sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Paiê, o que esses bichinhos estão fazendo ali?!*




Se algum dia o Poder Público - que tem o dever de salvaguardar nossos direitos cidadãos - quiser justificativa para que se defenestre definitivamente os outdoors de nossas vistas e de nossa cidade, provavelmente, não encontrará melhor argumento do que aquele que nos foi oferecido neste final de ano. Não bastassem a poluição urbana, o alto índice de estresse que provocam no nosso cotidiano, o enfeiamento de nossa cidade, os outdoors, agora, também dão ensinamentos metafóricos de baixo nível.

Quem não foi surpreendido por duas peças publicitárias expostas nos tapumes de nossa cidade e que, juntamente com os sorrisos e aparelhos ortodônticos de máus-políticos, rondaram e invadiram nossas vistas, nas semanas que culminaram 2009? Duvido que algum cidadão campo-grandense não as tenha notado. Para reavivar sua memória, vou descrevê-las porque descritas, talvez, elas sejam lidas com a clareza e a crueza com que se apresentaram e invadiram o meu e o seu Natal, repercutindo ainda durante as comemorações do Ano Novo.

Na semana antecedente ao Natal, os tapumes apresentaram um peru (ave-metáfora) complementada pela mensagem escrita para quem não foi tão bonzinho assim. Tudo bem, para bom entendedor meia palavra basta. Mas, o complemento mesmo da mensagem estava na anunciação do anunciante: uma loja de produtos eróticos. A segunda peça, já para o Ano Novo, juntou a ave-metafórica, um pinto e um periquito (periquita?) devidamente (?) travestidos com adereços e fantasias (Não sei porque esqueceram a perereca) e a mensagem subjacente: em 2010, entre com tudo... (como assim ?!).

Enfim, na exposição policrômica, a criatividade publicitária emitia inúmeras mensagens oriundas desse recurso metafórico. Aposto que não teve quem não tivesse tentado traduzí-las e até feito brincadeiras com as tais. Mas, se você esqueceu o que é metáfora, quero lembrá-lo que metáfora é uma figura de linguagem em que um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam.

Depois dessa aula-dos-outdoors, acho bom a gente se preparar para quando nossos filhos quiserem entender a mensagem apresentada de forma que sejamos capazes de traduzir o que aqueles bichinhos estavam fazendo lá, o que cada uma representava e o que o anunciante queria expressar. Não esqueçamos também de informá-los que essa aula nos foi proporcionada porque aqui (até quando?) o descaso com as leis e o desrespeito com o povo é total. Aproveitemos para esclarecer que, ao invés de se atentarem para essas aberrações licenciosas (libertinas?) poéticas, econômicas, publicitárias - que essa mídia em uma cidade sem leis favorece - nossos ingênuos e castos legisladores, neste final de ano, perderam seu tempo e o nosso dinheiro discutindo e (pasme!) aprovando uma lei absurdamente talibânica intentando proibir (pasme de novo!) a exibição de singelas e inocentes calcinhas nas vitrines de Campo Grande e que por si mesma – ainda bem – sujeita ao veto do prefeito. Procure também não se enrubescer quando tiver que explicar que um “peru que não foi bonzinho (mal agradecido!), para ser agradado, tem que ganhar calcinhas e laçarotes! Para um peru, uma periquita e um pinto produzidos com roupinhas eróticas, o desejo expresso de que em 2010 entre com tudo tem tudo a ver na figura de linguagem utilizada. E mais, que essa pérola do nosso cotidiano foi-nos oferecido pelos otudoors..

Obviamente que há de ter quem os tenha achado apenas engraçados, criativos, inofensivos. Parabéns, se é o seu caso, você é pra lá de moderno – e amoral. Mas, para alguém como eu, que a cada dia fica mais perplexa com a permissividade com que esse tipo de mídia nos afronta a inteligência, dessa vez, extrapolou-se fronteiras intransponíveis.

Senhores vereadores, cá pra nós, confessem, os senhores v-i-r-a-m! Se estavam de recesso e não os viram, as fotos estão no meu blog. O que nos será oferecido nos próximos feriados? Precisamos nos preparar! Já imaginou na Copa do Mundo? O que esperar de tanta criatividade, ganância, licenciosidade? Virão os pleonasmos e os metaforizados expostos junto às suas metáforas? Quem estará adornado com adereços e roupinhas?

O que os senhores estão esperando, caros legisladores, para e-s-t-u-d-a-r-e-m o projeto cidade limpa, que São Paulo conseguiu implementar há alguns anos, regulamentado o uso do espaço público e extinguido de vez esse recurso altamente poluidor e inadequado.

Não proponho a censura (que Deus nos livre!), mas, sim, a normalização do uso desse espaço regulamentado. Esse mesmo espaço que todos transitamos e pagamos (muito caro) por cada centímetro. Não creio em nenhuma justificativa para que uns poucos o utilizem como querem, com os valores que têm, na mente e no bolso. Não sou obrigada a ver e ler essas mensagens. Cadê o meu direito respeitado?! Ministério Público, alô-o, socorro!

Se os senhores vereadores precisavam de algum argumento para arregaçarem as mangas e trabalharem de fato em prol da nossa sanidade física, moral e intelectual, vocês agora o têm. Acho que, dessa vez, juntamente, com nossos maus-políticos, os anunciantes de produtos eróticos extrapolaram o bom senso, a decência e a liberdade de expressão. Como professora do ensino fundamental, que já fui, confesso, não saberia como explicar aos meus alunos, mas, se os senhores quiserem, posso explicar melhor todas as mensagens subjacentes ali implícitas, à luz, inclusive, da Semiótica, dando nome e significado a cada elemento gráfico significante apresentado, em uma sessão solene na Câmara. Topam?


Maria Angela Coelho Mirault – mariaangela.mirault@gmail.com

Cidadã, munícipe, eleitora e doutora em Comunicação e Semiótica.

http: //mamirault.blogspot.com
*Publicado no Jornal Correio do Estado, 18.01.2010, Campo Grande/ MS

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