segunda-feira, 1 de março de 2010

CUIDADO COM A MARKETAGEM *

KIT BATON, NÃO
Dia desses, recebi, via email, uma convocação. Tratava-se da realização de um encontro para arrecadação de itens para a confecção de kits de maquiagem e produtos de beleza com a finalidade de serem distribuídos às mulheres em bairros da Capital. O objetivo informado no texto era o “de acrescentar um elemento novo no processo de discussão sobre o papel da mulher na sociedade, presenteando-a com produtos que elevam a autoestima e fortalecem laços de inclusão social” (sic).
Levei um susto. A mensagem não era compatível com a signatária, mas, levava sua assinatura, dando-lhe credibilidade.
Aí, fiquei imaginando como é que aquela pessoa pode embarcar nessa furada e - pelo teor da mensagem - acreditar ser possível “acrescentar um elemento novo no processo de discussão sobre o papel da mulher na sociedade” presenteando-a com um kit de beleza, a título de comemorar a data?
Aí, comecei a matutar nas possíveis razões que pudessem justificar tal endosso Cheguei de cara a uma constatação: a idéia não fora dela. Mas, como é que aprovou o projeto do kit-batom? Quem a teria convencido de tamanha bobagem?
Aí, pensei no que teremos pela frente, nessa campanha eleitoral. E me estarreci. Se gente qualificada embarca nessa marketagem, o que esperar dos desqualificados (e dos descarados) que se candidatarão e até se elegerão? O que serão capazes de marketear?
Aí, não pude deixar de lembrar que a grande questão sempre esteve e sempre estará nas – algumas vezes - inqualificáveis mãos das assessorias. Daquelas pessoas que dão a idéia, mas não se responsabilizam por ela; não as assinam. Se costumeiramente há sempre muita gente sabida nessa área (relações públicas, marketing, publicidade etc), neste tempo pré-eleitoral elas surgem do nada e vicejam como em nenhuma outra atividade profissional. E, claro, com suas idéias mirabolantes trazendo o tal do “elemento novo”. E o incauto (?!) político, ou candidato político, até de boa fé, é vitimizado sem dor, crendo que eles, os sabidos, sabem o que estão fazendo. Ledo engano, senhores! Eles não sabem, e, depois, não serão eles quem estará na boca do povo, na cabeça do eleitor, na mira do adversário e, principalmente, não é o deles que vai estar na reta....
Aí, pensei no cuidado triplicado que um político deverá ter com a sua esperta-competente-criativa assessoria! Se não o tiver, vai pagar cada mico, sem defesa, sem justificativa, sem piedade. Vai virar piada a boca-pequena e na mídia, sem apelação. Isso porque o puxasaquismo é uma doença endêmica em nosso país e ninguém contradiz, ou se posiciona pelo político, avaliando e inferindo até os possíveis danos a sua imagem, resultante de tanta criatividade e inovação.
De modo geral, um político, uma autoridade, um grande empresário não conta, em sua equipe, com um único indivíduo que lhe tenha acesso e lhe seja capaz de dizer aquilo que, normalmente, não quer ouvir. Mas, isso é necessário. Talvez, seja muito mais produtivo e eficiente contratar um assessor ranzinza, do contra, para atuar como advogado do diabo a lhe dizer muito mais o que NÃO deve, ou não convêm fazer, do que toda uma criativa equipe que viva inventando fatos sem análise das consequências. Uma espécie de alterego sincero e racional e menos megalômano e que, de fato, cuide de sua imagem pública que vai muito além de um mero produto de consumo.
Aí, pensei: mas fazer o que com eleitores que pagam com seu parco dinheirinho (a preço de batom, pelo seu celular pré-pago) a ligação telefônica para eleger um big-brother que ganhará um milhão e meio só por ter sido um herói do Bial?
Aí, pensei: esperar o que desses profissionais sem o devido senso crítico, assalariados (muito bem) justamente para serem criativos? Vai ver a mulherada até vai gostar do kit-batom e eu aqui, posicionando-me como um profissional ranzinza, a me espernear por isso.
Mas, aí, também, pensei: ora bolas! O fato já está consumado, mas, não dá simplesmente para, anestesiada e indiferente, deixar passar essa oportunidade de servir-me dele para expor essa reflexão.
Todos nós sabemos que um batom, um pozinho, um blush, ou coisa semelhante, não vão resgatar a autoestima das mulheres dos bairros. Sabemos que o kit beleza, também, não será capaz de fazer nenhuma inclusão social. Chega a ser absurda a concepção dessa idéia.
A inclusão social só é possível por meio da educação, da valorização da pessoa, do respeito ao cidadão, da libertação do espírito. Pode até ser que eu esteja totalmente enganada e a mulherada da comunidade vá a-d-o-r-ar a oferenda, e, aparentemente, o evento venha a ser um sucesso.
Advogo, sim, pelo bom profissional, aquele que, de fato, sabe o que está propondo. Eles existem e formam-se, pelo menos, nas faculdades de Comunicação Social, na habilitação de Relações Públicas (que, infelizmente, foi extinta em nosso Estado). Dezenas formaram-se por aqui e alguns foram meus alunos, na UCDB. Contudo, no resto do país, esses profissionais continuam preparando-se para isso: administrar o fluxo da comunicação e a adequação da mensagem ao público destinatário, de forma a servir de tradutor, intérprete e condutor da mensagem pública e institucional. E estes não são tão caros assim. Nesse ano eleitoral, que se possa separar bem o joio do trigo. Vai valer a pena.
Enfim, muita calma nessa hora. Cuidado com os sabidos que oferecerão idéias até piores do que esta, pois, de loucos e marketeiros todos temos um pouco. E uma marketagem dessas, faça-me o favor, ninguém merece.

Maria Ângela Coelho Mirault- Relações públicas, Doutora e Mestre em Comunicação
http://mamirault.blogspot.com - mariaangela.mirault@gmail.com

*Publicado no jornal Correio do Estado, em Campo Grande, MS, dia 05.03.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault