segunda-feira, 19 de novembro de 2012

21.12.2012: FINAL DOS TEMPOS

O artigo resulta da reflexão que fizemos a respeito da consulta que nos foi feita sobre o tema. Creríamos nós, os espíritas, no fim do mundo, datado para 21 de dezembro de 2012? Quais as mudanças de comportamento que deveremos tomar? Quais as medidas preparatórias para esse momento? Quais os conselhos para esse momento? Qual a diferença do Espiritismo com relação às outras religiões cristãs sobre esse tema? Primeiramente, é preciso que constatemos que o mundo físico que habitamos não é estável. Vivemos sobre uma Terra em constante movimento – rotação e translação – e ainda, sujeita a imprevisíveis (para nós) abalos sísmicos. Grande parte das áreas habitáveis é resultante de erupções vulcânicas; as placas tectônicas se afastam, ilhas emergem e submergem; onde já foi mar, ora é solo árido. Nossa economia e nosso progresso industrial ainda são dependentes e calcados nos restos de uma catástrofe que atingiu há milhares de anos os seres vivos (os dinossauros) e compuseram nossas reservas petrolíferas. Mudanças e catástrofes se dão do micro ao macrocosmo. Estrelas nascem e morrem, organismos vivos multiplicam-se constante e permanentemente. Terremotos, ciclones, tsunamis transformam o mundo geofísica, social, econômica e politicamente. Em meio às catástrofes, sempre parciais, emerge um novo tempo, um novo homem. Vivemos cotidianamente o final dos tempos, já que nós próprios mudamos células, pensamentos, atitudes, periodicamente. No entanto, onde, aparentemente, o caos predomina, em esferas maiores, nada mais significa do que parte de uma nova Ordem, muito além da concepção humana e que emana de um único Deus-Criador e Gestor de todas as coisas. O mundo cartesiano da certeza, da estabilidade já não nos satisfaz enquanto resposta da dinâmica da vida. A morte, para muitos, considerada o fim, para aqueles que creem em uma vida extrafísica, nada mais é do que um momento de instabilidade para novos rumos, novas verdades. Todo o tempo, vida e morte sucedem-se e desabrocham em mudança, alteração, dinâmica. Para a Doutrina Espírita, vivemos o fim dos tempos, mas, no que se refere aos valores de uma sociedade que se altera pela própria força da evolução. Interlúdio dos tempos de uma população que, recalcitrante do equívoco, filho da ignorância, deixando-se demorar no erro, parte e outra que chega prenhe de conhecimentos, dotada de caráter mais elevado e sintonizado com a demanda de progresso que o próprio planeta atravessa. Para a Doutrina Espírita, esse novo tempo significa a passagem significativa em que o planeta Terra deixa de ser um lugar de expiação e de provas, portanto, um lugar de sofrimento e com extrema predominância do mal, para tornar-se, paulatinamente, um lugar de regeneração, para onde estarão reencarnando espíritos mais propensos ao bem, à cooperação, ao amor, à resiliência. As mudanças de comportamento já são visíveis, nas estruturas sociais que se modificam para melhor, nas atitudes individuais que, pelo exemplo, vão moldando a coletividade, nas mudanças das leis, nas novas descobertas, na medicina, na ciência, de modo geral. Mais do que nunca é preciso que cada um tome a sua charrua e trabalhe para o seu adiantamento e o progresso coletivo. Mais do que nunca é preciso que cada um avalie sua jornada, reajuste sua bússola e continue a caminhar, porque essa caminhada da alma imortal - e que não se iniciou ontem, mais se reporta há tempos imemoriais - continuará irremediavelmente adiante rumo à eternidade. Desse modo, a orientação (e não conselho) é para que continuemos sendo tal como somos, alertas pelos vestígios do passado em nosso presente, com olhos e intenções no futuro, na busca irrefreável da Ética e da Estética (do Bom, do Bem e do Belo), seguindo as pegadas deixadas pelo Mestre Jesus que já veio anunciar o Reino de Deus; prenunciar que nenhuma de suas ovelhas se perderá; que somos luz e para a luz caminhamos, dentre tantos ensinamentos e orientações evangélicas, na qual devemos nortear nossas vidas. É mais do que nunca preciso que sejamos boas pessoas, cidadãos conscientes, almas fervorosas e crentes em um Deus soberanamente justo, que não tergiversa, não compactua e com o qual não podemos barganhar nossa ainda pequenez espiritual. A diferença do Espiritismo com relação às outras religiões cristãs, é que o Espiritismo assegura a veracidade da vida única e imortal sob a comprovação da imortalidade, tese a que chegou o professor Hipollite Leon Denizard Rivail, após a verificação sistemática e científica, por intermédio do método experimental, em que recebeu, por intermédio de pessoas dotadas de aptidão mediúnica, revelações dos até então considerados mortos. Sim, sob o pseudônimo de Allan Kardec, o renomado professor francês, publicou sua primeira das cinco que publicaria sobre o assunto, em Paris, em 18 de abril de 1857, O Livro dos Espíritos. Resultado de sua pesquisa, o livro aborda de maneira codificada os temas com relação à vida e ao entrelaçamento dos espíritos encarnados e desencarnados. Assim, segundo ele e a revelação dos mensageiros espirituais que lhe secundaram a descoberta, seríamos espíritos imortais que experimentamos a vida física periodicamente, de forma a nos aperfeiçoarmos e intervir no aprimoramento da sociedade a que pertençamos nessa e noutras encarnações. Mas, note-se, não possuímos várias vidas, mas, sim uma única vida que percorre ciclicamente a esteira da existência, ora habitando o mundo físico e sujeitos ás leis da física, ora habitando o verdadeiro mundo imponderável da espiritualidade, lugar ao qual pertencemos de fato e para onde sempre retornamos. As demais religiões (cristãs e mesmo não cristãs) espiritualistas creem na sobrevivência da alma de maneira dogmática, algumas, crendo que só se vive uma única vez e consideram a morte como a entrada para um mundo de punição ou absolvição – céu/inferno - outras, crendo no sono eterno a espera da “separação” dos bons e dos maus – eleitos e não eleitos por um deus parcimonioso; outras (não cristãs) na reencarnação sucessiva para o alcance da plenitude, mas, de uma plenitude que aniquilaria a individualidade. Sob essa perspectiva, a alma após ter alcançado a depuração somar-se-ia as outras nas mesmas condições e passaria a pertencer a uma única entidade – um Deus formado pela coletividade das almas purificadas. A Doutrina Espírita não é uma religião salvacionista, pois, credita ao esforço individual do espírito a sua salvação. Deus em sua infinita misericórdia e severidade aguarda que possamos por nossos próprios méritos alcançar a plenitude dos propósitos que traçou para nós. Para isso, não intervém em nossas decisões e livre-arbítrio. Somos herdeiros de nós mesmos rumo a um futuro que estamos construindo milimetricamente, por intermédio dos nossos pensamentos e nossas obras no aqui e agora. O fim do mundo, ou o fim dos tempos será sempre para nós, o instante em que deixarmos para traz o casulo ao qual nos mantemos arraigados para nos transformarmos em borboletas, livres e verdadeiramente felizes, compartilhando as esferas celestiais com todos aqueles que chegaram a nossa frente e que nos aguardam sem críticas, ou pressa. Simplesmente, nos aguardam porque sabem que iremos chegar em toda nossa plenitude de filhos diletos de um Deus que nos conhece e nos ama tal como somos. Maria Angela Coelho Mirault http://mamirault.blogspot.com http://www.webartigos.com/artigos/21-12-2012-final-dos-tempos/99770/ www.fems.org.br

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Somos todos previsivelmente iguais

Não, não existe a ética da política, tampouco a ética médica, a ética jurídica, dessa ou daquela seita ou religião. Existe a Ética, simplesmente. Não confundamos costumes, crenças, ou moral de determinado povo, em determinada época, com a Ética em sua propriedade de um categórico universal. Esta é ampla, inegociável, invulnerável às leis, aos procedimentos e às normas, estas sim, dependentes do filtro dos valores culturais que se cultuam nessa e ou naquela sociedade, neste ou naquele tempo. Nas eleições expressamos sempre nossos costumes, nossas crenças e valores, nossa decisão, sempre parciais e incompletos. Portanto, não reclamemos daqueles a quem elegemos; no conjunto, somos nós. Se preferimos eleger um representante de determinado grupo político em detrimento de outro, é porque foi assim a nossa convicção coletiva, e, portanto, legitimamente representativo da maioria. Dia virá em que não precisaremos mais das normas e padrões de coerção, já que nossa consciência - social, cívica, política - apontará resultados com menores possibilidades de erros. Estaremos cada vez mais próximos dos acertos, principalmente, porque, dentre nós, prevalecerá os bons e salutares costumes, os ideais valores e estaremos elegendo gente que, como nós, terão valores e costumes ideais e éticos. Para termos melhores políticos, teremos de ser melhores do que ainda somos, pois, é dentre nós que eles surgem. E para saber quem somos, ou, em que patamar está nossa caminhada rumo ao categórico universal da Ética, basta que façamos uma retrospectiva nos personagens a quem elegemos desde que, finda a ditadura, nos foi permitido eleger nossos governantes. Não é que fomos, ou éramos, ingênuos, ou passíveis de sermos enganados; eles, os que hoje, inclusive, enfrentam o Supremo foram por nós elevados à condição que lhes permitiram mandos e desmandos em nosso próprio mando. Não arrombaram, não assaltaram, não invadiram trincheiras, lá estavam como representantes de um povo, agindo segundo os padrões predominantes e vigentes em nossa (ainda) imatura sociedade brasileira. Se queremos saber como anda nosso padrão ético, basta que analisemos nossas propagandas, nossos programas de tevê, nossas novelas, nossas músicas, nossos ídolos, nossas manchetes de jornais. Ali nos encontramos; somos nós todos tão iguais e previsíveis. Mas, o patamar da Ética é o farol que ilumina o mal feito, o denuncia e expõe. É ele que de vez em quando surge e direciona as mudanças que nós mesmos empreendemos e expressamos em nossas leis e em nosso comportamento cotidiano, aquele que praticamos mesmo quando ninguém nos vê. Pode ser que o ano de 2013 seja apenas um ano de preparativos para a Copa do Mundo e, este, preparativo para as eleições majoritárias da nação brasileira, em 2014. Alguém tem dúvida de quem elegeremos? Antes, porém, podemos exercitar a democracia, votar e escolher entre Amijube, Fuleco, ou Zuzeco, e dar nome ao mascote da Copa, e, com certeza, em mais um ganhador do big-brother-2013. Sob a perspectiva de que povoamos um pequeníssimo lugar, de um universo dinâmico, localizado no vórtice de forças irrefreáveis submetidos às leis e forças universais, girando em torno de uma estrela de mediana grandeza, na cauda de uma insignificante galáxia, dentre as mais de 500 bilhões que nossos artefatos científicos conseguiram recentemente sinalizar, nada disso tem importância. Caminhemos, pois, temos muito tempo e muito chão. Enquanto isso, façamos nosso retrato, a partir daqueles a quem entregamos o direito de decidir por nós. Somos tal como eles; somos todos tão previsivelmente iguais. Maria Angela Coelho Mirault - Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http://mamirault.blogspot.com

sábado, 20 de outubro de 2012

O trabalhador espírita diante da transição planetária

Vivemos, é certo, um momento apocalíptico. Basta que estejamos atentos aos noticiários para que reconheçamos esse instante de transição planetária. O caos aparentemente instalado, diagnosticado em todo lugar, tem-se, facilmente, detectado nas artes. Filmes, novelas, literatura, música, internet, jogos eletrônicos apresentam como nunca antes visto a temática da violência, da luxúria; da perda da infância, da ludicidade, do entretenimento saudável, do sonho, da beleza, enfim, que ainda há na vida. No entanto, paradoxalmente, abordagens com temática espiritualista conduzem milhares de nós aos cinemas, às audiências de tevê, ao consumo da literatura de autoajuda. E nesse interlúdio em que o caos parece imperar, enquanto nova ordem emerge aqui e ali, a sede por uma crença brota da grande maioria dos corações em conflito. Surgem, para todos os gostos e necessidades, religiões parcimoniosas que induzem criaturas à velha e ineficaz barganha com Deus. Nunca, como agora, os vendilhões dos templos se apresentam de todas as formas e por todos os canais a uma multidão que procura um lenitivo para seus temores. Luta-se e morre-se em nome de um Deus, de uma crença, de uma “verdade”, com mais vigor e “certeza’, do que há séculos da sangrenta História Religiosa da Humanidade. Nesse cenário, a Doutrina Espírita não pode ser apenas considerada mais uma opção de crença. Esclarecedora, Consoladora que é, foi disponibilizada pelo incansável e eficiente trabalho do Professor Hipolyte Leon Denizard Rivail, em meados do século XIX, de forma a servir de alívio e, aí, sim, de autoajuda ao homem do nosso tempo. Inúmeros e abnegados trabalhadores dos Planos Superiores empenharam-se, e ainda se empenham, para a magnitude da tarefa; de auxiliar a Humanidade nessa transição à caminho das coisas e do Reino de Deus. Nessa conjuntura, a responsabilidade dos trabalhadores de última hora é imensa. Nenhum de nós foi trazido a esse apostolado compulsoriamente, visto que, no trabalho da difusão e divulgação da Mensagem Cristã, só se aliam voluntários, seja qual for o lado em que nos mantenhamos filiados; como trabalhadores do bem, ou opressores da luz. Quantos são os obstáculos e os obstaculizadores da implantação do Reino de Deus, tal como já nos previra Jesus? De que lado, estamos, pois? Somos mensageiros do bem, ou nos mantemos filiados aos que impedem e conspurcam a propagação da Boa Nova? Essa reflexão precisa ser feita com urgência, individualmente, pelo trabalhador espírita: a quem tenho depositado minha consciência e emprestado minha sensibilidade; com quem me tenho afinado, sintonizado e representando, nesse contexto, afinal? Não podemos, mais, nos tempos em que vivemos, hoje, vivenciar, em nossos ambientes religiosos, momentos e práticas de trivialidade, nos assemelhando, copiando e arremedando outras práticas religiosas. É hora de nos questionarmos, sobre as atitudes que privilegiamos, em nossos Centros Espíritas, que deveriam ser, antes de tudo, lugares para a promoção do estudo e da prática da caridade Evangélicos, à luz dos Postulados Cristão trazidos á lume pela Codificação. Só o conhecimento da Verdade, proporcionado pelo estudo sistemático disponibilizado pela Doutrina Espírita - que veio para arejar esses postulados milenares - é capaz de trazer lenitivo à dor desse momento. Não podemos deixar que nossos lugares sejam apenas mais um, dentre inúmeros outros, lugares de entretenimento, de rituais, de manipulação, de submissão e de medos, fadados a se tornarem mais uma dente milhares de instituições religiosas equivocadas de atração, de vendas de ilusões, promoção e de barganha com as Leis de Deus. Paulo de Tarso, o convertido de Damasco, é o mais exemplar modelo de trabalhador a ser seguido por todos os cristãos. Tão logo se sentiu tocado pelo Mestre, nunca mais voltou a ser o que era. Transgressor das normas e padrões vigentes em sua cultura judaico-greco-romana, a qual defendia apaixonadamente, transitou, sem dúvidas e sem disfarce, para assimilar novos valores e difundir a Boa Nova. O Apóstolo dos Gentios, sem qualquer hesitação, desde sua convocação, trilhou passo-a-passo as pegadas traçadas por Jesus, cumprindo com determinação o seu destino, filiando-se as hostes do Bem. No episódio vivido na estrada de Damasco, não foi convencido, convenceu-se, não foi convertido, converteu-se. “Senhor, o que queres que eu faça?” – marco da transmutação de Saulo em Paulo – ocorreu no foro intimo; a luz que brilhou do seu interior destinava-se também a iluminar um mundo sedento, tal como hoje, dos postulados cristãos. Preparou-se, contudo, para a grandeza da tarefa que abraçou. De imediato, percebeu que não lhe bastava a conversão sem o estudo, a reflexão e a vivência dos postulados que conquistaram seu coração. Sem ter sido um dos apóstolos que conviveram com Jesus, tornou-se o maior dos divulgadores da Verdade que Cristo veio propagar, a Verdade que reina e impera em toda a Criação; a Verdade do Evangelho de Jesus que veio codificar a Mensagem Cósmica de Deus aos homens de todos os tempos desse planeta. Paulo de Tarso deve ser o modelo do que intentamos ser em nossa jornada de trabalhadores da Seara do Mestre, muito longe ainda, é verdade, da prontidão com a qual correspondeu à convocação de Jesus. Talvez ainda não tenhamos nos encontrado verdadeiramente com o Mestre em nossa estrada de Damasco, mas, talvez, já estejamos a caminho. Talvez já lhe possamos apresentar as qualificações da perseverança e fidelidade, tal como Paulo o fizera com sua fidelidade à Torá e a Moisés. Talvez já tenhamos auferido o lastro necessário para a tarefa grandiosa de ombrearmos na caminhada das Forças do Bem. Mas, nos preparemos, sem que tergiversemos; não nos acovardemos, nem minimizemos nossa missão. A Doutrina Espírita, tal como já revelara, Allan Kardec, não necessita de adeptos, senão os esclarecidos. Evangelizemo-nos, esclarecemo-nos, estudemos, vivenciemos o Cristianismo antes de nos colocarmos na condição de medianeiros e condutores de outras almas, para que tenhamos segurança em nosso caminhar, para que sejamos água pura aos sedentos desta jornada tão crucial para todos nós. Diante do fracasso de suas primeiras empreitadas, Paulo deixou a afoiteza de lado, retirou-se para o deserto, preparou-se, antes de assumir de fato a tarefa de propagação do Cristianismo. Fortalecido nas Escrituras, que se lhe arraigaram ao patamar de conhecimento anterior, saiu a pregar e a propagar a Mensagem de Deus aos homens amadurecidos ao seu entendimento. Naquele tempo, tal quanto hoje, o Consolador requeria de seus profitentes uma disponibilidade pretérita e complementar à aquisição das Leis Maiores da Vida. Mergulhemos, pois, nos passos de Paulo e, com ele, sigamos o doce Nazareno, sem dúvidas e sem reservas; pois nada mais atual do que a trilha e o exemplar caminhar de Paulo, na história do Cristianismo. As coisas de Deus, embora, urgentes, não devem ser apressadas, preparemo-nos, pois, e caminhemos à luz da Doutrina Espírita, para que possamos albergar a nossa volta outras e outras almas na mesma sintonia e exemplar caminhada rumo ao Reino de Deus. Maria Angela Coelho Mirault – colaboradora da Federação Espírita de Mato Grosso do Sul – Campo Grande, 12.10.2012

terça-feira, 22 de maio de 2012

A COMUNICAÇÃO É UMA IMPOSSIBILIDADE

Se você tem a ilusão de que podemos nos comunicar, ledo engano. No sentido que se lhe dá de busca da compreensão, do entendimento, do compartilhamento do mundo, a comunicação é uma impossibilidade. A noção funcionalista de que A dito por X chega a Y como A já não encontra sustentação entre os estudiosos do assunto. A dito por X chega a Y como Aa (outra coisa); no seu percurso a mensagem chegará distorcida e acrescida pelo referencial do outro. Apreendemos o mundo por meio de uma capacidade unívoca e absolutamente particular de captar, interpretar, conhecer, codificar e decodificar uma realidade impossível de ser apreendida em sua aparente (cartesiana) concretude e objetividade. Tudo o que captamos e entendemos sobre ela se dá pelo filtro de um referencial semiótico aprendido no ecossistema cultural em que nascemos, vivemos e que atua como filtro tradutor das coisas do mundo. Somos o que conseguimos ser, compreendemos o que podemos; nossa cosmovisão é particular, nosso conhecimento da realidade é parcial e nossas valorações éticas e estéticas são limitadas ao nosso modo peculiar de ser, de enxergar e de agir no mundo. A ideia de que possamos nos fazer entender, utilizando códigos (que dão nome as coisas) conhecidos, compactuados e compartilhados é ilusória e responsável pelos inúmeros desentendimentos em nosso caminho; os mesmos significantes nunca terão significados universais. Habermas, o filósofo contemporâneo alemão, ao conceber sua Teoria da Ação Comunicativa, na qual sistematiza as condições necessárias para que a comunicação se estabeleça, propõe que sua finalidade (racional) é o telos do entendimento. Para tal, necessário é que sujeitos, em situação de fala ideal, sejam competentes; estejam em condições de igualdade - sem nenhum tipo de coerção - compartilhem o mesmo mundo vida; tenham a mesma capacidade de articulação e argumentação sobre questões que tenham, antes de tudo, pretensão de validez (veracidade e verdade). Supondo ser isso possível, postos em situação de fala (comunicação) supõe-se também que não tenham como meta impor, ou convencer, mas, sim, que, após um profícuo exercício de argumentações sustentadas pela veracidade e pela ética, cheguem a um acordo e alcancem o propósito da comunicação que é a compreensão e o entendimento sobre determinado fato da realidade. Vale ressaltar que os pesquisadores da Escola de Palo Alto, por sua vez, assinalam que toda mensagem comunicada se realiza na recepção e sob essa constatação, o que o emissor diz – e que já é uma tradução do que quer dizer – não é o mesmo que o receptor compreende, visto que, ambos são detentores de códigos referenciais distintos para os mesmos significantes. Você oferece rosas, o outro recebe espinhos; você afirma estar o copo cheio e outro enxerga-o meio vazio. Às vezes, quando alguém reformula o “que você disse”, até a entonação (que você tem certeza que não deu) que lhe dá é interpretativa; filtrada, sobretudo pelos seus sentimentos e emoções no momento em que recebeu o dito. O outro, o receptor da sua mensagem comunicada, entendeu o que você pensou que disse da forma que ele pode, traduzindo-a pelo seu referencial semiótico (codificação e decodificação) acrescido das emoções e sentimentos que envolvem todo ato humano. Então, partamos do princípio dessa impossibilidade, pelo menos, para entender um pouco os desentendimentos e as incompreensões que nos assolam, tendo em vista que a comunicação como processo para o alcance do entendimento, da compreensão é, pois, uma ilusão. No fundo, falamos “grego”, na esperança de que o outro consiga interpretar o que dizemos e essa interpretação pode ter sido vertida para o “aramaico”. E, aí? Contudo, podemos, sim, tal como um artista, ou acrobata, expressar-nos na esperança de ser minimamente compreendidos, ou não, já que, sob essa perspectiva, o silêncio também é uma tentativa de comunicação.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O PAPEL DOS ANCESTRAIS NA EDUCAÇÃO

Em todas as tradições os ancestrais são o referencial cultural da descendência. Ninguém escapa ao ambiente semiótico do qual proveio e no qual se foi moldando. Assim, somos hoje resultado de muitas e tantas codificações e decodificações, cujo repertório cultural forma o referencial, com o qual enxergamos, entendemos a realidade e agimos no próprio mundo. Por assim dizer que, toda realidade, toda verdade será sempre parcial e referenciada nesse peculiar caldo cultural. Mas, isso não quer dizer que, por sermos frutos do passado, não sejamos passíveis de transformações ao longo da jornada até o seu derradeiro desfecho nessa realidade do mundo físico e ponderável que compartilhamos. Essa transformação de crisálida para a plenitude do ser que precisamos ser é a tarefa maior dessa caminhada que chamamos vida. Tanto, que, não podemos simplesmente justificar nossas frustrações, nossos erros de conduta, nossos equívocos de juízo ao passado e à intervenção da cultura predominante em nosso período de desenvolvimento. Assim sendo, todos podem mudar, corrigir e alcançar estágios que Piaget chamaria majorantes; maiores e melhores dos que os anteriores. Essa a grande significação da vida e o propósito de nossa presença no mundo. Sob esse ponto de vista, de que carregamos o passado no presente, de que agimos no mundo de acordo com o referencial que nos foi apresentado e assimilado no contexto cultural em que estivemos mergulhados desde a infância, de que essas marcas indeléveis fundamentam nosso caráter e nossa conduta, referenciando e referendando nosso modo de ver as coisas, a educação proveniente da família é de primordial importância. Desse modo, os avós, como seres detentores da ancestralidade, estão presentes no DNA cultural dos seus descendentes, independente de papéis a eles atribuídos. Hoje, é comum dizer-se e até aceitar-se a equivocada idéia de que avós não têm nada a fazer quanto à educação de netos; engano, eles podem contribuir para a transmissão de valores, tradições, informações que só eles detêm, servindo de elo de continuidade de histórias de vidas preciosas do passado com o futuro da descendência de um grupo específico familiar. Ao mesmo tempo em que representam a cultura passada, educam-se e transformam-se com a pujança da vida presente no contato enriquecedor com seus netos. Aprendem, refletem, corrigem-se. O papel dos ancestrais é, portanto, tal como um roteiro, um tracejar de caminhos para novos e mais enriquecidos horizontes. Os pais não podem e não devem prescindir desse alicerce. Os avós não podem omitir-se e tornarem-se meros expectadores da criação dos seus netos, ou, simplesmente, descartados dessa responsabilidade. Tanto é que, quando os pais negligenciam de suas funções, a própria justiça responsabilizará os avós. Quem não trará indelével a imagem e o amor de um avô e uma avó presentes em sua formação? Quem não os teve, perdeu, mas, quem os têm, que aproveite esse rico e insubstituível elo cultural de vida.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CAIRO, DAMASCO E SALVADOR

Não, aqui não se falará sob a ótica do direito civil, militar, nem sob o respaldo de estudiosos das relações internacionais. Não vem ao caso. Não se discorrerá muito menos sob as prerrogativas governamentais, nem corporativistas que engendram os conflitos no Cairo, Damasco e Salvador. Aqui abordaremos uma questão simples, mas crucial, sob a ótica de um ser humano que questiona os fatos, a luz da soberania nacional, constitucional e o estado de preservação de direitos do cidadão.
O vínculo e ponto de identidade entre o que está ocorrendo no Cairo, em Damasco e o que ocorre (já ocorreu e ocorrerá) em Salvador é o confronto entre os mesmos, ou seja, os nacionais. De um lado, no Oriente Médio, é o povo na rua, para o que der e vier, buscando seu rumo na história. A conflagração entre milhares de torcedores, resultando em 624 feridos e 74 mortos, ao término de uma partida de futebol, no Cairo, foi apenas parte de uma guerra civil que lá já se estabeleceu. A derrubada de Muhammad Hosni Said Mubarak (Egito) foi uma questão de sobrevivência de uma nação levada ao extremo em contraposição ao poder coercitivo dominante há décadas. Em contrapartida, o governo que lá se instalou desde então, não tem atendido ao clamor e aos ideais ecoados nas manifestações públicas. Não há mais o que negociar, por isso, o povo egípcio ocupa as ruas do Cairo sob a bandeira de que “os que morreram sem merecer exigem a vida dos que não merecem viver” (comentário este entreouvido em noticiário da televisão). Também em Damasco, capital da Síria - cujo opressor (Bashar Al Assadé), acusado de massacrar seu próprio povo, para manter-se no poder, à custa de muitos milhares de mortes de civis e escombros - não há volta e, mesmo sob os escombros de muitas mortes, muita destruição, o povo vencerá e uma nova ordem estabelecer-se-á. O momento entrópico a que chegaram esses países do Oriente Médio desde o ano passado não permite o retrocesso; o processo conflito-caos-ordem virá até novo momento em que novas lutas surgirão, recrudescerão, para, posteriormente, conduzir a superação do estabelecido resultante do conflito anterior. É assim o fio da evolução das civilizações humanas e das leis naturais.
Em Salvador, os policiais amotinados – é preciso que se ressalte - por reivindicações justas contra os salários indignos e que não encontraram eco no campo do debate, no âmbito do entendimento e da busca do consenso entre seus superiores – governo/corporação - chegou às ruas objetivando repercussão junto à opinião pública. Este, também, é um momento de ruptura. E, quando isso ocorre, consequências advirão. É o que vimos online acontecer na trópica, turística cidade brasileira de Salvador, capital do estado da Bahia. Obviamente, não podemos validar o estado de caos ali instalado; a população não pode ficar a mercê da incompetência governamental, do vandalismo e da decisão da corporação (organizada em motim), que têm como dever manter a ordem pública. No episódio, a tropa nacional, convocada pelo governador Jaques Wagner à camarada Dilma, precisa ter um comando moderado; não pode permitir nem adotar o confronto com as forças amotinadas e seus familiares e amigos civis. Não estão na Rocinha (RJ) combatendo o tráfico. Foram requeridos e, lá, estão para proteger a população, o patrimônio público e o privado. Se, a “ordem” for de reprimir os reivindicadores a todo custo, o caos instalar-se-á e as consequências, que são imprevisíveis, ainda podem se agravar.
Os governos autoritários precisam descer dos seus tronos monárquicos e atender os reclamos de seus servidores, pois estes, os mandatários, não são proprietários do erário, são os capatazes, lá colocados para gerir, por nós, os conflitos próprios de um sistema democrático. Legisladores, governadores, prefeitos, políticos de qualquer naipe ou agremiação, magistrados e dirigentes de estatais não precisam ir ás ruas reivindicar remuneração justa para o seu trabalho, pois tratam antes de qualquer compromisso republicano, de seus próprios interesses, legislando sempre em causa própria. Por que, então, professores, bombeiros, policiais, profissionais da saúde, dentre outros, precisam e chegam a esse recurso extremo? Há algo de errado nessa lacuna.
Não haverá diferença entre o Cairo, Damasco e Salvador se o confronto das forças nacionais se der contra os amotinados e seus familiares; será sempre um cidadão nacional contra outro cidadão nacional. Lá, no Egito, a causa é político-econômica e significa um momento entrópico de mudança para novos patamares civilizatórios. Longe de uma apologia às greves e suas maléficas consequências para a população, é preciso que se ressalte, governabilidade, não se exerce com força nacional nas ruas contra quem lá está por força da intransigência e falta de negociação entre os incapazes.

Maria Angela Mirault
http://mamirault.blogspot.com

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

DESCOBERTA A CAUSA DOS DESABAMENTOS NO RIO DE JANEIRO

Todas as tragédias no Brasil têm uma mesma origem. Elas resultam das mesmas fontes: corrupção, impunidade, indiferença, desrespeito, desmobilização, ignorância, prepotência, arrogância, desinteresse, descompromisso, individualismo, ambição, dentre outras tantas coirmãs.
Não é preciso comissão nenhuma para que se encontre a causa do desabamento dos prédios na fatídica noite de verão do Rio de Janeiro, tanto quanto o soterramento no morro do Bumba (lixão), em Niterói, ano passado, as mortes resultantes das enchentes em Belo Horizonte, Nova Friburgo e Teresópolis, dentre outras absurdamente cruéis, ceifando vidas irrecuperáveis e tão valiosas que dinheiro nenhum do mundo pode pagar. Muito menos as enchentes que assolam Campo Grande decorrentes do alagamento na área assoreada do Sóter e a única morte de um dos seus filhos, tragado por um sorvedouro que a mídia resolveu apresentar como bueiro.
Nosso país não tem registro de cataclismos naturais; somos abençoados. Nossas tragédias nos chegam pela negligência, pela lassidão e afrouxamento moral com que enfrentamos o dia-a-dia e contaminamos nossos costumes. Chega de movimentos, de passeada, de bandeiras, de mobilização e de escárnios pelas redes da internet. O século é o XXI, o ano é 2012, a hora é agora. Hora de acordar e compartilhar nossa presença no mundo.
Todo problema social advém da cultura de um povo e se constrói no âmbito da individualidade. Somos nós que decidimos, em nosso campo de ação, agir ou não; confrontar ou não um problema; dar, ou não, a devida atenção a uma infração, uma impunidade, um malfeito bem no nosso nariz. Somos nós quem não quer ouvir, ver e dimensionar a extensão de um problema testemunhado. O individualismo tomou conta de nós e nos transformou em meros consumidores. É isso, não passamos de consumidores de um mercado ávido da nossa atenção, ávido de nossa omissão e falta de cidadania, ávido de nós próprios.
Nosso país tem recursos inesgotáveis; nosso país tem leis suficientes, tem uma Constituição considerada com uma das mais avançadas; temos representações civis ainda respeitáveis. O que nos falta é o sentido de dever e do agir cidadão. O agir cidadão é o agir consciente, responsável, custe o que custar, doa a quem doer. Se eu tenho que negociar, por exemplo, para que esse texto seja publicado, já estaria deixando de cumprir o meu dever. Se para ganharmos um negócio temos que prevaricar, deixamos de ser um cidadão do bem e passamos, sem intervalo, ou mediação, para o outro lado; o lado dos espertos, dos corruptos, dos impunes e prevaricadores. Não, sinto muito, não tem meio termo; ou se está com Mamon - e com ele, optando pela ganância e do lado do Mal -, ou se está ao lado do Bem e do Belo, e, portanto, com as coisas de Deus. Lá, bem pra onde todos estamos rumando, é o lugar da verdade, lá não há como negociar falta de atitude, indiferença, desrespeito, omissão. Lá, pra onde estamos caminhando a cada segundo, só tem duas filas, dos que sobem e dos que descem. Lá, nosso confronto será conosco mesmos e seremos nossos próprios juízes.
Ah, como é difícil viver assim, alguém murmurará. É difícil, é crucial, é doloroso; quantos “amigos” se perdem, quanta incompreensão se colhe, e, até, solidão. Mas, agora, mais do que nunca, é absolutamente necessário. Se cada um de nós – pelo menos aqueles que receberam mais da vida – cumprirmos, nada mais do que, com o nosso dever, nossa responsabilidade, nossa dívida com a sociedade, o mundo será bem melhor. Sem precisar fazer nem participar de reuniõezinhas para discutir problemas, comissõezinhas para avaliar calamidades e responsabilidades, passeatas inúteis, replicação de gracinhas pela internet. Chega. Se cada um for responsável pelo pedaço de mundo em que circula e é responsável na formação da sua cultura e o rastro dos seus costumes, não transigir e tiver absoluta noção da importância da sua presença no mundo, coisas indesculpáveis como os desabamentos e tantas outras calamidades, rarefar-se-ão. Leis e normas serão cumpridas.
Somos nós, os espertinhos, os do jeitinho brasileiro, os responsáveis pelos desabamentos. Ainda estamos ilesos, impunes, mas, nossas mãos e corpos estão empoeirados, encharcados...

MARIA ANGELA MIRAULT
http://mamirault.blogspot.com

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E SE TUDO ACABASSE EM 10 SEGUNDOS

... E se você estivesse apenas digitando uma mensagem, fazendo um curso além do expediente, ou, mesmo, tomando um café? E se você estivesse quase terminando um dia de trabalho e indo embora para casa; arrependido de não ter assistido ao filme que queria, ou ler o livro que ainda não comprou no último final de semana? Ter o filho que gostaria de ter; feito a matrícula no curso que queria fazer; ou preocupado com contas a pagar e o material escolar dos filhos naquele dia? E se estivesse apenas feliz e cantarolando, saudoso do aconchego de casa, do beijo e abraço dos amores? E se você apenas estivesse respirando, apenas respirando e em paz com a vida, celebrando o dia comum que teve, com a graça de Deus? E se fosse você, se fôssemos nós, naqueles prédios desmoronando e o fim dos tempos se evidenciando em avalanche de escombros pelo tempo interminável de dez segundos? E se fôssemos nós, vitimados pela profecia do calendário maia do final do mundo naquela noite comum de 25 de janeiro fatídico, cruel, inconcebível, de 2012?
É fato ser a morte uma fatalidade. É certo que caminhemos a cada segundo ao seu encontro, queiramos ou não. Seres dotados de razão – o homem é o único animal capaz de compreender o significado desse fenômeno, em si – bem sabemos que a hora da partida pode chegar de qualquer forma e a qualquer hora. Por que, então, vivemos como se não fôssemos morrer? O que poderia distinguir aquelas pessoas de qualquer um de nós? Por que o mundo acabou para elas enquanto nós permanecemos vivos e abrigados em nossas redomas de proteção?
Todas as histórias são importantes, toda vida tem uma finalidade que transcende a nossa pouca compreensão. Os que vão deixam mensagens para os que ficam; nunca é em vão uma partida. Mas, quando as partidas são coletivas, inesperadas e trágicas, todos somos atingidos também de maneira coletiva, dolorosa, pesarosa e trágica. Estamos enlutados nesse recém-início de ano. Todos deixamos marcas; viver é escrever na linha do tempo de toda a humanidade. Viver é influenciar a própria vida e intervir nos acontecimentos a nossa volta. Morrer também o é. A lacuna da nossa partida jamais será preenchida e quem nos tem terá que conviver com essa brecha de presença, essa ausência que ninguém quer vivenciar. Os que se foram no apocalipse de janeiro, no coração do Rio de Janeiro, são mensageiros de uma mensagem muito maior do que podemos decifrar. Suas vidas extintas em breves 10 segundos nos anunciam a brevidade do tempo, a inexorabilidade da morte. Nos deixam, atônitos que estamos, a mensagem dos verdadeiros valores que devem reger nossas vidas, preencher nosso tempo, instigar nossa atenção. Não é o dinheiro, não é o sucesso, não é o supérfluo. O que precisa urgente preencher nossa mente e nossos corações são os sentimentos, os afetos, as emoções, as conquistas e as riquezas que os ladrões não roubam e o tempo não corrói. Que suas partidas não sejam vãs; mártires do nosso tempo, não podemos deixar de ouvi-los, testemunha-los em suas expiações tão dolorosas. É hora de pensar em Deus, no significado da vida, das coisas, do nada. É hora de apaziguar nossa ansiedade e nossos desejos. Tudo pode se desmoronar em apenas 10 inexoráveis segundos. Por eles, vivamos como se de lá, apenas empoeirados, pudessem ter saído. Mudemos nossos paradigmas, reavivemos nossos valores, alteremos as nossas rotas. Para nós que por aqui ficamos, ainda é tempo. Aproveitemos, então, enquanto o apocalipse não vem e a nossa tão temida hora não chega. Sejamos mais do que fomos ontem, melhor ainda do que somos hoje. Celebremos, por enquanto, a nossa vida.

Maria Angela Coelho Mirault
http://mamirault.blogspot.com

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A PROPÓSTIDO DO FAMIGERADO 12º. BIG BROTHER-BRASIL

Nem o Bial nem a emissora que oferece o espetáculo dantesco, à família brasileira, na hora do jantar, pode ser a única responsabilizada pela bizarrice do programa de maior audiência da televisão brasileira. Seu aval vem da audiência que o povo lhe confere. Essa é uma matemática simples.
Expressar, difundir e intercambiar ideias sempre foram necessidades intrínsecas à sociedade. A liberdade de expressão é um direito preceituado pela Declaração Universal do Direito do Homem (1948). Nossa Constituição (1988) lavra ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Sob esses dois princípios atribuem-se à mídia em geral – e, em particular, à imprensa - o papel e o dever socioeducativo de intermediar o fluxo das mensagens informacionais para que, livremente, possa o homem formar o seu juízo de valor, diante dos fatos.
A imprensa - palavra cujo significado vem de "prensa móvel" - surgiu há muitos milênios como um artefato para suprir a necessidade humana de informação. O estabelecimento de uma função social à imprensa deu-se a partir de três grandes movimentos revolucionários e paradigmáticos: na Alemanha, por volta de 1495, com Gutemberg, subsidiando a Reforma Luterana e popularização da Bíblia; no século XVIII, durante a Revolução Industrial; e, de fato, sob um alvará libertário, por ocasião da Revolução Francesa (1879), com a emersão de uma imprensa revolucionária e opinativa junto à burguesia, naquele momento.
O século passado viu surgir uma nova e potente diversificação dos canais informacionais trazidos pelo rádio e pela televisão. Em atendimento a um nascente mercado consumidor, a propaganda e o marketing passaram a influir, ideológica e economicamente, nos aparatos midiáticos, inaugurando uma cultura (e um consumo) de massa, na qual consumo e consumidor tornaram-se alvos de suas mensagens.
O advento das mais recentes tecnologias da informação assinalou nova revolução, ao oferecer - por intermédio das mídias digitais e todo seu aparato inovador e renovador - ao, antes, receptor passivo, novas perspectivas de compartilhamento e gestão da informação. Atualmente, vivemos uma revolução mais radical, irreversível e paradigmática, trazida pela potencialidade quase infinita do uso da internet.
Ora, em vistas desse breve relato, por que, simplesmente, imputar a esses aparatos midiáticos (seus produtores e produções) a responsabilidade pela (má, ou baixa) qualidade da informação (?) veiculada? As mídias expõem, em mensagens absurdamente caricaturadas, os valores aceitos, comungados, preconizados e institucionalizados - no âmbito das normas, procedimentos, práticas e costumes - de determinada época por uma determinada sociedade.
É fato que a mídia em geral - utilizando-se das prerrogativas universais e constitucionais de liberdade de expressão, deixa lacunas (morais) no cumprimento do seu papel socioeducativo. Porém, a mídia não cria, não inventa, não abduz seu consumidor. Ela, simplesmente, traduz, reflete, ecoa desejos e práticas, antes, adotadas e circulantes no espaço da cultura de um povo. O alto índice de audiência do programa televisivo Big-Brother-Brasil, e toda sua repercussão é exemplo disso. A fala do jornalista Pedro Bial, veiculada pela revista Veja (18/01/12) sublinha isso. Afirmou, ele: “... tive de me despir da condição de jornalista e ser um Zé Mané junto com os outros”. De fato, uma mídia, realmente, livre e consciente do seu papel social auxiliaria muito à aniquilação dos “zé-manés” a que se refere. Uma imprensa responsável por sua função social poderia, sim, ajudar a promover a revolução que muitos de nós almejamos; a revolução da consciência crítica, do juízo de valor, do discernimento e do critério sobre o que deve, ou não, vigorar como princípio ético e estético. Não havendo essa reflexão, somos todos “zé-mané”, refletidos nessa estética de horrores, que nos retrata de forma tão vil, tal como (ainda) somos. Contudo, é preciso que reconheçamos: os estupros (?!), orgias, futilidades, aberrações e bizarrices ofertados noite após noite pelo famigerado Big Brother Brasil têm a nossa assinatura, a nossa cara, o nosso gosto e, principalmente, conta com o aval da nossa audiência e da nossa consciência. Mudemos, pois, para que o reflexo da nossa imagem se transfigure, pois, por enquanto, somos todos muito feios, muito pouco éticos, quase nada estéticos.


Maria Ângela Coelho Mirault - Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
mariaangela.mirault@gmail.com