terça-feira, 23 de agosto de 2022

Torre de Babel


 


Embora alguns ainda creiam possíveis alterações do cenário, os campos estão delimitados, demarcados, intransponíveis e deflagrados. Vai haver embate e Plebiscito, sim. Há um ruído retumbante para o estabelecimento de qualquer entendimento entre os combatentes: quem é quem já o é e ponto final. Tudo agora é possível diante da escolha de Sofia. Somos todos, sob o mesmo “pavilhão de justiça e do amor”, o mesmo “pendão da esperança”, nós e eles.

À luz de teóricos e teorias respeitáveis, concebi a tese de que a Cultura é um ruído considerável (de qualquer possibilidade) para o estabelecimento da comunicação. Esta, sim, um fenômeno imponderável e submisso a um sistema de códigos, premissas e verdades intrafronteiras semióticas - lugar onde se dá a captação, a interpretação e a compreensão de um mesmo fenômeno. É assim que todo processo de estabelecimento da comunicação se dá em um ambiente circunscrito a um contexto habitado pelas concepções culturais peculiares que, nós, estudiosos, denominamos semiosfera.  É por isso que ninguém entende ninguém; cada lado da trincheira detém um peculiar patrimônio cultural que lhe confere certo padrão de organização “do mundo” e lhe confere a singularidade do seu ambiente ecologicamente semiótico, único em sua complexidade, e, pelo qual - é só pelo qual – é capaz de enxergar, captar, interpretar e expressar o outro, a vida e o que lhe aparenta ser, pois é esse contexto semiótico - e espaço de lealdade que lhe abriga - que o mantém na singularidade de pertencente a uma ordem e reconhecimento social, mesmo que anticivilizatório.

Agimos com o modo como codificamos e decodificamos o mundo. Cada “lado” do embate que se confronta é composta e alimentada por miríades de microculturas individuais, que, somadas, dão o contorno final daquele campo maior; todas as concepções individuais forjadas ao longo da vida fornecerão os ingredientes do fechamento das convicções; absolutamente inatingíveis e abertas à outra forma de concepção de mundo.

Dado ser a Cultura a memória não hereditária, significada, armazenada e transmitida por um grupo aos seus iguais, é, também o lugar propício à ressignificação de códigos de linguagens do outro, do desigual, do diferente, desde que em prol de um mínimo de entendimento e compartilhamento de ideias e ideais.  Existe, sim, uma região de fronteiras intersemióticas, bilíngues de culturas distintas que necessitam intercomunicar-se e relacionar-se dialogicamente. Existe, sim, um lugar que permite tanto a internalidade quanto a externalidade de “verdades”. Nessa região limítrofe e porosa de fronteira-cultural, a troca de informações entre sistemas aparentemente incomunicáveis, é possível, porque, viver é justamente ser capaz de ressignificar e confrontar códigos de lealdade; superar esses códigos de forma majorante; abandonar premissas; aceitar e adquirir novos contextos de compreensão do mundo e da vida; agregar; compreender; se preciso, mudar de opinião; de rumo; de cara; de identidade. Irmos ao encontro do outro, do divergente, do aparente inexpugnável é objetivo da própria vida.

O fechamento espiritual-cultural a que nos submetemos evidencia-se porque ainda carecemos de figuras mitológicas que nos justifiquem o que somos e aos nossos atos. Mas, urgente é, nesses tempos trevosos, que, àqueles a quem foi dado enxergar - nesse espaço de fronteira intersemiótico - continue a ver; a analisar e a acreditar na construção de um novo paradigma ético-político-social que nos permita a imprescindível interlocução entre os entrincheirados de agora. Nem nós nem eles: todos estamos conflagrados aos resultados nesse plebiscito imposto pela Torre de Babel Cultural a que nos colocamos. Quem viver, e enxergar, verá. Que o Espírito Democrático do Tempo prevaleça dentre e entre nós, em Terra de “Santa” Cruz.

 

Maria Angela Coelho Mirault

Professora Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de  SP

Campo Grande, MS, 3.08.2022

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