segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Quem está comendo mosca?



            Não sei se você sabe. A Portaria n°1.100/2006 que regulamenta o exercício da Classificação Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema (...)  e congêneres, de autoria do já falecido ministro Tomaz Bastos, traz embutido, em seu Artigo 18 e 19, que, a “informação detalhada sobre o conteúdo da diversão pública e sua respectiva faixa etária é meramente indicativa aos pais e responsáveis (sic) que, no regular exercício de sua responsabilidade (sic), podem decidir sobre o acesso de seus filhos, tutelados ou curatelados a obras ou espetáculos cuja classificação indicativa seja superior a sua faixa etária” (sic). Tal Portaria (um ato administrativo, ordinatório, com o intuito de disciplinar o funcionamento da Administração Pública e a conduta dos seus agentes), do falecido ministro, outorga ao discernimento dos responsáveis tais autorizações, como se o país não fosse o maior produtor de violência, ao vivo e em cores, emancipando todo tipo de pessoa a submeter seus tutelados a vitimização psicológica, mental e social, por serem por elas seus responsáveis.
            Enquanto isso, a Constituição Federal (1988) - fonte primeira de onde devem pautar-se e beber todas as demais leis, normas, decretos, portarias - é a maior prescritora dos conjuntos de normas de um país, situada no topo de todo ordenamento jurídico, determina as atribuições e limites das (todas) instituições, (todos) os direitos dos cidadãos e o imperioso, descurável dever do Estado. Em seu artigo 227, determina, ao prescrever como "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre os direitos, nela descritos, o direito “à DIGNIDADE, ao RESPEITO (...)" “além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
            O que nos diz o Artigo 18, da LEI 8.069/90 (ECA), com relação aos direitos-fins à “liberdade, ao respeito e a dignidade”, segundo o cientista político Deodato Rivera? “(...) liberdade-respeito-dignidade é o cerne da doutrina da proteção integral, espírito e meta do Estatuto, e nesses três elementos cabe à dignidade a primazia, por ser o coroamento da construção ética estatutária” (sic). Em assim sendo, o Artigo Art. 17 (ECA) determina “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”, afirmando ser o “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”(art.18).
            O que vale mais neste país, uma Portaria, impondo normas e condutas ao público em geral, a quem não está ligado por nenhum vínculo de subordinação, ou, a Carta Magna, fonte de todas as fontes, e a Lei 8069/90, que instituiu o Estatuto da Infância e do Adolescente?
            Quem está comendo mosca, ao permitirem que crianças menores do que a Classificação dos espetáculos determina e que estão “autorizadas” pela referida Portaria à submissão ao “tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (CF/88), violando a “integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças”(ECA)?
            Em sessão de cinema, domingo, no Cinemark, em um filme com classificação de 16 anos, duas crianças aterrorizadas - uma de quatro e outra de 11 - estavam “autorizadas, por estarem acompanhadas pelo pai”, a assistirem todo o altíssimo teor de violência que o filme apresenta desde a primeira cena do assassinato de uma família à mesa do jantar, pelo aval da Portaria do Sr. Tomaz Bastos.
            Onde estão os direitos do cidadão que é instigado, pela Lei 8.069 (ECA) a agir em conformidade com o “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”? Onde está o meu direito constitucional de não compartilhar do mesmo ambiente em que crianças estão sendo submetidas a verdadeiros episódios de tortura psicológica, física e mental? Com a palavra o Ministério Publico Estadual, a Promotoria da Infância e da Juventude; a Defensoria Pública;  a Rede de Proteção à Infância, se é que existe? Enfim, por que se calam?

Maria Angela Coelho – Professora doutora e mestre, em Comunicação e Semiótica, pela PUC de São Paulo. https:mamirault.blogspot.com
22 de agosto de 2018.
https://www.correiodoestado.com.br/opiniao/maria-angela-mirault-quem-esta-comendo-mosca/334763/


domingo, 5 de agosto de 2018

O efeito Bolso-Míriam




            A animosidade permeou as entrevistas no “padrão” da maior rede de televisão concessionada do Brasil. Todos os candidatos foram desfolhados em suas egocentricidades e suas idiossincrasias. Tudo em nome da falácia da pseudo-neutralidade-jornalística; que, é bom que se declare, em alto e bom som, não existe.  Boa parte da pauta foi usada, não para o esclarecimento de possíveis propostas para a governança do caos vivido por nós, mortais brasileiros.  Só para exemplificar, na área da segurança, estamos em guerra deflagrada, mas, não declarada, com o narcotráfico, sitiando e matando civis e policiais, sob o comando de chefes de facções e narcotraficantes, nas capitais brasileiras. sem adentrar as demais áreas estruturais, como saúde, economia e educação. São esses os desafios do país, que o ungido pelo voto receberá no dia primeiro de janeiro de 2019.
            Assistimos embates grotescos entre entrevistados e uma quantidade excessiva do primeiro e segundo time de jornalistas da emissora. De certo, que todos almejam alçar a gestão desse governo desgovernado. Todos declaram saber o lugar em que a fera ruge. “Tirar todos os 63 milhões do SPC” foi uma boa sacada, e, se tudo dependesse apenas disso, a eleição já estaria decidida. Mas, não é bem assim que a música toca.
            O que mais ficou evidente é que o formato da programação foi uma lástima. Um time de copa-do-mundo tensionando, todo o tempo, inamistosamente, os cinco; mais como bandidos, do que como convidados. Alguns se mantiveram na boa-educação, mas, mesmo assim, foram constrangidos a formular a frase “eu também sou corrupto, eu, se não participo, sei das maracutaias do meu partido, sou quase um inelegível”.
            Uma das entrevistas, porém, fixou a marca do evento jornalístico. Sob o comando da premiada escritora-âncora-jornalista, apresentou cenas patéticas de deboche e constragimento. O último acuado terminou sua pífia participação com deboche e gargalhadas, enquanto todos os perguntadores silenciados, mantinham a postura de seriedade, conforme o “manual” prescreve. Contudo, mais surpreendente do que já havia acontecido, foi o “editorial”- a voz da empresa - ditado, monossilabicamente, ao ouvido da apresentadora,  e,  por ela, roboticamente, repetido que marcou o inusitado da situação. O texto saiu-se como um cheque-mate; calou as gracinhas e gargalhadas do incontido candidato, mas, por sua vez, tal fato virou meme; repercutindo, negativamente, pela internet. Na estratégia de desmentir o candidato, a emissora tentou justificar o injustificável, e, apelou, sem permitir a réplica do candidato, aquietado e silenciado.
            Pelo visto, durante esse perigoso período, teremos de tudo, desde um partido insistindo em melar o pleito, com um candidato inelegível, quanto pela qualidade inerentes aos próprios candidatos e seus vices (não nos esqueçamos de que estaremos elegendo os vices, para serem vices!), coligações e promessas absurdas. Contudo, vale a pena ressaltar que devemos prestar atenção na performance jornalística, seja na tevê aberta, ou, tevê paga. E, mais, na repercussão  do tête-à-tête  das redes sociais. Um espetáculo, em um curto espaço de tempo até o Natal, com resultados imprevisíveis para os próximos anos. Que o povo saiba ler nas entrelinhas, e, realmente, escolher dentre o que está no varejo, porque, apesar da gente nem imaginar, essa eleição pode piorar a conjuntura atual, pra lá de péssima.  Gargalhadas, piadas, tiradas rasteiras, certamente, não podem governar um país. Autoritarismo e “sabedência”, também, não.
            Que os letrados intelectuais (?!) da imprensa, seus produtores e pauteiros saibam realmente com que tipo de gente estão lidando: seja de nossa parte, do lado de cá, seja do lado de lá da fronteira, desse big-brother eleitoral, no qual um dos candidatos, pífios, ou, não, queiramos, ou, não, receberá a faixa presidencial.

Maria Angela Mirault – doutora e mestre em comunicação e semiótica pela PUC de São Paulo.
https:mamiraut.blogspot.com

5/08/18