fazer papai-noel nessa história? Por que é que a gente gasta tanto, ostenta tanto e come tanto nas comemorações desse singelo nascimento arranjado à beira de um caminho?
Por que não nos imbuirmos do simbolismo do presépio, agora, 2010 anos depois? Por que não promovemos um Natal que lhe seja digno: de verdadeiro congraçamento, festividade e alegria sincera pela comemoração? Um Natal dedicado ao menino e ao singelo casal? Um Natal sem grandes matanças para nossa fartura; um Natal em que os abraços expressem verdadeira amizade, amor, simpatia; um Natal onde os votos indiciem verdade e cada presente signifique de fato a lembrança do nosso afeto?
Podemos fazer deste um Natal de sinceras comemorações. Este pode ser um tempo de reajustes de condutas; de pedidos e ofertas de perdão. Perdão pelos feitos e não-feitos; pelos ditos, os mal-ditos e os não-ditos. Tempo de refazimento na caminhada, tempo de limpeza de barra: conosco (ah! não nos esqueçamos de nós), com o próximo mais próximo e os não tão próximos. Pode ser um Natal de reconciliação com os que ainda compartilham conosco a caminhada como a recomendação milenar nos convoca. E enquanto estamos a caminho, agora, lembremos do aniversariante, revivamos a verdade da sua mensagem na manjedoura.
Que neste ano nossa festa não acorde o menino, não o assuste nem o faça chorar. Façamos silêncio e reverenciemos a sua vinda. Quem sabe esse menino não mudará a história da humanidade ainda em sua juventude? Quem sabe não será ele o messias profetizado a nos trazer a mensagem do Reino e nos exemplificar, sem que tenha dito ainda uma única palavra, que os verdadeiros bens não são desse mundo. Os verdadeiros bens e que são do seu Reino estão muito além a nos esperar.
Voltemos nossa atenção ao presépio, ao menino e ao que nos veio anunciar, porque a hora é de comemorarmos o seu aniversário. Esforcemo-nos, então, para que, neste Natal, juntos àqueles a quem amamos, seja ele, o menino, o único homenageado. Feliz Natal


Maria Ângela Coelho Mirault
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