quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Em nome de deus

Pobres mortais planetários que ainda não sabemos nada a respeito de Deus. Pobres de entendimento; orgulhosos que somos de nossas próprias verdades. Nosso Deus é sempre o Deus mais verdadeiro do que o dos outros. Nossa crença é sempre a única verdade a ser concebida pelos demais. E, em nome do deus que reverenciamos tudo podemos, e, o irmão deixa de ser o irmão, agora, é o antagonista, o equivocado, aquele que, por não ser como nós, não pensar como nós, principalmente, por não ser cooptado por nós, deve ser eliminado, em nome de nossa concepção de deus. E, incoerentemente, nosso deus precisa de nós para vinga-lo das ofensas e dos perjúrios. É assim que se justifica Karl Marx ao afirmar ser "a religião o ópio do povo” e de que "o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções". Só! Pobres de nós, territorialistas, nacionalistas dementados e apartados por ideologias e cosmovisões diferenciadas, em um mundo que vê ruírem todas as suas fronteiras, com mais de 50 milhões de refugiados, vítimas de guerras e extermínio. Como é confortável justificar o absurdo. Como é fácil para espécie humana odiar. “Je suis Charlie” e “je ne pas suis Charlie”! “Je suis Charlie” quando constato que o crime hediondo cometido contra a liberdade de expressão ultrapassou o limite das pranchetas, dos computadores, da redação do hebdomadário Charly Hebdo e foi cobrado, em nome de deus, pela AK 47 de maneira tão banal, tão certeira e tão facilmente disponibilizada pela indústria do genocídio, não apenas, ao radicalismo jihadista. “Je ne pas suis Charlie” quando observo o desdobrar daquela fria manhã francesa e constato que a mesma liberdade de expressão não é concedida a quem ousa pensar diferente. Será que os líderes que marcharam à frente da multidão significavam mesmo a defesa da “liberté”, da “igualité”, da “fraternité”? Ou, o tempo nos evidenciará que cada um que ali estava expressava a sua concepção de liberdade em sua particularidade, cada qual por seu próprio motivo, seu próprio povo e por sua própria visão de mundo, de ideologia e de seu deus? Da mesma forma que o mundo livre comemora os 3,7 milhões nas ruas de Paris precisa agora entender aqueles que se declaram - para serem ouvidos - “je ne suis pas Charlie”. A França pode estar capitaneando o braço armado do racismo europeu, a discriminação ideológica, ao não tratar o caso do semanário com a devida contenção e ao tê-lo prostituído politicamente. Líderes políticos e religiosos que marcharam lado a lado de François Hollande – que já colhe frutos em pesquisa de popularidade interna em seu país - estão meio que atônitos com a capa da edição posterior à barbárie, do pasquim, que insiste em retratar Maomé, o irretratável, provocativamente. É fato que a União Europeia econômica e politicamente já foi pro ralo e que a Europa vem dando sinais evidentes de uma guinada sinistra para o extremismo da eugenia. É bom lembrar que, para essa Europa, somos todos macacos. Na segunda-feira, 6/01, anterior ao extermínio dos chargistas parisienses, 18 mil alemães já haviam ocupado as ruas, em Desdren, liderados pelo grupo político xenófobo Patriotas Europeus contra a islamização da Europa. Foi monumental a manifestação convocada pelo governo francês. A marcha de Paris tornou-se um ícone mundial de poder, de força política e de relações internacionais francesa, sem dúvida; talvez para o mundo. Mas, a verdadeira mensagem se configurará com o decorrer do tempo porque só os acontecimentos em desdobramento serão capazes de nos traduzir o que aquela multidão nas ruas de Paris estariam, verdadeiramente, dizendo, e, esperando. PORÉM, NADA, NADA, NADA, JUSTIFICA O CRIME COVARDE DOS IRMÃOS KOUACHI! Contra essa voz do inferno, não só “je suis”, como “je m’appelle Charlie”! Maria Angela Mirault – professor doutora em comunicação e semiótica pela PUC de São Paulo http:mamirault.blogspot.com Jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, 17.01.15

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