segunda-feira, 5 de julho de 2010

VERGONHA DE “MIM”

Todos os extremos resultam de um déficit. Foi assim e está sendo assim o “meu” comportamento extremado de cidadão brasileiro, com a esperança, primeiro, e a perda, depois, do almejado hexa. Como “sou” passional e imaturo. Se tivéssemos alcançando o título e se ganhássemos a Copa estaríamos radiantes, a nação manter-se-ia em festa, o Olodum expressaria ininterruptamente nossa imensa felicidade. “Eu” ainda estaria festejando o gol de ombro do Luiz Fabiano, as falhas do juiz que nos beneficiou inúmeras vezes, afinal “sou” muuuuuuuuuuuito esperto. Nossos guerreiros estariam cultuados, o temperamento (extremado) e (para alguns) mal-educado do técnico seria admirado, exultado e significado. “Eu” não veria defeitos na equipe técnica, no trabalho e na escolha dos nossos representantes, na Copa. Mas, Felipe Melo (é ele, o cara!) não apenas “me” tirou o hexa; menino indisciplinado - segundo globais experts do futebol – fez muito mais. Felipe Melo mostrou a “minha” verdadeira cara. Como bipolar que “sou”, repentinamente saí do estado da euforia para o estado extremado da depressão. E a depressão fez emergir de “mim” o que tenho de pior, a cega e apaixonada ira. E essa emersão, não só está vindo a tona, como também, tem de ser expressa. Não, não, apenas, expressa. Tem de ser compartilhada; todos têm, o mundo têm, de saber da “minha” indignação. E é como indignado, que “fui” proclamar todos os impropérios e demonstrar o que existe verdadeiramente dentro de “mim” com relação à frustração de não ter “me” tornado hexacapeão, na África. Por um dia, o “minuto de ódio” - tão bem expressado por George Orwell, em sua obra 1984, regurgitou o sentimento nacional brasileiro. Bastaram poucos segundos para que eles – que até estavam bem – caíssem na mais abjeta das atenções midiáticas. Execração nacional foi o que aqueles meninos passaram a merecer.
Por um dia ainda na onda da ressaca, “encontrei” a forma de promover “minha” catarse, primeiro, na torcida contra a odiosa Argentina, e, à tarde, na possibilidade de vitória dos “meus” amados irmãos paraguaios.
Ah, que vergonha de “mim”!
“Eu” que estava tão certo de “minhas” atitudes e opiniões, vi no olhar apavorado de Felipe Melo, na chegada da seleção ao solo brasileiro, o quanto “estive” o tempo todo alterado.
Horrorizado, o jogador que há poucos dias se encontrava na iminência de tornar-se um herói-nacional, em seu olhar de menino, hesitava em dar o primeiro passo, na saída do aeroporto, de volta pra casa. Nunca talvez tenhamos testemunhado tanto medo capturado pelas lentes da tevê. Ali, ao vivo, para todo o planeta, o mais triste espetáculo que poderíamos proporcionar. Um de nós, parte de “mim”, apresentava o pavor da hostilização certeira, na recepção vergonhosa que “fiz”, sem dó nem piedade.
O choro compulsivo de Júlio Cezar nos braços de sua mãe envergonha toda uma nação de fanáticos torcedores.
Se tivessem chegado com a taça, mesmo com gol roubado, ou jogo comprado teriam tido outra recepção. Teriam sido catapultados ao pódio dos heróis brasileiros, porque, para “mim” o que importa é ganhar, seja como for.
Ah, que vergonha de “mim”!
Ah! que vergonha de mim, quando, agora, constato, o modo como recebi “meus” irmãos, “meus” compatriotas, como se “eu” nunca tivesse errado, como se “eu” fosse o mais ético e assertivo dos povos. Como vestal imaculada “apontei” para o alvo e como o mais cruel dos terroristas, “meu” fuzil para a cabeça de Dunga e do Felipe Melo, principalmente, pois, é preciso dar nome aos responsáveis pela “minha” desgraça; eles entrarão para a história; milhares de anos virão, mas a posteridade nunca esquecerá os culpados. Como fariseu, túmulo caiado que “sou”, estertorei “minha” ira, em “meu” minuto de ódio contra aqueles que não souberam representar a pátria brasileira.
Ah, que vergonha de “mim”!
Ah, e, agora, nessa vergonha de “mim”, emerge um sentimento contraditório; é a inveja que surge. Ah, que inveja do povo argentino, do torcedor argentino, da recepção aos perdedores pelas ruas de Buenos Aires.
Ah, que inveja deles, ovacionando Maradona, pedindo-lhe para que permaneça no comando da seleção derrotada do seu país.
O que será que eles aprenderam com a Copa, com a derrota nas oitava e que nós ainda não conseguimos aprender?
Bem-aventurados os que sofrem, pois que serão consolados. E assim foram recebidos os heróis argentinos: com compaixão, com admiração, com esperança, com amor, reconhecimento, gratidão, e, principalmente, com respeito, na volta ao solo da pátria-mãe.
Por que será que não podemos - não vimos e não pudemos - externar um pouco de compaixão? Compaixão pelo fracasso dos nossos compatriotas? Por que esquecemos tudo e no tribunal sem apelação da opinião pública brasileira - exageradamente reverberada pela mídia - condenamos e vilipendiamos nossos jogadores?
O que é que a Argentina está nos ensinando, meu Deus?
Bem-vindo Dunga. Bem-vindo Felipe Melo. Bem-vindo Júlio César! Bem-vinda, seleção brasileira. Não temam, mantenham a esperança, porque não estará longe o dia em que nenhum de vocês precisará expressar tanto medo no olhar, nem verter tantas lágrimas no regaço de suas mães. Dia virá, em que a maturidade nos ensinará que momentos como esse; derrotas como essas nos trarão lições de aprendizado. Um dia, “saberei” ter a exata dimensão de que o 2x1 da Holanda foi apenas um jogo e que, afinal de contas, todos vivemos no limite de nossas possibilidades e passíveis de cometer inúmeros gols contra.
Mas, enquanto isso não acontece, tenho vergonha de “mim”!


Maria Ângela Coelho Mirault é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica.
Mariaangela.mirault@gmail.com

Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, 07.07.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

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