sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Quando o que se tem é nada a perder

Quem não assistiu (recomendo) "Capitão Phillips", o mais recente filme protagonizado pelo sempre excelente ator Tom Hanks (merece mais uma vez sua sexta indicação ao Oscar), levado às telas mundiais em outubro do ano passado - agora só disponível em DVD ou Blu ray- vai acompanhar o melhor o que tenho a dizer. O filme, baseado no livro de memórias escrito pelo próprio Phillips, transformado no longa dirigido por Paul Greengrass (de "O Ultimato Bourne", "Voo United 93"), reencena uma história real de Richard Phillips, capitão do cargueiro Maersk Alabama, que foi mantido refém por piratas somalis durante cinco dias em abril de 2009. O ataque transformou-se em incidente de relações internacionais, levando a Casa Branca a autorizar que a Marinha tomasse medidas extremas para resgatá-lo - inclusive, para eliminá-lo, em última instância, conclui-se ao assistir ao filme - inflamando a opinião pública norte-americana. Sob duas cosmovisões díspares, o filme tem início com imagens da miserabilidade estrema, dos somalis, e o cotidiano doméstico comum que bem retrata a vida de um profissional de classe média alta dos Estados Unidos, como se quisesse bem diferenciar as formas de vidas que se entrelaçariam no episódio que se sucederá desde o embarque do cargueiro e do capitão em Omã rumo a Mombaça (Quênia), a falta (e a soberba da) de segurança no navio, os ataques dos piratas, o sequestro em si, as sucessivas más-decisões do capitão, a situação da tentativa de resgate e sua finalização pela elite da Marinha norte-americana. O thriller prende nossa atenção desde o início. Passando grande parte em alto mar, surpreende-nos que aquela gente miserável, esquálida, mal-ajambrada (e muito feia) tenha tido êxito no ataque ao monumental transatlântico. Era apenas quatro pobres coitados com uma encomenda a realizar, a de sequestrar, para ganhar uns trocados dos seus verdadeiros patrões que negociariam o resgate. Por seu turno, a intelligentsia tecnológica indefesa, ineficiente e submissa aos quatro pobres mortais movidos, antes de tudo, pelo medo. O medo é o grande personagem sem corpo dos dois mundos em confronto. Diante das declarações da governadora Roseana Sarney, com relação à extrema violência e poder das facções carcerárias em seu estado – piratas que tomaram o “navio” e mandam matar dentro e fora do presídio; decapitando companheiros e incendiarndo crianças - de que “um dos problemas que está atraindo a insegurança no Maranhão é a de que o estado está mais rico”; diante das estatísticas trazidas pelo senador Cristóvan Buarque – em texto que nos deseja, no “ano da copa”, “um feliz 2015”, e nos lembra que “cinquenta mil brasileiros são assassinados por ano, outros cinquenta mil morrem no trânsito e outros 515 mil estão presos; a droga compromete a vida, a capacidade de trabalho e o futuro de centenas de milhares de nossos jovens; metade da população não tem acesso a água e esgoto; e a economia se desindustrializa”; diante da pesquisa que nos revela que 50% de brasileiros desempregados têm mais de 11 anos de estudos; de que o índice de analfabeto funcional com diploma de curso superior no Brasil chega a 38% (segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope); diante do superfaturamento das obras para sediar a copa; diante de..., cabe-nos, metaforizando o filme, aqui uma reflexão. Estamos em alto mar. Alguns pensam estar no comando do navio cargueiro e pensa levar toneladas de sua riqueza ao seu destino, enfrentando, apenas, a turbulência do mar revolto e das possíveis tempestades no trajeto. O capitão pensa comandar sua reduzida tropa, despreparada para qualquer fato inusitado, mas, não está preparada para uma ataque de famintos em barcaças inapropriadas, improvisadas, sem nada que os proteja, sujeitos, também, às intempéries do mesmo mar revolto e às mesmas tempestades. O êxito da empreitada que levou o presidente dos Estados Unidos a intervir e a Marinha norte-americana a agir, deu-se por um único fator, os somalis, antes de serem vencidos, deram um trabalho danado pelo simples fato de que quando o que se tem é nada a perder, nada poderá demover a ação que se põe a realizar, e, em uma sucessão de fatos, o horror da potencialidade humana, para sobreviver, se revela. No nosso caso, resta-nos saber quando é que os quatro somalis (que nada têm a perder) tomarão o navio e uma recomendação particular: assista ao filme. Maria Angela Coelho Mirault – professora, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo – http://mamirault.blogspot.com

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