sexta-feira, 23 de maio de 2014

... também não gosto do Dia das Mães

10 de maio de 2014 às 18:03 Lá venho de novo encarnar o Grinch. Agora, com relação à segunda data de maior consumo no comércio, o Dia das Mães. Pra quem não lembra, o Grinch é uma produção cinematográfica alemã/norte-americana, lançada em 2000, que traz a lume um personagem que odeia o Natal. Para impedir que os habitantes da pequena cidade de Quemlândia possam comemorar a data, Grinch planeja sequestrar o espírito natalino. Tudo acontece dentro de um floco de neve, onde vive uma criatura extremamente mal-humorada que, ao querer acabar com o Natal, coloca “a felicidade” das pessoas em risco. É óbvio tratar-se de um personagem odioso – ele é feio, verde, esquisito – afinal, onde já se viu mexer com a “alegria natalina” que a todos contamina? Óbvio também, nessa história, a previsível conversão do malvado, que se arrependerá, pois uma criança tentará convencê-lo da beleza do Natal, blá-blá-blá... Assim como o Grinch – sem ser verde, considerar-me feia, ou esquisita - odeio o espírito de época dessas datas forjadas e alusivas a qualquer coisa. E com esse sentimento malsão no coração, não poderia ser indiferente a esta data considerada a segunda de consumismo (só perde pro Natal!), em que o mercado comemora o Dia das Mães. Pois bem, porque, minha senhora, perguntará o leitor (se é que ainda mantenho algum), tanta amargura? E, lhe direi: porque (1) quem teve uma boa mãe (são raros) não precisará de um dia no calendário para homenageá-la e presenteá-la; o convívio, o respeito, o carinho já o fez durante todo o sempre, o ano todo, diuturnamente, ad eternum, privilegiados que foram e reconhecidos que o são; (2) quem teve uma mãe assim-assim não será nesse dia que a "amará incondicionalmente", já que os traumas adquiridos na infância e na adolescência, como manchas indeléveis sempre serão duras de serem removidas - se com Freud fica difícil, não será o mercado de compra e venda em um único dia do ano que as removerão. Para estes (maioria), tanto o presentinho quanto a visitinha não terão passado de um Dever; uma Obrigação; (3) quem trás em seu coração a presença indelével da mãe-madrasta, quando muito, terá se permitido uma visitinha, um telefonemazinho, quem sabe, uma passadinha e até o esforço supremo de um almoço em "família" com o intuito de cumprir sua "obrigação" - no final do dia, durante o Fantástico, terá se sentido livre (e, salvos do inferno), crendo que cumpriu com a rotina que o mundo comercial lhe designou e a força do consumo lhe impôs; (4) para as mães, cujos filhos já foram perdidos para a morte, para as ruas, para as drogas, que domingo infernal terá sido esse? (5)... para os filhos que não desfrutam mais da presença materna como terão passado o domingo? (6) ... para os que nunca conheceram a Sua Mãe que fizeram na data? (7)... para os que por ela foi abandonado, o que sentido terá tido esse dia? E ... ? Para quem é filho, independente da sua presença, do valor do presente, das festividades do calendário comercial, e, mesmo da sua ausência, uma coisa poderá ser feita e de agrado a todo tipo de mãe, a qualquer tempo e a qualquer hora, sem razões, motivos e datas especiais: uma prece de agradecimento, pelo menos, por terem cumprido a missão maior que Deus lhes confiou nessa vida, a de tê-los trazido ao mundo. Razão essa, pela qual já lhes terá bastado toda e qualquer homenagem, pois, para todas nós, ser mãe é, mais do que tudo, perder todos os dias, imperceptivelmente, o filho a quem demos a luz e acalentamos - ou não - para o mundo e para a própria vida. Para nós, independente das comemorações, cada minuto que passa, cada dia que anoitece significa muito mais do que a simples contagem do tempo, pois nos é, também, cada segundo um instante de despedida, de adeus e de morte. Por tudo isso, como Grinch, assim como não gosto do Natal do Mercado, também não gosto do Dia as Mães do Comércio. Maria Angela Coelho Mirault – professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP Campo Grande, MS, 10.05.2014

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