terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Matar não é ético

“Não há clemência para os traficantes”; “respeitem as leis do país” declarou o procurador-geral da Indonésia Muhammad Prasetyo, com relação ao fuzilamento do brasileiro Marco Archer Cardoso, após passar mais de uma década no corredor da morte. Ele entra dessa forma sórdida para a História como o primeiro brasileiro apenado por execução. Mas, o que fez o carioca, instrutor de voos de asa delta? Por razões que só lhe diziam respeito, aderiu ao tráfico de drogas internacional. Tentou entrar em Jacarta, Indonésia – que possui leis severíssimas com relação ao tráfico - com uma carga de 13 quilos de cocaína escondidos nos tubos da asa delta, detectado pelo raio X do aeroporto internacional de Jacarta. Preso duas semanas depois, teve ao longo desses 10 anos o “tramite legal do país”, razão pela qual, os pedidos de clemência de Dilma foram desconsiderados por Joko Widdodo, que tem como valor absoluto a “tolerância zero” como política de governo contra o tráfico. É a “cultura o filtro das “verdades” e da “ética”, do que é “certo” e do que é “errado”. Não se pode universalizar a Cultura; ela é, de fato, sequestrada por valores, crenças, tradições, religiões, ideologias, práticas e costumes de determinado grupo social que lhe vai tecendo e constituindo, ao longo do tempo. Por outro lado, o “entendimento”, ou seja, o acordo absoluto nas argumentações sobre determinado tema, é uma impossibilidade, e, pode, mesmo, ser considerado uma utopia, visto ser, para os esperançosos, o último patamar da racionalidade, ainda está em construção. Sob essa perspectiva, para que se estabeleça o entendimento, inúmeros componentes necessitam estar em consonância de igualdade: os sujeitos que o buscam precisam compartilhar o mesmo ambiente - semiótico-cultural - de situação de fala ideal, onde não estejam subjugados por qualquer tipo de coerção. Além da imprescindibilidade da consideração de que, existindo esse ambiente, esses sujeitos que almejam entender-se devem de fato estar em um consenso na busca da verdade, não cedendo, simplesmente à argumentação do outro, mas, realmente, pelo seu convencimento racional a respeito do que estava sob argumentação, onde todos levam vantagem e evoluem ao encontro da possibilidade do acordo. A votação de uma assembleia nunca representa de fato o resultado do “entendimento” do grupo, mas, o resultado da soma das particularidades de uma maioria que vence. Não há, por tanto, sob esse ponto de vista, possibilidade de resultado consensual. Não se pode olhar para o outro com os olhos de fora, sem considerar o poder do filtro da fronteira da cultura, que, justamente, não permite que haja culturas colonizadas. Povos, civilizações podem - e o são - ser submetidos e colonizadas, culturas, não! Traços culturais se mesclam, mas, não se misturam. Daí essa mescla cultural em confronto e conflito nos dias atuais. Sob o filtro cultural se justificam ações; mata-se e morre-se. No ocidente, a imprensa chocada, procura agulha no palheiro que justifique ou condene os “valores” indonésios; levando em consideração a lassidão da justiça com outros tipos de crimes. Por lá, a sentença de morte vem sendo comemorada pelo povo e seu presidente aclamado até entre os universitários: “As execuções dos condenados vai mandar uma mensagem a todos os envolvidos com drogas de que a Indonésia é séria em combater esse crime. Eu espero que as pessoas entendam que estamos tentando salvar a Indonésia dos perigos das drogas”, afirmou o procurador-geral, como porta-voz do povo e da cultura indonésia. A Ética, contudo, é um valor e um categórico universal, o que é intercambiável culturalmente são a moral e os costumes. Matar não é Ético, mesmo que justificado pelos costumes de determinada cultura. O que o mundo, que precisa caminhar para a busca do entendimento dentro do patamar da Ética - e, que tem como valor universal a preservação da vida a qualquer custo - tem a fazer é continuar argumentando sobre esse direito inalienável. Afinal, apenados que somos com a sentença de morte desde que nascemos, deveríamos refletir em todas as instâncias se cabe ao homem interferir no prazo e na data já determinados por leis e força e poder bem maiores. Maria Angela Mirault – professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo http://mamirault.blogspot.com Publicado no jornal Correio do Estado, Campo Grande, MS, 22/01/2015

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