domingo, 9 de maio de 2010

A (má) influência da mídia em nossa integridade ecológica

Hodiernamente, habitamos um mundo hostil, adolescentizado, que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos e nem podemos adquirir. Ligamos a tevê, o rádio, passamos, distraidamente, pelos outdoors, submetidos inexoravelmente à ostensiva propaganda publicitária, tocando a vida, no piloto automático, como se pudéssemos vivê-la – e a vivêssemos - imunizados a toda essa influência midiática. Desprovidos da capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm, deixamo-nos capitular pelo consumismo desenfreado que nos assalta cartões e contas bancárias, inopinadamente.
Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da avalanche informacional a que somos submetidos cotidianamente não nos é percebida como uma questão de sobrevivência ecológica. Porém, nada nos parece mais evidente, nesses tempos de reinado soberano da midiatização da informação, do que essa implicação ecológica, que tem início na pessoa, no cidadão, sobretudo, na salvaguarda de sua individualidade. A miditiazação da informação (qualquer que seja) é, mais do que nunca, um problema que afeta a todos nós.
O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento entre o que podemos e devemos adquirir e o que nos é apresentado como possibilidade, sutilmente, vai-se avolumando em nossa psiquê. Quem não sofreu com o confronto de suas próprias limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas verdades informacionais? É que nesse mundinho economiacamente bonzinho, colorido, irreal e feliz tudo pode ser comercializado, da pajero ao cachorro-quente; do aparelho ortodôntico e o clareamento dos dentes a balanhagem; da cinta milagrosa à plástica ilusória. E se todo mundo pode, e se todo mundo tem, por que não nós? E dá-lhe crédito; toma financiamento; vai cartão, propondo-nos, de antemão, a amortização da dívida insanamente contraída, com juros e ranger de dentes, ou, em muitíssimas vezes, guindados à inadimplência e ao SPC e suas desastrosas consequências.
Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica que o conteúdo sedutor da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar? Como permanecer vivo, depois dos cinqüenta, quando o mundinho-feliz publicitário nos afirma só ser possível aos 15, 30, 40 anos? O que dizer da erotização da infância imposta pela mensagem publicitária, que, tendo o adulto como alvo, expõe a criança como objeto? Abusiva, enganosa, chantagista, violenta e criminosa.
Quando apresentamos a tese de que a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminadamente - pela mídia (de massa, ou não) - é uma questão ecológica, para a qual estamos inadaptados e despreparados, recorremos ao entendimento da ecologia como a ciência que, tendo por objeto o estudo das inter relações entre organismos e o seu meio físico, investiga toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. E sob esse paradigma, nenhum organismo pode viver sem essa interação nem sobreviver em um ambiente desfavorável a sua existência.
Somos, portanto, seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema do qual somos integrantes e interativos. Nosso habitat vai muito além (e aquém) do ambiente bio-psico- físico, pois abrange, sobretudo, o ecossistema semiótico – o mundo dos signos - onde ocorre essa troca de energias e apropriação de conteúdos simbólicos. Contudo, não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica. E, para que possamos manter nossa integridade ecológica, precisamos desenvolver a capacidade crítica de discernimento entre o mundo real e o fictício; forma e imagem. Nós, os seres humanos, que somos submetidos a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisamos, urgentemente, encontrar meios de sobreviver e preservar nossa integridade ecológica, bem como a de nossa espécie. Precisamos continuar a existir tal como somos, apesar de todos os apelos publicitários determinarem e reverberarem o contrário, mantendo-nos vivos, belos, saudáveis, felizes e atuantes, muito além dos 40.
Uma educação ecologicamente semiótica para que adquiramos a capacidade de estabelecer um diálogo pessoal e saudável com a mídia – e toda sua produção - é uma demanda social. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as formas em que as mensagens mídiáticas nos alcancem: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos da vergonha que temos, por não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos, ou tão felizes quanto os anúncios, as novelas e os reality shows nos fazem acreditar.


MARIA ANGELA COELHO MIRAULT PINTO

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Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS: 18.05.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

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