sábado, 2 de junho de 2018

Quero ver a liberalidade aqui


       
            Duvido que publiquem! Duvido que tão claramente assim, se justifique, sem que os carolas pudicos se horrorizem; os pseudos-liberais a abonem. Duvido que, assim, tão explicita, os senhores das leis não se deem conta da licenciosidade envolvida; que os legisladores e executivo da cidade não se detenham e que, TODOS, diante do estranhamento, não se questionem: é isso mesmo que estão dizendo, na nossa cara?         Foi, exatamente, assim que, em nossa fria manhã deste sábado (2/6), nossa cidade-capital, Campo Grande amanheceu e foi brindada.  A mensagem é safada, insidiosa, grotesca, criminosa e diz assim: “No Dia dos Namorados, saia da dieta e coma uma “piroca”! E, “No Dia dos Namorados, saia da dieta e coma uma buceta”! Os outdoors estão em toda cidade; impossível não vê-los e não os decodificarem, exatamente como intentaram que o fossem (na linguagem e interpretação de alguns respeitáveis publicitários; exitosa campanha!). Alguns acharam engraçado e tocaram suas vidinhas amorais, outros, sequer, se deram, ou, se darão, conta da obscenidade ali exposta; a título de licença publicitária. Os inúmeros outdoors encontram-se em todos os lugares comercializáveis, emporcalhando nossa cidade - incluindo um dos quais ao ladinho da Igreja Matriz  de  São José!
            Então, tá! Se a exacerbação do tema veio da mente de uma pessoa reacionária cujo imaginário licencioso “leu” e “interpretou” o que quis, pode, TUDO! Se nada tem demais, se a interpretação é livre e de responsabilidade do receptor, porque lá, na mensagem publicitária, só está “um saco de pipocas e algumas batatas, com letrinhas e espaços pra completar (P - - - CA;  B - - -A”,  vamos usar o espaço público para qualquer mensagem, sejam elas licenciosas, imorais, racistas, mentirosas, insidiosas, que manifestem nossos mais obscuros valores, crenças e doenças mentais. Então, tá, se está tudo justificado, em nome do não-censuramento, que fique instituído o vale tudo – pagou/veiculou! Que passe a valer para tudo, sejam mensagens indutoras ao nazismo à explícita manifestação de racismo;  às divergências religiosas, à homofobia, e, seja mais lá o que  nos der na telha! Se o que está valendo (e deva ser preservado) é a liberdade de opinião e expressão;  é o direito ao livre-pensar, à licença poética e publicitária, à relação de demanda e consumo, como diria Tim Maia, a partir de então, vale tudo!
As palavras nada mais são do que signos arbitrários. Ponto! Mas, é no ecossistema semiótico social que se consolidam e representam alguma coisa para aquele sistema. Palavras indicam coisas; nomeiam coisas, organizam o caos. Na verdade, é fato de vertente científica no que diz respeito ao tema, que toda e qualquer mensagem só se realiza, encontra significado, na recepção do agente receptor, e, não na emissão do emissor, nem do mensageiro. Em tese, “não sou responsável pelo que você entende do que eu quis dizer”. De fato, é o receptor que detém o start do reconhecimento sígnico, da decodificação dos códigos linguísticos que constituem o texto emitido, em conformidade com seu potencial  e referencial simbólico, seu ecossistema semiótico.  Porém, isso não isentará, em nenhuma hipótese, o criador, o mensageiro e o veiculador da mensagem dos resultados obtidos, no final da cadeia semiótica comum a ambos. Estivesse ela codificada em russo, não haveria no nosso imaginário linguístico referencial de reconhecimento cultural possibilidade de decodificação; portanto, não haveria sequer a mensagem, por não haver recursos para sua interpretação e decodificação sígnica.
Com relação à peça publicitária, em questão, tanto o criador (infelizmente, nem entendeu seu juramento e sua responsabilidade profissional); a agência que a produziu; o empresário que a encomendou, a aprovou; a referendou e a pagou; a empresa que a admitiu e comercializou seu espaço concessionado pelo poder público, bem como,  os órgãos públicos que permitiram, por ignorância, ou omissão, sua publicização, são, sim, responsáveis pelo apelo violador, nela contida, no âmbito da Estética e da Ética que deveria, deverá, vigir nossa convivência social civilizada. É pra isso que estamos convivendo em sociedade. Dizer o que se quer, custe o que custar pode nos custar muito caro. Sem conservadorismo, sem puritanismo, sem viés reacionário, seja lá quem for, que se retirem, já, esses componentes do mobiliário urbano de nossa capital. Que assumam suas responsabilidades, cada qual em sua instância. Nós não merecemos isso!

Professora Maria Angela Ceolho Mirault – Doutora e Mestre em Comunicação e Smiótica pela PUC de São Paulo
C. Gde, 02 de junho de 2018.

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