sábado, 3 de setembro de 2011

GAMBÁ CHEIRA A GAMBÁ


Ela foi absolvida por seus pares. Não há surpresa nisso. Em toda corporação, do Vaticano ao planalto central, dos terreiros às igrejas, dos sindicatos às associações, o espírito de corpo e a comparsividade prevalece. Aliviada, quem sabe, agradecendo aos céus, a lídima e simples “cidadã brasileira”- como se rotulou após a absolvição - contou com a mãozinha dos 265 colegas de trabalho. Foram 265 votos confessos em seu (e no deles) benefício. Não tem jeito: gambá cheira a gambá. O medo da complicação e da exposição do que ainda possa estar na sombra da vida de cada um dos que legitimaram o impedimento da cassação motivou e impulsionou as mãozinhas nervosas, ágeis e escamoteadas debaixo das bancadas de suas excelências, sem deixar marcas, rastros ou pegadas de quem votou o quê. Embutidas nesse placar estão interesses e acordos partidários - já celebrados ou em vias de - com vistas às eleições do ano que vem; a tal da governabilidade também é uma das responsáveis pela absolvição da simples dona de casa flagrada em um ato criminoso e que todos nós cidadãos brasileiros assistimos das janelas eletrônicas de nossas casas. Mas, o que foi que vimos? Vimos uma reunião de quadrilha: três pessoas, uma mulher (a não-cassada) acompanhada pelo marido e um assessor de governo. Os maços de dinheiro, saindo das mãos do funcionário, passando para as do marido, eram condicionados em uma bolsa preta, sob a cumplicidade da mulher. Todos sorriam. Ressalte-se que quem entregava não era uma pessoa qualquer e quem recebia e compartilhava também não. Contudo, o que importa é que ali estava uma quadrilha em ação. Ocorre que, poucos anos depois do fato, a quadrilheira foi eleita e o mote de sua absolvição pelos comparsas de agora é o de que, no flagrante, de um acontecimento criminoso do passado, ela ainda não era uma representante do povo. Mas é.
O que assistimos tanto no vídeo, quanto na sessão de não-cassação foi apenas a confirmação de que “gambá cheira a gambá”, tanto lá como cá. Tanto lá como cá, seus assemelhados se juntam e agem pelas emanações de seus próprios odores. Mas, é preciso que o defendamos, eles não estão lá por acaso, não invadiram a Terra oriundos de Marte nem de Plutão; são terráqueos, brasileiros, nossos concidadãos. Fomos nós, seus compatriotas, quem os pusemos e os mantemos lá. Demos, com nossos votos convictos, vendidos, insensatos, displicentes, ou não, o abono do qual se utilizam para fazerem o que bem querem. Eles, os que estão lá – e aqui – são também nossos assemelhados; nem santos nem demônios, cheirando a gambás, ou não, apenas tão humanos, como nós, mesmo que, muitos deles, da pior espécie. Seja lá como for eles estão e permanecerão lá às nossas custas, sob as nossas barbas e complacências. Mas, já que assim é e está, revisemos então nossos valores e entendamos os valores dos gambás: roubar enquanto se está pensando que ninguém vê, ou grava – o que hoje é quase impossível - antes de qualquer mandato eleitoral, pode. Sob esse aspecto, beira-mares e assemelhados podem candidatar-se, agora, já que cumprem pena e, aparentemente, não cometam mais crimes. O que se constata é que tudo é válido no brasil-político-contemporâneo; assopra que passa. Na verdade, já passou; o povo anestesiado já nem se importa mais com isso, o que importa agora é descobrir quem-matou-salomão-ayala.
Mas, e os que não cheiram a gambá e nem querem saber quem-matou-salomão-ayala vão ficar fazendo e tomando “o cafezinho dos indignados”? Escrevendo artigos como este? Vão apagar a luz depois de “o-astro” e tocar a vida no dia seguinte; esperando as notícias-do-datena, o fantástico-de-domingo? Gambá cheira a gambá e esse odor já chegou ao nosso olfato, impregnando e contaminando nossas vidas. Seremos mesmo uma nação mutante de milhões de gambás levando a vida de big-brother em big-brother, no samba-carnaval-e-cerveja, esperando a copa do mundo e as olimpíadas? Sei não... se a profecia dos maias estiver errada e o mundo não acabar, 2012 será mais um ano eleitoral. Talvez, ainda dê tempo de acordar, espantar os gambás e voltar a acreditar que a vida decente vale a pena. Acorda Brasiiiiillllll!

Maria Angela Coelho Mirault - Doutora em Comunicação pela PUC de São Paulo
http://mamirault.blogspot.com

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