quarta-feira, 15 de julho de 2015

Xô, sincericídio virtual

“Diga-me de fato o que você quer, e precisa por escrito, (...) pois não quero e não vou responder à criticas, ofensas, impropérios, idiossincrasias, gritaria ...” blá-blá-blá!
Estou há mais de uma semana sem falar com entes familiares; nem bom-dia! Pode? Pode!
Covardia esse é o nome que temos de encarar, assumir e nominar. O advento – é advento! -  das novas  (novas?) e cada vez mais surpreendentes tecnologias está fazendo emergir um comportamento altamente antiético, virulento e que expõe um tipo quase novo de sentimento devastador que engole a coragem, a sinceridade e desabrocha  no que, no fundo , nada mais é do que a covardia de se “falar verdades” por intermédio das - nesse caso - malditas redes sociais. É o sincericídio. Esse treco tem feito muito mal, no intuito de fazer o bem; é quase um demônio travestido em ícones, signos, imagens; letrinhas - àquelas que a gente aprendeu para usar para o bem e o progresso da Humanidade –formatadas como adagas; punhais que ferem e tiram do combate brutalmente a quem foram dirigidas.
Parece-me que as “verdades” agora só encontram lugar na escrita virtual: e-mails, facebock, instagran, twiter, wahtsApp... Muitas vezes, com o intuito de atingir “um”, fala-se para todos. “Felicidades”, “conquistas” expostas em imagens do “eu fui lá e você não foi”; “eu sou e você não é” permeiam esses circos da prodigalidade hedônica dos nossos dias, tão malditos, tão cheio de dores, de fracassos (dos outros, é claro!). Mas, o autofalante, a reverberação é dirigida a todos que acabam por serem contaminados com tantas verdades-verdadeiras, tão distantes do seu mundinho acinzentado: “Show de Truman”!
Creio que todos já conhecemos casos de sólidas amizades desfeitas por causa e dessa forma. Por escrito parece que tudo pode ser dito; o outro, o infeliz (in) digno da investida, não está lá, cara-a-cara para rebater, interagir, defender-se; cuspir na cara, berrar e expor seu ponto de vista. É covarde porque parte de uma única premissa, a “verdade” do emitente da fala, já que o “agredido”, se tiver um mínimo de bom senso, embora ferido, só tem como recurso silenciar (o silêncio é mensagem): calar-se-á, bloqueará o ex-amigo-ofensor, mas, o maldito malfeito, já terá produzido estragos irreparáveis, relacionamentos terão ficado despedaçados e seus danos irrecuperáveis. Não dá pra desdizer o que se grafou no ambiente  virtual; flecha flamejante lançada jamais retornará, ou se apagará. Bons tempos aqueles em que usávamos borracha e lápis preto. Ou aquele em que cartas podiam ser rasgadas, para o próprio bem de quem as escrevia e de quem as recebia, tantas e tantas vezes manchadas pelas lágrimas de um e de outro. Hoje não mais, a punhalada grafada com o artifício frio e lancinante do teclado torna-se imortal, fincada no coração, na alma e na nuvem virtual. De súbito, não mais necessário é terminar-se um relacionamento ”to meet  face to face”.  Termina-se pelo smartphone, pelo laptop: “não deu”, “a fila anda”, e só.
O que dizer, então, das divergências normais entre familiares: irmãos, pais, filhos, em que se podiam discutir na sala, no almoço, no jantar? Nem pensar! Tudo, tudo, tudo é levado ao pé da letra e as ofensas mais sinceras desaguam e encontram seu leito nas redes sociais; aí, é filho bloqueando mãe, é mãe bloqueando filho, marido e mulher nem pensar, tudo pode acontecer: “desfiz amizade com você”, ponto final! Ou, “não se meta a comentar meus posts”!
Chegamos ao absurdo do mundo do business. Na Austrália, a empresa “Sorry, it’s over” especializou-se na mais nova forma virtual de se dar um “pé--na-bunda” de alguém, sem ter de mostrar a cara e oferece aos covardes várias opções para que se dê o ponto final, seja pelas mídias eletrônicas, ou, mesmo por telefone (ops) smartphone!
Só na minha família (verdade), irmãos tiveram relacionamentos abalados, sogras e noras, mãe e filhas e filhos, marido e mulher, tios e sobrinhos, amigos ex-queridos... Toda uma vida de bom relacionamento, de esporro normal, cara-virada, impropérios, xingamentos, roupa-suja que logo se lavava e se passava, hoje, por escrito, tornaram-se poluentes das nuvens virtuais; são os novos obsessores mentais, e, porque não, sociais, desse bendito século XXI. Tenho pensado seriamente que esses recursos tecnológicos vieram direto do inferno, do purgatório, sei lá; pois, seus efeitos duram e perduram ad eternum, e, com certeza, irão nos assombrar do lado de lá: “Ahhhhhh, te peguei! Agora, me explica o que você quis dizer com aquele post”!  
Daí, moçada, a partir dessa constatação, recuso-me a escrever o que venha da minha alma como forma de desabafo, também, me recuso a receber “ má-criações” pelos whatsApp d vida. Quer falar comigo? Quer brigar comigo? Quer me xingar? Vai ter que ouvir e aturar a “portuguesa”, in loco. Por favor: face to face! Amém?

Maria Angela Coelho Mirault – Professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de SP

http:mamirault.blogspot.com.br

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