quarta-feira, 17 de junho de 2009

CAIU TARDIAMENTE UM ANACRONISMO IMPERIOSO E RESISTENTE

Finalmente, caiu. A exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalismo, anacronicamente, sobreviveu no Brasil à custa de um arcaico conceito de reserva de mercado que já não cabe mais em um mundo absurdamente dinâmico. Não bastasse o argumento constitucional, as novas tecnologias – cada vez mais novas, disponíveis e surpreendentes – já não nos permitiam mais essa excludência. Qualquer pessoa pode hoje constituir-se mídia e mensagem de informações, editando a notícia que melhor lhe aprouver difundir, seja por que recurso, ou suporte for. Basta uma viagem pela web, para que se dimensione essa via incontrolável, infinita de apelos e possibilidades para ser trilhada e compartilhada pelos incontáveis blogs e sites que nos acessam em casa, no trabalho, na lan house.
Há séculos (?) o bacharelado em Comunicação Social perdeu o sentido, se é que alguma vez o teve. Com uma matriz curricular multidiversificada, apropriada (?) as décadas de setenta e oitenta, há muito tempo não dá conta de sua premissa e de sua promessa de preparar, de graduar, com eficácia, os diferentes profissionais da área da comunicação (ou, do jornalismo, para os mais radicais).
É bom que se lembre que o curso de jornalismo nunca existiu. O que foi imposto pela resolução 02/84, do Conselho Federal de Educação foi o estraçalhamento da área em subespecialidades, que, ainda, continuam existindo nas habilitações do curso de bacharelado em comunicação social, dentre as quais, a habilitação em jornalismo. A charmosa área da publicidade, por exemplo, nunca preservou, ou pleiteou, reserva de mercado, e, no entanto é uma das habilitações mais procuradas e concorridas nos vestibulares de todo o Brasil. A habilitação em relações públicas, apesar da existência dos seus Conselhos Federal e Regionais, há muito tem tido que compartilhar seu campo de atuação com os mais diferentes tipos de profissionais, no exercício de atividades afins. A habilitação em radialismo trás na própria designação seu anacronismo e seu pedaço se vê invadido, sistematicamente, pelas mais medíocres produções e pelos mais criativos oportunistas da hora, em todos os recantos desse país.
Embora tenha me graduado em comunicação social, com habilitação em relações públicas, há décadas, nunca fui favorável a reserva de mercado na área. Muito do que aprendi na carreira, foi decorrência de uma práxi cotidiana, imposta pela própria dinamicidade da área. Na verdade, o bom profissional deverá manter-se, sempre, didaticamente atualizado, principalmente, em uma coisa que o acadêmico do ensino superior costuma ter ojeriza e que é o mergulho permanente e profícuo nos modelos teóricos, da área e de outras, que vêem contribuindo, em abundância, para o enriquecimento da compreensão do imponderável fenômeno da comunicação, que há muito deixou de ser apenas social.
Sempre advoguei a tese de que os cursos da área profissional de comunicação deveriam constituir-se área de strito e lato senso, da pós-graduação. Quem melhor poderia traduzir conceitos e discorrer, apropriadamente, sobre economia, geografia, demografia, saúde, ecologia, do que aqueles que tiveram sua graduação nessas áreas? Isto porque, expressar-se bem, seja pela escrita, seja pelo tambor, deveria ser considerado pré-requisito de todas as áreas do ensino superior e um dever de todo profissional. Mas, vai dizer isso pra eles e falar que engenheiro, médico, farmacêutico tem que saber expressar-se, e bem, na língua mãe...
Agora, uma coisa precisa ser dita, o fim da exigência do diploma não quer dizer que os cursos de comunicação estarão fechados amanhã, muito pelo contrário. Amanhã, os cursos de comunicação deveriam estar autoavaliando-se, buscando alternativas para superarem-se de suas mesmices, olhando pra fora, olhando para além dos seus umbigos. Amanhã, deveriam estar revendo seus anacrônicos conceitos, suas ultrapassadas teses, suas arcaicas ideologias. Amanhã, deveriam estar correndo em busca do tempo perdido. Amanhã, deveriam estar enterrando os “apocalípticos e integrados” que espraiaram, por décadas, suas concepções.
A partir de amanhã, novas bibliografias, novos compartilhamentos, novas verdades deverão ser conquistadas e trilhadas, porque, agora, será a competência e não o canudo quem fará a diferença.
Lembrando-me do Darwin mal interpretado: não são os fortes que sobrevivem. Quem sobrevive no mundo de hoje são os que melhor se adaptam (ou se adaptam porque são fortes?).
O mundo mudou, a demanda mudou, não dá mais pra se ir pra frente com os olhos no retrovisor da 02/84. A exigência do diploma de jornalismo é coisa do passado, nada mais. Nada de catastrofismo: esse foi o fato e a história que o Supremo escreveu. Evoluamos, então.

MARIA ÂNGELA COELHO MIRAULT PINTO- Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo. Foi a primeira coordenadora do primeiro curso de comunicação social, com habilitação em publicidade e propaganda e relações públicas, do Estado de MS.

O artigo foi publicado dia 22 de junho de 2009, no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS