terça-feira, 24 de maio de 2011

“SUPOSITÓRIO AQUÁTICO” GOELA ABAIXO


Nem a festa, nem o testemunho de ministros e autoridades são suficientes para que nos conformemos com a autorização da execução da obra (900 dias) para a construção do “maior aquário de água doce do mundo”. Divulgou-se que sairá do tesouro estadual, declaradamente, R$90.000.000,00 para a edificação do projeto, com 6,6 milhões de litros de água doce, 263 espécies e 7 mil animais. Informações revelam, ainda, que a empresa vencedora apresentou proposta de R$ 84.749.754,23 sobre o orçamento inicial, dando um descontinho de seis milhões, duzentos e sessenta mil, trezentos e quarenta e seis reais e setenta e sete centavos. A encomenda deverá ser entregue no 36º aniversário de criação do Estado em 2013, coincidentemente, ao término do mandato da autoridade que a gestou e quer pari-la.
O requintado e estranho “supositório aquático” ocupará 18.636 metros quadrados dos 119 hectares do Parque das Nações Indígenas, também aqui, o maior parque urbano do mundo! Ao contrário do que pensam seus idealizadores, será um ultraje ao turismo sul-mato-grossense. Não nos orgulha e não catapultará Campo Grande no cenário mundial, porque a nossa verdade socioambiental, vez ou outra, é revelada na mídia nacional e internacional, sintomatizando a falência administrativa do nosso Estado. São os safaris pantaneiros, as pescas predatórias, os corredores do tráfico de drogas e de animais silvestres, os contrabandos, as invasões de terras produtivas e as ocupações de terras indígenas.
A construção do “maior aquário de água doce do mundo” não nos orgulha, porque, o mesmo governo, que vai destinar recursos próprios para a obra, destacou-se como um dos cinco (Estados) que brigou na justiça para não pagar o salário-base dos seus professores, agora, garantido pelo Supremo Tribunal Federal. Porque falta aos nossos conterrâneos um atendimento médico básico e digno na área da saúde - os corredores dos nossos hospitais assim o atestam. Não nos orgulhamos disso, porque nossas mais tradicionais escolas estaduais (Lúcia Martins Coelho e Joaquim Murtinho) revelaram um índice de avaliação no IDEB, de 2,5 e 3,7 respectivamente - o nível mínimo para se considerar uma educação de qualidade é de 6.0. Não, nos orgulhamos, porque nossos jovens morrem como moscas no trânsito e em briga de gangues, inserindo Mato Grosso do Sul na estatística de uma das capitais com aumento gradativo do nível de violência.
O projeto do “maior-aquário-de-água-doce-do-mundo”, que infla o ego de seus idealizadores, megalômanos, é, antes de tudo, um absurdo. Os recursos a ele destinados construiriam um conjunto habitacional do tamanho de uma “moreninha”, ou um hospital com 250 leitos, por exemplo. O projeto é inviável, inadequado e, sobretudo, agride os mais elementares princípios arquitetônicos, ao importar e viabilizar um projeto de um profissional que, se por aqui passou, foi pelos ares, de avião, estranho a nossa cultura.
O “supositório aquático” é um acinte à capacidade profissional da arquitetura sul-mato-grossense e vilipendia todos os profissionais e todos os órgãos vinculados à arquitetura do nosso Estado. Além de tudo, retrata o desmantelamento do ramo empresarial na área da construção civil do Estado e o desrespeito à categoria e ao ensino de arquitetura de Mato Grosso do Sul. É tão sofisticado que não poderá contar com mão-de-obra local para executá-lo; ela também será importada.
O “maior” aquário de água doce do mundo, aqui em Campo Grande, é injustificável e desnecessário, sobretudo, porque - se concretizado – destruirá a capacidade turística de nossas cidades circunvizinhas, cuja localização, a pouco menos de 3 horas de estrada, disponibiliza o mais belo e requintado ecossistema do mundo. Lugares esses, onde - seja para atender objetivos turísticos, ou de pesquisa – se pode, não, apenas, contemplar, mas, mergulhar em um riquíssimo ambiente aquático e desfrutar de toda sua biodiversidade. Tudo isso, nas mais límpidas e cristalinas águas do planeta, em cidades, essas sim, com potencial turístico genuíno e em vias de naufragar de vez se o devaneio de agora se concretizar. Para nós, aí está mais uma vez, dinheiro público jogado fora.

MARIA ANGELA COELHO MIRAULT – doutora e mestre em comunicação e semiótica pela PUC de São Paulo; CELSO COSTA – arquiteto com 5 milhões de metros quadrados de obras construídas, galardoado pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, um dos cem Conselheiro de Minerva da UFRJ e ANDRÉ COSTA – arquiteto e empresário.

2 comentários:

Valdir DM disse...

Pessoal:

1. "Supositório Aquático": definição perfeita para o monstrengo arquitetônico que está sendo erigido no Parque NI.

2. Acho que ninguém deixará de ir a Bonito porque preferiu ver o tal aquário. Mas aposto que este, num primeiro momento será alvo de péssima administração, e no momento seguinte será "justificadamente" repassado à iniciativa particular, que nos imporá restrições absurdas(como o Museu Dom Bosco, que não permite fotografias) e ficará com os lucros.

3. A população de Campo Grande (não sei se isto também ocorre nas outras cidades médias ou grandes) tem o estranho hábito de não utilizar os espaços públicos disponíveis:

a)No magnífico lago do Parque NI (das Nações Indígenas)não se vê um só caiaque, canoa ou pedalinho (as autoridades estão sempre prontas a lançar proibições nas placas, temerosas de serem responsabilizadas por alguma coisa);

b) as calçadas do Parque dos Poderes (para alguns Parque dos Podres) são frequentemente desprezadas, preferindo os atletas-que-tropeçam-em-tampinhas-de-garrafa (não, não são senhores ou senhoras septuagenários) utilizar o asfalto, competindo com os carros;

c) museus e exposições de arte vivem às moscas, quase sem visitantes;

d) a cada poucos anos se erige um novo teatro na cidade (deve ser a cidade recordista mundial em assentos teatrais por habitante), mas peças e espetáculos teatrais, que é bom, nada ou quase nada.

De tudo isto se conclui que o Aquário também será sub-utilizado, tendo apenas, após o entusiasmo inicial, frequência obrigatória de estudantes e de uns poucos turistas (não, não imagino um cidadão saindo de São Paulo ou Rio para visitar o aquário campograndense).

4. Na verdade o que querem os "administradores" públicos é "tocar obras", ou seja distribuir dinheiro (ou butim) entre as empreiteiras. Se o povo vai tirar algum proveito, é detalhe não considerado. E como contratação de funcionários concursados não permite tirar vantagens recorrentes (apenas aquela de infiltrar alguns amigos encalhados na incompetência), privilegia-se construções que utilizem poucos funcionários. Assim, aquário em vez de hospital, teatros em vez de penitenciárias, atividades na avenida ao invés de atividades no lago.

5. E como a Mídia não fala mal dos políticos (a não ser que sejam do PT ou PDT), o povão não percebe o quanto está sendo enganado. A propósito, comparem a provinciana, jeca Campo Grande (o aquário devia ter o formato de um botinão) com a sofisticada Maringá, cidade do interior do Paraná. Lá o Poder Público não consegue eliminar o debate público, e (pasmem!) há oposição midiática: um bom exemplo é o blog do Rigon (jornalista que em Campo Grande estaria preso, foragido ou defenestrado, enfim perseguido pelos nossos - só nas fotos "democráticos" - Donos do Poder).

6. Mas, acreditem, sou um otimista incorrigível, e acredito que tudo pode melhorar. Quem sabe o nosso governador não libere o lago (desde que utilizado com equipamentos de segurança), primeiro passo para um futuro realmente promissor? E depois mande asfaltar os 20 quilômetros entre Bonito e a Gruta do Lago Azul? E contrate médicos cubanos para atenderem o interior (os brasileiros, quando escapam de escolherem cidades praianas não escapam das capitais)? E incentive a formação de pequenas e modernas vilas na região desértica (em termos de ocupação humana) entre Bataguassu e Nova Alvorada do Sul?

Pedro disse...

Todo lugar precisa de educação e saúde. Salários dignos aos professores, enfermeiros e etc, novos hospitais e escolas. Mas e cultura e turismo onde fica? Também é extremamente necessário!! É até um pouco triste ver pessoas dizendo que com esse dinheiro poderia-se construir tantos hospitais pu escolas ou habitações, mas qualquer pessoa com mais conhecimento sabe que os ministérios e secretárias são orgãos diferentes. Não se pode injetar dinheiro da educação na saúde, e vice e versa. Concordo que o projeto não condiz com a arquitetura do MS, que poderia ser feito por um arquiteto local ou melhor, um concurso só com arquitetos do estado, que poderia ser em outro lugar. Mas sou à favor do aquário. Também concordo com outro comentário acima, "museus e exposições de arte vivem às moscas, quase sem visitantes", ou seja, uma obra um pouco mais modesta e barata, o restante da verba poderia ser injetada para alavancar o que já existe e está no esquecimento. Campo Grande merece obras inovadoras, lugares para se visitar e atrair o turistas já que aqui falta de beleza e recursos naturais. Tem poucas obras e lugares interessantes para visitar, em uma tarde pode-se ir em todos os locais com o citybus (sei porquê já fiz isso). Vamos ser mais sensatos e admitir que a ideia é boa, porém, a maneira como se decorreu não foi bom.