
Foi a curiosidade
filosófica ancestral de explicação do mundo que desvelou leis e verdades
absolutas sobre tudo. Por um tempo esse paradigma que deu origem à Física
Clássica nos contemplou. Contudo, foi a dúvida e a insubordinação filosófica
debruçada sobre os mesmos fenômenos que nos legou um novo jeito de olhar e
tentar compreender o que existe fora
de nós. A partir de então, iniciou-se uma revolução epistemológica. Há, sim, um
novo e surpreendente modo de olhar o tudo.
Paradigmas inalteráveis foram ampliados. Há que se considerar, a existência de
um ente que olha, determina o que vê, o transforma e nada mais é o que é. Mais
ainda: não há um lugar fora a ser apreendido; as coisas não são como são, mas,
como somos aptos a vê-las. São, portanto, o que nos parecem ser. O que vejo (se
destaca de um todo), me vê também. Há um corte e um foco e esse foco destaca,
do corte que fiz da realidade a qual direcionei meu foco e a co-criei. Nova fórmula
de decodificar o mundo, as pessoas, as ideias... se impõe. Se estou interessado
em direcionar meu foco em um “ford-k”, o “ford-k” passa a se interessar por
mim; aí, só vejo “ford-k”; não vejo “ferrari”, “mercedes”, nem “fusca”. Tem
gente que sabe intuitivamente usar isso a seu favor e em prol de sua ideologia:
fala o que se quer (ou, se pode) ouvir. Líderes totalitários (de todos os tipos
e seitas) o fazem bem. Seja lá porque o recorte
– e o foco - se assemelhe ao nosso, seja porque o nosso se assemelhe ao deles.
De semelhança em semelhança, comunhão em comunhão, uma egrégora é formada; lugar
do imponderável, onde dormem as verdades,
que, acolhidas, dão lógica a tudo. Na egrégora pertencemos; pensamos e agimos
como manada, irmanando forças e dando energia e forma ao todo.
Uma egrégora é a força
inefável, não verificável, não visível, não mensurável formada a partir de
campos de energias comuns e coletivas de pensamentos e sentimentos; de olhares
peculiares sobre tudo. Esse campo - de códigos comuns e sentimentos similares -
se forma e é mantido por padrões frequenciais vibracionais de um determinado
grupo de adeptos. Essa semiose de significações contida nessa semiosfera de
simbolizações do real – inapreensível em sua objetividade – forma o caldo onde
moram as ideologias, as concepções, os “eu-acho-quê”; em seu extremo, o fanatismo
e o fundamentalismo. Não são amorfas, ou inocentes, são altamente infecciosas;
buscam uma homeostase no fluxo dos seus semelhantes, e, como todo micro-organismo
que se preza propaga-se aleatoriamente, desde que captada pelo recorte de quem
se identifica, olha e recorta esse pedaço do todo, dele se apropria e nele
passa a sobreviver.
Não há jeito; somos facções
polarizadas por processos de homeostases singulares. Neste momento, especificamente,
constituímos e habitamos egrégoras física e extra-física impermeáveis. Queiramos
ou não, optamos por fazer parte de uma delas, seja por inclusão, seja por
exclusão. Do mesmo modo que a vemos, ela nos vê, e, tal como seus componentes,
captamos, compreendemos e expressamos o que vemos.
Ninguém vê “ford-k”
quando foca em “Ferrari”. Resta-nos saber que, em busca da homeostase, devagarzinho,
somos nós quem nos deixamos capturar por essa ou por aquela egrégora; aquele
campo de força de energias comuns. É bom saber que as egrégoras não morrem;
organizam-se homeostaticamente. E, assim, o ato de pertencer e de se alinhar a
essa ou aquela é de nossa inteira responsabilidade. Melhor: podemos abandonar
um campo patogênico de produção de doenças, e, migrar para outros que nos
ofereçam inúmeras e benéficas possibilidades. Sobreviver é preciso; saber o como
é arbitrário e pessoal. Podemos optar simplesmente em sermos patógenos, ou
antígenos; fungo ou penicilina; vírus ou vacina.
Maria Angela Coelho
Mirault
Professora Doutora em
Comunicação pela PUC de SP
Campo Grande, 19.09.22