domingo, 30 de maio de 2010

PERAÍ, ALTO LÁ

Não misturemos alhos com bugalhos como dizia minha avó. Pode até ter passado desapercebido, mas, a mensagem publicitária de uma marca mundial de jeans foi retirada dos outdoors de nossa cidade. Veiculada no mundo inteiro, aqui - sob o amparo da pudica lei municipal 154/10 (anti-pornografia, cujo teor ninguém conhece) -, a campanha foi censurada pelo promotor da infância e juventude do Ministério Público Estadual. A mensagem censurada e veiculada trazia a imagem de um casal besuntado de óleo, vestidos com roupas íntimas e que, abraçados, estaria insinuando algo a mais do que um simples momento de intimidade.
Peraí, alto lá, quem é que instituiu; onde é que já se viu, ou está escrito, ou legislado e sacramentada a competência da função de censor para o MPE? Em que lugar, em que província brasileira foi instituída a delegação do que se pode ou não ver, sob a suposição da inferência subjetiva de uma mensagem? E a democracia ficou aonde? Estamos na Venezuela? Será que essa decisão não fere a Constituição Federal? Será que essa instituição, que tem como função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais (art. 177,CF), não têm mais o que fazer?! E quanto aos pornográficos outdoors políticos expondo bisonhos e ortodônticos sorrisos, a todo o momento, durante todo o ano e por qualquer motivo, invadindo assim, nosso cotidiano, sentenciando toda uma população, incalta, inculta e, às vezes até, indolente? Qual veiculação seria mais pornográfica e prejudicial à democracia e aos bons costumes?
Com o intuito de aplicarem uma leizinha municipal endógina, concebida e parida sem qualquer discussão externa, o MPE tirou o sofá da sala. Será que nós, os contribuintes, os provincianos-cidadãos desse arremedo de metrópole temos mesmo que aceitar o insurgimento de decisões tomadas sem uma reflexão, uma discussão mais madura, mais séria e mais ética, submetidos aos puritanos, anacrônicos e parcimoniosos princípios subjetivos de censura de uns poucos?
Qual o sentido semântico do vocábulo pornografia? Dinâmicos que são, costumeiramente, os significados costumam ganhar vida muito além dos seus significantes. A grosso modo, o significante pornografia extrapola sua gênese grega que diz tratar-se de tudo aquilo que exprima algo que motive ou explore o sexo. Na minha concepção, por exemplo, pornografia abarca o jeitinho (indecente) de legislar e governar com frouxidão, quando a sociedade espera, rigor, decência e ordem. Por que então os promotores do MPE não direcionam seus acurados olhares para os maus-feitos do Executivo (ah! e também do Legislativo). Por que não enxergar o desmantelamento da rede de proteção à criança - promovendo e insulando o abandono de nossa infância a sua própria (má) sorte? E quanto ao atendimento pornográfico, insidiosos e acintosos nos postos de saúde de nossa capital? E a má versação dos nossos recursos mal-administrados em confronto com o enriquecimento ilícito de certos e meros funcionários púbicos e seus super faturamentos, etc, etc, etc? Fiscalizar a moralidade dos serviços públicos, não se descuidar das contas públicas e da verificação da correta aplicação do dinheiro do contribuínte não são justamente atribuições de suas competências?
Tenho manifestado-me publica e veementemente contra a abusiva exploração que os outdoor infligem em nossa pobre, e, por eles, enfeada cidade. Tenho enfatizado o uso indiscriminado e discrepante desse espaço por políticos. Volta e meia indigno-me com as veiculações de mensagens dúbias e verdadeiramente imorais e antiéticas, mas jamais cometeria o desatino de imaginar, do alto da minha ignorância, ou sabedência, que alguém tenha o direito de decidir o que pode ser exposto ali, ou não. Isso é a volta da famigerada censura. A censura é indefensável, mesmo se seu veto se dirigisse à mensagem publicitária do bolixo da esquina da minha rua. Isso é abusivo e absurdo. Sob meu ponto de vista semântico e sob a dinâmica do significado, isso é imoralidade; autêntica pornografia.
O problema dos outdoor está além do que expõe, está na permissividade de sua existência desordenada e escandalosamente abusiva em nossa cidade. Do que precisam é de regulamentação e normatização do seu uso, já que é inegável trazerem consigo implícito também o benefício da informação pública – muito do que anunciam tem valor informacional de divulgação. Não advogo sua extinção, mas a sua ordenação em harmonia com o ambiente ecológico que deve ser preservado. Sou apenas contra o paredão ($) que obstrui nossa visão e, muitas vezes, a falta de decoro e ética em algumas de suas mensagens. Quanto a estas que se cobre dos órgãos fiscalizadores à submissão dos códigos de ética criados justamente para tal fim. Talvez corpos semi-nus, calcinhas, cuecas e sutians besuntados de óleo extrapolem a licença publicitária e incitem a imaginação e carência de alguns, mas, por si sós, não alteram os bons costumes; a não ser dos absolutamente castos, talvez, dos enrustidos, ou dos que têm, mas não sabem o que fazer, como se colocar em meio a limítrofe fronteira do que convém ou não convém, do que pode e do que não pode ser arbitrado.
Que o MPE cumpra o seu papel e dirija o seu olhar mais acurado ao descumprimento constitucional com relação ao número insuficiente de instituições educacionais que abriguem nossas crianças e aos péssimos programas estadual e municipais de saúde, e, aí, sim, proponha Termos de Ajustamento ao governador e aos prefeitos e todas as suas cortes - tal como o fez com o empresário proprietário da licença de veiculação dos outdoor, punido com tal ajustamento- e faça valer a ordem constitucional. Que o MPE dirija o seu plácido olhar e suas intempestivas ações às crianças e adolescente nos semáforos de nossas ruas; que dirija sua atenção à falta de abrigos e proteção à infância e à adolescência abandonada de nossas cidades; que atue rigorosamente diante da farra dos adolescente e dos não tão adolescentes – muitos dos quais, consumindo álcool e droga, matam-se nas ruas de Campo Grande - aos domingos, no final da Afonso Pena; que diligencie com relação às gangues dos nossos bairros e sejam severos frente às agressões aos professores e á violência nas escolas. Precisamos e confiamos na ação do Ministério Público, mas, nem tanto na subjetividade de seus integrantes, Por isso, por favor, senhores promotores, não misturem alhos com bugalhos, porque, senão, ai de nós, recorrer a quem?

Maria Ângela Coelho Mirault
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Integrante do Núcleo Regional da rede mundial da Aliança pela Infância.
http://mamirault.blogspot.com
mariaangela. mirault@gmail.com

Publicado no jornal Correio do Estado, MS, 01/06/2010, Campo Grande, MS
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault

domingo, 9 de maio de 2010

A (má) influência da mídia em nossa integridade ecológica

Hodiernamente, habitamos um mundo hostil, adolescentizado, que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos e nem podemos adquirir. Ligamos a tevê, o rádio, passamos, distraidamente, pelos outdoors, submetidos inexoravelmente à ostensiva propaganda publicitária, tocando a vida, no piloto automático, como se pudéssemos vivê-la – e a vivêssemos - imunizados a toda essa influência midiática. Desprovidos da capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm, deixamo-nos capitular pelo consumismo desenfreado que nos assalta cartões e contas bancárias, inopinadamente.
Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da avalanche informacional a que somos submetidos cotidianamente não nos é percebida como uma questão de sobrevivência ecológica. Porém, nada nos parece mais evidente, nesses tempos de reinado soberano da midiatização da informação, do que essa implicação ecológica, que tem início na pessoa, no cidadão, sobretudo, na salvaguarda de sua individualidade. A miditiazação da informação (qualquer que seja) é, mais do que nunca, um problema que afeta a todos nós.
O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento entre o que podemos e devemos adquirir e o que nos é apresentado como possibilidade, sutilmente, vai-se avolumando em nossa psiquê. Quem não sofreu com o confronto de suas próprias limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas verdades informacionais? É que nesse mundinho economiacamente bonzinho, colorido, irreal e feliz tudo pode ser comercializado, da pajero ao cachorro-quente; do aparelho ortodôntico e o clareamento dos dentes a balanhagem; da cinta milagrosa à plástica ilusória. E se todo mundo pode, e se todo mundo tem, por que não nós? E dá-lhe crédito; toma financiamento; vai cartão, propondo-nos, de antemão, a amortização da dívida insanamente contraída, com juros e ranger de dentes, ou, em muitíssimas vezes, guindados à inadimplência e ao SPC e suas desastrosas consequências.
Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica que o conteúdo sedutor da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar? Como permanecer vivo, depois dos cinqüenta, quando o mundinho-feliz publicitário nos afirma só ser possível aos 15, 30, 40 anos? O que dizer da erotização da infância imposta pela mensagem publicitária, que, tendo o adulto como alvo, expõe a criança como objeto? Abusiva, enganosa, chantagista, violenta e criminosa.
Quando apresentamos a tese de que a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminadamente - pela mídia (de massa, ou não) - é uma questão ecológica, para a qual estamos inadaptados e despreparados, recorremos ao entendimento da ecologia como a ciência que, tendo por objeto o estudo das inter relações entre organismos e o seu meio físico, investiga toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. E sob esse paradigma, nenhum organismo pode viver sem essa interação nem sobreviver em um ambiente desfavorável a sua existência.
Somos, portanto, seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema do qual somos integrantes e interativos. Nosso habitat vai muito além (e aquém) do ambiente bio-psico- físico, pois abrange, sobretudo, o ecossistema semiótico – o mundo dos signos - onde ocorre essa troca de energias e apropriação de conteúdos simbólicos. Contudo, não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica. E, para que possamos manter nossa integridade ecológica, precisamos desenvolver a capacidade crítica de discernimento entre o mundo real e o fictício; forma e imagem. Nós, os seres humanos, que somos submetidos a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisamos, urgentemente, encontrar meios de sobreviver e preservar nossa integridade ecológica, bem como a de nossa espécie. Precisamos continuar a existir tal como somos, apesar de todos os apelos publicitários determinarem e reverberarem o contrário, mantendo-nos vivos, belos, saudáveis, felizes e atuantes, muito além dos 40.
Uma educação ecologicamente semiótica para que adquiramos a capacidade de estabelecer um diálogo pessoal e saudável com a mídia – e toda sua produção - é uma demanda social. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as formas em que as mensagens mídiáticas nos alcancem: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos da vergonha que temos, por não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos, ou tão felizes quanto os anúncios, as novelas e os reality shows nos fazem acreditar.


MARIA ANGELA COELHO MIRAULT PINTO

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Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS: 18.05.2010
http://www.webartigos.com/authors/5858/maria-angela-mirault