terça-feira, 22 de março de 2011

NA REFORMA POLÍTICA QUEM SERÁ POR NÓS?

Imagine delegar ao Fernandinho Beiramar a atribuição para que apresente um projeto de lei para combater o tráfico no Brasil. Inconcebível. Agora, imagine se é possível esperar que deputados federais concebam e apresentem projeto e alcancem um denominador comum de consenso a respeito de reforma política verdadeiramente coerente com a necessidade e a exigência que a sociedade brasileira lúcida reclama. O que se pode esperar de tal delegação, se lá, no Congresso Nacional, encontram-se muitos dos que foram eleitos pelas espúrias brechas que o sistema político brasileiro perpetua? Quais daqueles em quem votamos e ajudamos a eleger teriam a ombridade, a cidadania, a honradez e a sensatez de debruçar-se sobre a questão com desvelo e ética e apresentar a nós e ao Brasil sua cívica e histórica contribuição?
Qual político, eleito pelo sistema viciado, optará por excluir, nesse projeto, o danoso recurso que o senhor Fernando Henrique criou, utilizou e legou á nação, da reeleição? Quem, dos que lá estão, teria coragem suficiente de aplacar a dança frenética da mudança e, mesmo, criação de partidos ao bel prazer, mas dentro da lei eleitoral vigente? Quem coibiria a ida e vinda de políticos de um para outro, mesmo quando a gritante história de vida denuncia a incoerência ideológica da mudança? Como pode um latifundiário, um capitalista – para usar categorias distintas - ingressar em um partido socialista, por exemplo, na maior cara de pau? Para que servem as ideologias partidárias, os programas de partido se é possível ir e vir de cá pra lá, como se sua mala de votos lhe fosse de propriedade particular? Ou mesmo – o que também é muito estranho -, ficar no mesmo lugar, mas mancomunar-se com adversários, com os quais travava debates contundentes, sem explicações alguma ao eleitorado, que, provavelmente, o elegeu pela oposição que fazia em seu mandato anterior?
Só para exemplificar, dentre tantos outros camaleões, muito recentemente, tivemos em Campo Grande uma reversão ideológica sem necessidade alguma de mudança de partido. Um dos mais combativos vereadores de oposição ao governo municipal da época, a quem combatia com veemência e até agressivamente, ungiu-se ao poder a que se opunha da noite para o dia, sem prestar contas a ninguém, talvez nem mesmo ao seu partido. Colonizado, passou a usufruir das benesses que o poder passou a conferir-lhe, estendendo aos companheiros de partido o colonialismo a que se submetera. A trincheira que o tinha como aguerrido esfumaçou-se e a legenda, enfraquecida, sofre até hoje a irreversível perda de identidade partidária.
E o que é, e para que serve, a coligação partidária? Quem ganha com o loteamento de cargos públicos de confiança política – originados desses acordos - pagos com o meu, o seu, o nosso dinheiro e que permite a mais danosa corrupção; a corrupção da incompetência, do acerto de contas, do conchavo político, da falta de probidade, indecoro e impunidade? Por que os cargos de direção são confiados a cabos eleitorais e candidatos não-eleitos em detrimento de toda uma massa de funcionalismo efetivo? Alguém já questionou porque, no Brasil, necessita-se tanto de “cargo de confiança” sem concurso público? Não seriam merecedores de confiança os concursados? Não teriam eles competência para tal missão? Ou seriam eles mais difíceis de manipulação, já que sujeitos estão à regulamentação da Lei?
Não, os “beiramar” jamais discutirão ou apresentarão projeto de lei para coibir o tráfico no Brasil. Disso estamos a salvo. Mas, esperar dos políticos que ocupam o Congresso, conduzidos pelo status quo vigente, que, tenham um pouco de dignidade e cumpram sua obrigação e apresentem uma reforma política minimamente decente e que satisfaça os anseios da sociedade brasileira, seria ingênua e vã esperança. Discutirão, emendarão propostas, tergiversarão, mas não o farão. Eles não podem faze-lo, pois, antes, já venderam sua alma e no pacote, todo idealismo e patriotismo que um dia os impulsionaram à vida pública. Os que, deliberadamente, se omitirão e não meterão a mão na massa, apregoarão sua tentativa e apresentar-se-ão como ilibados cidadãos aos seus eleitores. Tal como os aviãozinhos do tráfico, justificar-se-ão com a lei de mercado e que, lá – por nós - atendem a demanda e se contentam com isso, sem culpa ou remorso. Essas santidades, ignorantes de que nada detêm sem a representatividade do povo que os elegeram, virão, seguramente, outra vez, buscar os votos de suas reeleições. Muitos conseguirão, o próprio povo inculto os dará (ou os venderá).
Quem, então, estará do lado de cá, do lado do povo, tecendo as reformas políticas que, verdadeiramente, o tempo e o povo brasileiro precisa e o momento exige? Eu? Você? Quem será por nós, meros cidadãos, contribuintes, pagadores de impostos e eleitores displicentes?



Maria Ângela Coelho Mirault
Mariaangela.mirault@gmail.com

Publicação no jornal Correio do Estado, 24/03/2011, Campo Grande, MS
http://www.webartigos.com/articles/61802/1/NA-REFORMA-POLITICA-QUEM-SERA-POR-NOS/pagina1.html, em 21.03.2011

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