Embora alguns ainda
creiam possíveis alterações do cenário, os campos estão delimitados, demarcados,
intransponíveis e deflagrados. Vai haver embate e Plebiscito, sim. Há um ruído
retumbante para o estabelecimento de qualquer entendimento entre os combatentes:
quem é quem já o é e ponto final. Tudo agora é possível diante da escolha de
Sofia. Somos todos, sob o mesmo “pavilhão de justiça e do amor”, o mesmo “pendão
da esperança”, nós e eles.
À luz de teóricos e
teorias respeitáveis, concebi a tese de que a Cultura é um ruído considerável (de
qualquer possibilidade) para o estabelecimento da comunicação. Esta, sim, um
fenômeno imponderável e submisso a um sistema de códigos, premissas e verdades intrafronteiras
semióticas - lugar onde se dá a captação, a interpretação e a compreensão de um
mesmo fenômeno. É assim que todo
processo de estabelecimento da comunicação se dá em um ambiente circunscrito a
um contexto habitado pelas concepções culturais peculiares que, nós,
estudiosos, denominamos semiosfera. É
por isso que ninguém entende ninguém; cada lado da trincheira detém um peculiar
patrimônio cultural que lhe confere certo padrão de organização “do mundo” e lhe
confere a singularidade do seu ambiente ecologicamente semiótico, único em sua
complexidade, e, pelo qual - é só pelo qual – é capaz de enxergar, captar,
interpretar e expressar o outro, a vida e o que lhe aparenta ser, pois é esse
contexto semiótico - e espaço de lealdade que lhe abriga - que o mantém na
singularidade de pertencente a uma ordem e reconhecimento social, mesmo que
anticivilizatório.
Agimos com o modo como codificamos
e decodificamos o mundo. Cada “lado” do embate que se confronta é composta e
alimentada por miríades de microculturas individuais, que, somadas, dão o
contorno final daquele campo maior; todas as concepções individuais forjadas ao
longo da vida fornecerão os ingredientes do fechamento das convicções;
absolutamente inatingíveis e abertas à outra forma de concepção de mundo.
Dado ser a Cultura a
memória não hereditária, significada, armazenada e transmitida por um grupo aos
seus iguais, é, também o lugar propício à ressignificação de códigos de linguagens
do outro, do desigual, do diferente, desde que em prol de um mínimo de entendimento
e compartilhamento de ideias e ideais. Existe,
sim, uma região de fronteiras intersemióticas, bilíngues de culturas distintas
que necessitam intercomunicar-se e relacionar-se dialogicamente. Existe, sim, um
lugar que permite tanto a internalidade quanto a externalidade de “verdades”. Nessa
região limítrofe e porosa de fronteira-cultural, a troca de informações entre
sistemas aparentemente incomunicáveis, é possível, porque, viver é justamente ser
capaz de ressignificar e confrontar códigos de lealdade; superar esses códigos
de forma majorante; abandonar premissas; aceitar e adquirir novos contextos de compreensão
do mundo e da vida; agregar; compreender; se preciso, mudar de opinião; de
rumo; de cara; de identidade. Irmos ao encontro do outro, do divergente, do
aparente inexpugnável é objetivo da própria vida.
O fechamento espiritual-cultural
a que nos submetemos evidencia-se porque ainda carecemos de figuras mitológicas
que nos justifiquem o que somos e aos nossos atos. Mas, urgente é, nesses
tempos trevosos, que, àqueles a quem foi dado enxergar - nesse espaço de fronteira
intersemiótico - continue a ver; a analisar e a acreditar na construção de um
novo paradigma ético-político-social que nos permita a imprescindível
interlocução entre os entrincheirados de agora. Nem nós nem eles: todos estamos
conflagrados aos resultados nesse plebiscito imposto pela Torre de Babel
Cultural a que nos colocamos. Quem viver, e enxergar, verá. Que o Espírito
Democrático do Tempo prevaleça dentre e entre nós, em Terra de “Santa” Cruz.
Maria Angela Coelho
Mirault
Professora Doutora em
Comunicação e Semiótica pela PUC de SP
Campo Grande, MS,
3.08.2022